Investimentos bilionários alimentam temor de bolha na IA. Microsoft renova parceria com OpenAI
Criadora do ChatGPT, a OpenAI deu ontem um passo histórico aguardado por investidores e analistas. Após um ano de negociações, a empresa de inteligência artificial (IA) adotou nova estrutura com fins lucrativos, modelo semelhante ao de concorrentes como a Anthropic e a xAI, de Elon Musk. Para concluir a reestruturação, revisou seu acordo com a Microsoft, que já havia apoiado a empresa com US$ 13,75 bilhões em aportes. Na nova modelagem, o percentual da Microsoft cai de 32,5% para 27%, mas sua fatia do bolo é agora avaliada em US$ 135 bilhões.
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O movimento ocorre em meio a uma preocupação crescente de que o frenesi de investimentos em IA esteja inflando uma bolha tecnológica. No mesmo dia, a Microsoft alcançou US$ 4 trilhões em valor de mercado após a notícia, o governo dos EUA anunciou acordo de US$ 80 bilhões para ampliar a energia nuclear usada em sistemas de IA, e a Nvidia revelou aporte de US$ 1 bilhão na Nokia para desenvolver redes inteligentes.
Nesta semana, a Qualcomm, que tenta desafiar o domínio da Nvidia, lançou linha de chips que fez suas ações saltarem 11% em um único dia, a maior alta desde 2019.
Bolha: OpenAI aposta no futuro comprando milhões de chips sem recursos suficientes
Os alertas sobre o risco de uma “bolha de IA” têm voltado com força nas últimas semanas. O primeiro aviso veio do Banco da Inglaterra, que afirmou que as empresas de IA estão sendo avaliadas muito acima do que talvez valham hoje e alertou que isso pode acabar em uma correção brusca dos mercados. Em outras palavras, seria o estouro de uma bolha.
Paralelo com ‘pontocom’
Já a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, comparou o atual otimismo com o período pré-estouro da bolha das “pontocom”, há 25 anos, e alertou que uma correção abrupta poderia frear o crescimento global. Um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), feito entre janeiro e junho, indicou que 95% dos investimentos em inteligência artificial não geram retorno.
Investimento: CEO da Nvidia tenta dissipar temores de bolha em meio ao boom da inteligência artificial
Líderes como o próprio Sam Altman, da OpenAI, e Jeff Bezos, CEO da Amazon, não descartaram que o mercado pode estar inflado com o crescimento acelerado dos investimentos em IA, ainda que ambos tenham reiterado os planos de longo prazo de suas empresas.
O temor no mercado ganhou força quando a Nvidia, principal fabricante de chips de IA, anunciou que vai investir até US$ 100 bilhões na OpenAI, a empresa dona do ChatGPT, para construir novos data centers de IA. O problema é que estes investimentos têm caráter circular: a Nvidia injeta dinheiro na OpenAI, que usa recursos para comprar chips da própria Nvidia.
É uma relação de dependência que se repete, e a empresa já financiou dezenas de startups que, no fim, acabam realimentando seu lucro.
Pesquisa global divulgada este mês pelo Bank of America apontou que 54% dos gestores de fundos consideram as ações da IA supervalorizadas, um sinal de bolha em meio à alta das ações e do valor de mercado das big techs e à euforia com as soluções de IA criadas até agora.
Não há consenso entre especialistas se o cenário de investimentos em IA configura uma bolha. Ninguém nega que as ações das empresas possam estar sobrevalorizadas, mas por ora há a visão de que grandes empresas que disputam esta corrida têm fundamentos sólidos e capacidade de reinvestir capital em inovação.
Para William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, o movimento atual mais se parece com um superciclo de investimentos, parecidos com os ciclos que financiaram tecnologias como 3G, 4G e 5G. Segundo ele, parte do capital aplicado em data centers, chips e infraestrutura pode não gerar retorno. Mas boa parte desses recursos deve servir para criação de novos negócios transformadores:
— O mercado tem exageros. Nesse mar de investimentos, vai ter dinheiro que não vai ter retorno. É como na indústria do petróleo: às vezes se perfura um poço e só se encontra água. Perde-se dinheiro, faz parte. Bilhões aplicados em data centers e infraestrutura podem não dar o retorno esperado.
Para Alves, a principal diferença em relação à bolha das “pontocom” , que estourou em março de 2000, está no cerne do negócio. Ele lembra que, naquele período, muitas empresas se valorizavam apenas com ideias, sem modelo de negócio definido e sustentadas por alavancagem ou private equity.
Hoje, as maiores investidoras em IA — como Oracle, Meta, Google, Amazon e outras — têm geração de caixa, por já terem outros negócios lucrativos em andamento. O fluxo de caixa somado dessas dez empresas chega a US$ 400 bilhões, diz.
‘Como no Papa-Léguas’
Ele considera benéfico o crescimento da OpenAI ao ponto de se tornar independente e começar a lucrar com seus serviços, além do aumento da concorrência da Nvidia, que antes reinava sozinha, com a Qualcomm e a AMD. A preocupação está nos excessos, avalia. O otimismo exagerado pode inflar empresas sem base:
— Na Nasdaq, tem um grupo de ações de empresas sem receita ou sem lucro que, mesmo assim, performam tão bem quanto, ou até melhor, que as gigantes. Isso preocupa, porque pode chegar o momento em que o mercado perceba o descolamento entre expectativa e realidade. É como no desenho do Papa-Léguas, quando o Coiote corre além do penhasco e só então percebe que o chão acabou.
Como em todas as bolhas, quem sai antes do estouro evita perdas, mas deixa de ganhar dinheiro. Por isso, a tentação dos investidores é grande em continuar, explica Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial e membro sênior do Policy Center for the New South. Segundo ele, o ponto em aberto é se as empresas conseguirão transformar investimentos bilionários em rendimento que justifique o grau de valorização dos ativos:
— O lucro das empresas de data centers não vem da infraestrutura em si, mas dos serviços que ela viabiliza, e a tradução em retorno financeiro ainda não está clara.
Embora ele veja alguns paralelos com a bolha das “pontocom” nos anos 1990, como a euforia, Canuto observa que o contexto atual tem diferenças. O “grosso” dos investimentos não está sendo feito com dívida, e sim via mercado acionário.
Ele alerta, contudo, que se houver uma correção nos ativos, o efeito sobre a riqueza nos EUA, inclusive com reflexos em outras economias, pode ser significativo, devendo afetar o consumo dos investidores de maior patrimônio. Por ora, porém, a valorização das empresas continua, o que indica que tem mais gente apostando na alta.
Uma teia de laços comerciais no setor
Nvidia
Avaliada em US$ 4,7 trilhões, é o epicentro do ecossistema de IA, fornecendo chips essenciais para treinar modelos de IA.
Oracle, Microsoft, OpenAI e xAI (de Elon Musk) gastam bilhões em chips da Nvidia.
A Nvidia, por sua vez, acertou investimento de até US$ 100 bilhões na OpenAI.
OpenAI
Outro polo central em inteligência artificial, ligada tanto a provedores de hardware quanto a empresas de software e nuvem.
Seu principal parceiro e investidor é a Microsoft, avaliada em US$ 3,9 trilhões, provendo infraestrutura de nuvem.
A Oracle firmou um acordo de US$ 300 bilhões em serviços de nuvem com a OpenAI.
A AMD fornecerá 6 gigawatts de GPUs (unidades de processamento gráfico), e a OpenAI terá opção de comprar até 160 milhões de ações da AMD.
Também conecta startups de IA como Mistral, Figure AI, Harvey AI, Ambience Healthcare e Anysphere, que se beneficiam indiretamente dessa infraestrutura.
Oracle
Uma das maiores parceiras de infraestrutura da OpenAI.
A OpenAI firmou contrato de US$ 300 bilhões com a Oracle para fornecimento de serviços de nuvem.
E a Oracle gasta dezenas de bilhões em chips da Nvidia.
AMD
Principal rival da Nvidia no fornecimento de GPUs.
A empresa firmou um acordo com a OpenAI para fornecer 6 gigawatts em capacidade de GPUs, além de dar à OpenAI a opção de comprar até 160 milhões de ações da AMD.
CoreWeave
Startup de serviços de computação em nuvem especializados em IA, baseada em GPUs da Nvidia.
