Motta defende ampliar debate e diz que não está interessado se troféu vai para 'Derrite ou Lula'
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou nesta sexta-feira (14) que o adiamento da votação do projeto de lei antifacções, inicialmente prevista para a última quarta-feira, tem como objetivo ampliar o debate e evitar que o tema seja capturado pela disputa política entre governo e oposição. A votação foi remarcada para a próxima terça-feira, dia 18, e será o único item da pauta na sessão. Em entrevista à GloboNews, Motta rebateu a narrativa de que o recuo representaria vitória do governo Lula na queda de braço com o relator da matéria, o deputado Guilherme Derrite (PP-SP).
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— Quero que todos sentem a mesa e debatam com seriedade. Não estou interessado se Derrite vai ganhar troféu ou se esse troféu vai pra Lula. Isso não está na minha lista de prioridades. O que pretendo é que o Congresso endureça as leis e os bandidos entrem e fiquem na cadeia. Com essa quantidade de leis frágeis, não é isso que acontece hoje no Brasil — disse o presidente da Câmara.
O novo adiamento ocorreu após pedidos de líderes partidários, governadores de direita e do próprio Planalto, que ainda apontam problemas no texto. A proposta enviada pelo governo foi alterada por Derrite, que apresentou quatro versões do relatório em seis dias e prometeu novas revisões até terça.
O Planalto critica pontos que, em sua avaliação, fragilizam o financiamento e a atuação da Polícia Federal (PF). A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, tem dito que prefere que a PEC da Segurança Pública seja votada junto, ou antes, do PL Antifacções. Segundo ela, o governo levou seis meses discutindo o texto original com especialistas e secretarias estaduais.
Os governadores de direita Cláudio Castro (PL-RJ), Ronaldo Caiado (União-GO), Romeu Zema (Novo-MG), Jorginho Mello (PL-SC) e a vice-governadora do DF, Celina Leão (PP) também pediram mais tempo e sugeriram que Motta consultasse o STF para evitar futuros questionamentos jurídicos. Eles defenderam ainda ajustes como endurecimento da maioridade penal e restrição de audiências de custódia para reincidentes, pontos que não foram incorporados pelo relator.
A atuação de Derrite tem provocado desconforto. Aliados, governistas e até bolsonaristas admitem dificuldades do relator, que é secretário de Segurança Pública licenciado da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), em costurar acordo entre as forças políticas.
As críticas se concentraram em dois pontos principais: um risco de desorganização normativa, com sobreposição entre o novo tipo penal de “facção criminosa” e a lei de organizações criminosas; e a fragmentação dos recursos destinados à PF, considerada um retrocesso por técnicos do Ministério da Justiça.
“Esse tumulto normativo poderá beneficiar criminosos investigados em procedimentos já instaurados contra eles”, afirmou o Ministério da Justiça, antes da apresentação da quarta versão do relatório.
– Em vez de fortalecer a PF, o texto promove uma fragmentação orçamentária em relação aos fundos que compromete a eficiência no enfrentamento às organizações criminosas de atuação interestadual – afirmou o deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ), pelo X.
Na quarta versão, Derrite criou o conceito de “organização criminosa ultraviolenta”, retirou trechos que ameaçavam a autonomia da PF e passou a destinar parte dos bens apreendidos ao Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-fim da Polícia Federal (Funapol). Para a equipe jurídica do governo, porém, o texto segue “improvisado” e mantendo brechas que podem favorecer faccionados.
Além das pressões técnicas, há o componente político: a oposição tenta ressuscitar um destaque para equiparar facções ao terrorismo, medida rejeitada por governistas, empresários e especialistas por possíveis consequências internacionais, como brechas para intervenções externas e impactos ao turismo. A cúpula da Câmara e parte do Centrão também se opõem ao dispositivo.
O Planalto ampliou o ataque público ao relatório, sobretudo nas redes sociais, associando as mudanças propostas por Derrite a riscos para a PF. A estratégia irritou aliados de Motta, que veem “salto alto” do governo e alertam que a ofensiva pode ter efeito oposto, empurrando o plenário a aprovar pontos indesejados pelo próprio Executivo.
Paralelamente, Derrite tem buscado blindagem política. Na noite de quarta-feira, após deixar o plenário, jantou com os ex-presidentes da Câmara Arthur Lira (PP-AL) e Eduardo Cunha (Republicanos-RJ).
— O jantar foi um encontro fortuito. Eu jantar com o Arthur é normal, foi um encontro fortuito de estar ao mesmo tempo eu e Arthur e chegar ele (Derrite). Foi um encontro que a gente aproveitou para bater papo e discutir a situação. Foi só isso, nada demais, não foi nada pré-combinado — justificou Cunha ao GLOBO.
O debate sobre o PL Antifacções tornou-se também uma vitrine política às vésperas de um ano eleitoral. O senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo, ironizou as dificuldades do relator ao afirmar que “o relatório do Derrite derrete”.
Já aliados do bolsonarista sustentam que o desgaste é temporário e que a oposição tenta “sinucar” o governo na pauta de segurança pública, tema de forte apelo popular.
– Só haverá desgaste com potencial eleitoral para Derrite e Tarcísio caso o texto não seja votado este ano. O tema é muito quente, adere entre a população. O Derrite precisará de tempo para aprovar o PL e vai conseguir sinucar a esquerda – avalia um bolsonarista que se encontrou recentemente com o deputado-relator.
Especialistas, no entanto, avaliam que a condução errática de Derrite já deixou marcas. Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV, o deputado demonstrou “fraqueza” ao não dominar as implicações das mudanças propostas e ao confrontar a PF:
— Porque ele chegou meio que o bam-bam-bam da história, para relatar, para resolver. Porém, a realidade política não é isso. Política é você chegar, escutar o que os outros têm a dizer e tentar construir, colocando a divergência no mesmo ponto de convergência possível. E isso demanda tempo — afirmou.
