Um dia após avanço no Senado, STF ouve argumentos de indígenas e ruralistas sobre marco temporal
Um dia após o Senado avançar na discussão do marco temporal, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou nesta quarta-feira a julgar as ações que questionam a constitucionalidade do instrumento para demarcação de terras indígenas. Após a leitura do relatório e das sustentações orais de algumas das partes, a análise foi suspensa e será retomada nesta quinta-feira.
O julgamento ocorre apenas um dia depois de o Senado ter avançado na discussão do tema, ao aprovar requerimentos relacionados ao projeto que estabelece o marco temporal. Incluída na pauta do Senado de última hora, a votação na casa legislativa foi vista como uma reação ao Supremo depois de uma decisão de Gilmar mudar, na semana passada, trechos da Lei do Impeachment.
Nesta quarta, em um gesto de distensionamento, Gilmar suspendeu o trecho da decisão que definia que somente a Procuradoria-Geral da República (PGR) pode apresentar pedidos de impeachment contra ministros da Corte.
Na sessão de julgamentos, advogados que representam povos indígenas defenderam a inconstitucionalidade da tese do marco temporal, segundo a qual só teriam direito às terras ocupadas até a promulgação da Constituição, em 1988. Eles sustentaram que os direitos indígenas são originários, anteriores ao próprio Estado brasileiro, e não podem ser limitados por uma data específica.
O advogado Adriano Terena, coordenador do jurídico da APIB, , afirmou que o marco temporal compromete diretamente a eficácia do artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece os direitos originários dos povos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas e determina ao Estado o dever de demarcá-las e protegê-las.
— Diante desses dados, é indiscutível que as comunidades indígenas são verdadeiros guardiões dos biomas e que as terras indígenas constituem as principais barreiras de contenção da crise climática. As consequências da decisão deste caso serão sentidas por muitas gerações — disse.
Argumentaram ainda que muitos povos foram expulsos de seus territórios por violência ou políticas estatais antes de 1988, o que tornaria injusto exigir ocupação contínua até essa data. Para os representantes indígenas, a proposta viola dispositivos constitucionais que garantem a posse permanente e o usufruto exclusivo das terras tradicionalmente ocupadas, além de ameaçar a sobrevivência física e cultural das comunidades e comprometer a preservação ambiental.
Por outro lado, defensores do marco temporal, incluindo representantes do agronegócio e ruralistas, alegaram que a fixação de um limite é necessária para garantir segurança jurídica e evitar conflitos fundiários. Segundo eles, sem um marco temporal, haveria risco de revisão de títulos consolidados, o que poderia gerar insegurança no mercado e afetar a produção agrícola.
Sustentaram também que a Constituição de 1988 deve ser o ponto de referência para definir direitos territoriais, e não períodos anteriores, e que a ausência de um marco poderia permitir reivindicações ilimitadas, afetando áreas produtivas e políticas públicas.
Entenda o caso
A chamada tese do marco temporal prevê que povos indígenas só poderiam reivindicar terras que ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Em setembro de 2023, o plenário do Supremo derrubou essa interpretação ao considerar inconstitucional sua aplicação na demarcação de territórios, em decisão com repercussão geral.
Por maioria, os ministros afirmaram que a proteção constitucional aos direitos originários independe da fixação de um marco temporal ou da existência de conflito físico ou judicial na data da promulgação da Carta.
Antes da publicação do acórdão do Supremo, porém, o Congresso aprovou uma lei que restabeleceu a tese do marco temporal para terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas em 1988.
O presidente da República vetou diversos dispositivos, mas os vetos foram derrubados pelo Legislativo. Com isso, partidos e entidades de defesa dos direitos indígenas recorreram ao Supremo, tanto para questionar a lei quanto para sustentar sua validade.
O caso, então, voltou ao STF, que decidiu realizar uma conciliação para tentar alterar a lei aprovada e buscar um acordo entre indígenas, que defendem a derrubada integral da lei, e proprietários rurais, que pedem segurança jurídica para permanecer em áreas ocupadas após 1988. Agora, os ministros irão analisar o resultado dessas tentativas de mediação. Ao todo, 23 audiências foram conduzidas pelo tribunal em busca de uma solução para o imbróglio.
