PL Antifacção: governo articula no Senado retirada do conceito de organização criminosa 'ultraviolenta' e tenta recompor verbas da PF
O governo vai atuar no Senado para retirar do projeto Antifacção o conceito de “organização criminosa ultraviolenta” e para recompor o modelo de financiamento da Polícia Federal, alterado pela Câmara. Uma análise técnica interna afirma que ambos os pontos — centrais no texto aprovado pelos deputados — abrem brechas jurídicas e reduzem a eficácia do novo marco legal de enfrentamento às facções.
A avaliação é que o PL Antifacção, aprovado pela Câmara nesta terça-feira, necessita de ajustes significativos. Um dos pontos mais sensíveis é a definição introduzida pelos deputados para “organização criminosa ultraviolenta”. Técnicos afirmam que o conceito é impreciso e pode gerar disputas judiciais, justamente em um marco legal pensado para endurecer punições. O líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (PT-SE), diz que há preocupação com a sobreposição.
— A imprecisão favorece a bandidagem. Uma lei imprecisa dá margem para questionamentos jurídicos de quem comete o crime — disse Carvalho.
A análise do governo também aponta que a Câmara alterou o modelo de destinação de bens apreendidos. O texto divide os ativos entre União e estados, mas técnicos defendem a centralização no Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) como forma de reforçar o orçamento da Polícia Federal e garantir o uso mais eficiente dos recursos. Essa é hoje a principal divergência entre Executivo e Câmara.
Outro eixo de preocupação é a rejeição de propostas que constavam do texto original do governo. Entre as medidas retiradas do texto estão:
a infiltração de policiais e colaboradores em facções;
o acesso facilitado a dados cadastrais por autoridades policiais e pelo Ministério Público;
a previsão de coordenação da Polícia Federal em operações de cooperação internacional.
Segundo a análise, a ausência desses instrumentos compromete investigações em um cenário de facções com braços até no exterior.
Apesar das críticas, o governo reconhece que o texto aprovado preservou mecanismos importantes. Permaneceram a intervenção judicial em pessoas jurídicas usadas para lavagem de dinheiro e a inclusão das condutas relacionadas às facções na Lei de Crimes Hediondos — pontos considerados decisivos para atacar a base econômica das organizações.
A análise também ressalta a necessidade de manter a regra que exige autorização judicial para comunicação de presos com visitantes e advogados em situações específicas de risco. A avaliação é que esse controle reduz a capacidade de líderes de facções de continuar comandando operações criminosas a partir das penitenciárias.
Otto vê Senado como “fase estratégica”
O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Otto Alencar (PSD-BA), afirmou nesta quarta-feira que o Senado fará mudanças no projeto e classificou a tramitação na Casa como “a mais estratégica” de todo o processo. Ele destacou que pretende ouvir PF, Ministério Público, polícias civis e outros órgãos antes de consolidar o texto:
— Vamos construir o texto final da lei a partir dessas contribuições — disse Otto, acrescentando que o objetivo é entregar ao país uma legislação “eficaz e transformadora”, capaz de endurecer “de uma vez por todas as penalidades contra esse mal que são as facções”.
Relator promete revisão completa e ajustes de mérito
Escolhido para relatar o projeto no Senado, Alessandro Vieira (MDB-SE) afirmou que fará uma revisão integral da proposta enviada pela Câmara, reavaliando constitucionalidade, técnica legislativa e pontos de mérito — em especial o modelo de financiamento da Polícia Federal, hoje o maior impasse.
— Vamos fazer agora a revisão técnica desse texto. Existem pontos de dúvida. E, no mérito, a grande questão será a garantia do financiamento integral da Polícia Federal — disse Vieira.
O senador antecipou que mudanças são prováveis, inclusive em trechos que motivaram críticas dentro da própria Câmara, como o tipo penal criado para punir quem dá guarida a membros de facções. Ele afirmou que a etapa no Senado deve ser concluída ainda em novembro:
— Eu espero, dentro do mês, entregar um texto já pronto para a votação em plenário — declarou.
Vieira disse ainda que o presidente da Câmara, Hugo Motta, se comprometeu a dar celeridade caso o texto retorne para nova análise.
Como foi a votação na Câmara
O PL Antifacção foi aprovado por 370 votos a 110, após o relator, Guilherme Derrite (PP-SP). O projeto:
cria um marco legal específico para facções, milícias e grupos paramilitares;
estabelece penas de 20 a 40 anos, podendo chegar a 66 anos;
torna todas as condutas definidas no projeto crimes hediondos;
amplia o confisco de bens, inclusive antecipado;
cria um banco nacional para registro de criminosos;
restringe progressão de regime;
estabelece regras mais duras de comunicação de presos.
A oposição tentou incluir a equiparação de facções ao terrorismo, mas o presidente da Câmara, Hugo Motta, anulou as tentativas ao considerá-las “estranhas ao texto”.
A votação foi marcada por embates abertos entre governo e Câmara. Gleisi Hoffmann, ministra da Secretaria de Relações Institucionais, disse durante a sessão que o texto representava uma “lambança legislativa” e enfraquecia a PF. A corporação, por sua vez, reagiu ao dispositivo que destina bens apreendidos ao Fundo Nacional de Segurança Pública quando houver participação federal nas investigações — mudança que, na prática, reduz o financiamento próprio da Polícia Federal.
