Mencionado por Lula, comércio em moedas locais ganha novo peso político antes de reunião com Trump
O anúncio de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende discutir o uso de moedas locais no comércio entre Brasil e Indonésia, durante sua viagem ao Sudeste Asiático, pode soar como uma proposta ousada ou inédita. Na prática, porém, o país já adota esse modelo com alguns de seus principais parceiros da região.
O tema ganha contornos políticos por surgir às vésperas do encontro entre Lula e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, marcado para este domingo, na Malásia. Trump já deixou claro, em diversas ocasiões, que não admite sequer a possibilidade de o dólar perder espaço nas transações comerciais internacionais — realidade predominante nas operações globais — e tem ameaçado o Brics, bloco de países em desenvolvimento do qual o Brasil faz parte, com elevação de tarifas caso a iniciativa avance.
Segundo interlocutores do governo brasileiro, se o assunto vier à tona, Lula deve reiterar a defesa de mecanismos financeiros alternativos e da diversificação das parcerias do Sul Global — temas que, em geral, despertam pouca simpatia em Washington.
A proposta a Jacarta, portanto, não inaugura uma nova era nas relações comerciais do Brasil, mas reafirma uma estratégia que o país já pratica há anos: buscar caminhos próprios para reduzir custos, ampliar mercados e equilibrar seu papel na economia internacional.
Desde 2008, Brasil e Argentina mantêm um Sistema de Pagamentos em Moedas Locais (SML), que permite a empresas dos dois países realizar transações comerciais sem recorrer ao dólar. O mecanismo, criado pelos bancos centrais de ambos, facilita exportações e importações, reduz custos cambiais e incentiva a integração econômica regional.
O sistema também está em vigor com o Uruguai, desde 2014, e com o Paraguai, a partir de 2018. Há conversas para estendê-lo à Bolívia, à Indonésia e a outros países do Brics, como a China, principal adversário dos Estados Unidos na disputa pelo protagonismo econômico mundial.
Com os chineses, o Brasil discute não apenas a ampliação do uso de moedas locais no comércio, mas também a inclusão do instrumento na composição de reservas e portfólios financeiros, segundo integrantes do governo.
A ideia, portanto, é antiga — ainda que o tema volte a ganhar destaque em um momento diplomático delicado. Ao propor à Indonésia um modelo semelhante, Lula reforça um argumento que tem repetido em fóruns internacionais: o de que países em desenvolvimento devem buscar maior autonomia financeira e menor dependência do dólar nas trocas comerciais.
De acordo com o Banco Central, o sistema dispensa o uso de uma terceira moeda — normalmente o dólar — nas transações. Com isso, o exportador pode fixar o preço de sua mercadoria ou serviço na moeda de seu próprio país, evitando exposição às variações cambiais e assegurando o recebimento integral do valor negociado, o que oferece mais previsibilidade e segurança nos custos.
“O SML amplia a integração econômica e financeira entre os países participantes. A possibilidade de realizar transações internacionais em moeda local reduz entraves e facilita, especialmente, a atuação de pequenos e médios produtores que desejam exportar”, ressalta a autoridade monetária.
No convênio firmado com a Argentina, o sistema abrange apenas o comércio de bens. Com Uruguai e Paraguai, permite também operações de bens, serviços e transferências unilaterais — como remessas de pessoa física para pessoa física de pequeno valor.
Ainda segundo o Banco Central, em 2024, o Brasil exportou R$ 3,38 bilhões para a Argentina e importou R$ 1,75 milhão por meio do SML. Com o Paraguai, foram exportados R$ 830,04 milhões e importados R$ 161,67 milhões. As vendas para o Uruguai, em reais, somaram R$ 376,44 milhões, enquanto as compras atingiram R$ 54,31 milhões.
Assim, longe de representar uma ruptura, a proposta de Lula à Indonésia reafirma um movimento contínuo de busca por autonomia e integração regional, num cenário em que o debate sobre o papel do dólar volta a ocupar o centro da política global.
