'Guerra do tarifaço': setores afetados disputam influência, e governo já admite negociar cotas de exportações com os EUA
Uma semana após a reunião entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, em Kuala Lumpur, e sem avanço nas conversas, negociadores brasileiros admitem que, caso não seja possível uma isenção total dos produtos brasileiros no tarifaço imposto pelos Estados Unidos, possa haver concessões setoriais. Isso incluiria, por exemplo, cotas para commodities que tiveram alta de preço no mercado americano após a imposição da tarifa de 50%. O setor industrial, por outro lado, resiste a negociações por segmento, o que já tem provocado uma disputa velada entre os setores produtivos.
Um dos presentes do governo brasileiro na reunião com Trump na Malásia, o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), Márcio Elias Rosa, disse ao GLOBO reiterou que o foco segue sendo na suspensão total do tarifaço, mas admite a possibilidade de negociar taxas mais baixas para uma quantidade específica de alguns produtos.
— Reclamamos sobre a tarifa a produtos como o café porque tem grande impacto (inflacionário) lá. O nosso argumento é que uma medida de redução da tarifa beneficiaria os próprios americanos. Se essa redução vai ser por meio de cota ou não, a negociação é que vai determinar. Pode ser um caminho, desde que a cota tenha dimensão suficiente para o que já exportávamos — afirma Rosa.
Entre os setores ainda não contemplados pelas isenções já existentes, estão alguns que figuram entre os principais da pauta de exportações aos EUA, a exemplo carne bovina, café, máquinas e equipamentos.
O governo brasileiro aguarda o retorno da comitiva de Trump que foi à Ásia negociar com a China para dar andamento às tratativas e há a expectativa de uma missão oficial do chanceler Mauro Vieira e do vice-presidente Geraldo Alckmin a Washington nos próximos dias.
Entre empresários e diretores de entidades setoriais ouvidos pelo GLOBO, há a leitura de que o plano A do governo brasileiro, de buscar uma trégua temporária do tarifaço enquanto durarem as negociações comerciais, não recebeu ainda qualquer sinalização positiva por parte dos Estados Unidos. O plano B, vocalizado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin a empresários, é buscar a ampliação das isenções setoriais.
Marcos Antônio Matos, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) diz que o setor também pede uma suspensão geral das alíquotas por 90 dias, mas salienta que, alternativamente, pleiteia que “o café seja pinçado da ordem executiva dada por Trump em 5 de setembro junto a alguns outros produtos de necessidade americana para entrarem na lista de exceções ao tarifaço”.
— Não foram mencionadas cotas nas nossas conversas, o foco foi na excepcionalidade do café, poque nosso produto é evidentemente necessário no mercado e na economia americana — diz Matos. O setor exportou 8,1 milhões de sacas aos EUA em 2024. Uma cota, avalia uma pessoa familiarizada com o setor, deveria comportar um volume de ao menos 9 milhões de sacas.
Um industrial diz reservadamente que já existe uma disputa velada entre os setores para emplacarem isenções setoriais. Entre os segmentos mais articulados estão os de café e carne bovina, que atuam tanto junto ao governo brasileiro quanto junto à burocracia do governo Trump, com o apoio dos importadores americanos.
O empresário Joesley Batista, do grupo de controle da J&F, e executivos da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), por exemplo, participaram da viagem de Lula ao Sudeste Asiático, e buscam se contrapor às resistências de produtores americanos de estados do Meio-Oeste dos EUA contra uma isenção ao tarifaço para a carne brasileira.
Procurada, a Abiec afirmou acreditar em um "entendimento" entre os dois países que "possa preservar a competitividade do produto brasileiro, garantir previsibilidade aos exportadores e ampliar a presença da carne bovina nacional no mercado norte-americano, segundo maior comprador do Brasil e um importante destino para o setor".
Etanol em disputa
Também reservadamente, empresários e entidades setoriais têm defendido que o Brasil coloque na mesa de negociação concessões ao pleito americano de reduzir tarifas ao etanol americano, mas a proposta esbarra nas resistências do setor sucroalcooleiro e do próprio MDIC.
Um dos pleitos levados por setores prejudicados pelo tarifaço ao governo brasileiro é de que o país reative uma cota com isenção tarifária para exportação do item. A cota existiu até 2020 e estabelecia isenção para 600 milhões de litros a cada ano. A partir desse volume, a tarifa subia.
O Brasil hoje importa o etanol americano, derivado do milho, quando a demanda interna é alta e a produção local não consegue atendê-la. Os Estados Unidos reclamam que a taxação brasileira sobre o produto, de 18%, é elevada. Os EUA taxam em 2,5% o etanol brasileiro, produzido a partir da cana-de-açúcar. Os dois países são os maiores produtores do mundo, o Brasil em segundo lugar.
Membros da equipe que negocia o tarifaço, porém, dizem que os americanos não tocaram no tema do etanol nas últimas conversas, embora seja historicamente um setor importante para os americanos. A tarifa de importação cobrada pelo Brasil ao etanol anidro consta na investigação aberta pelo Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR, na sigla em inglês) nos termos da Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA.
Elias Rosa nega que o MDIC trate do tema das cotas para etanol no momento e diz que uma proposta do tipo não vai partir do Ministério.
O presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), Ricardo Alban, se diz contrário a uma negociação setor a setor porque, diz ele, a medida resolveria o problema apenas para os produtos que têm impacto direto na inflação americana, a exemplo de commodities cujos preços inflacionaram no mercado doméstico americano devido ao tarifaço.
Setores igualmente afetados pela tarifa de 50%, mas sem a mesma capacidade de pressão ou impacto inflacionário nos EUA, alerta Alban, tenderiam a ficar para trás, como o caso dos calçados ou da indústria têxtil.
— Quanto ao etanol, houve cota de isenção até a época da pandemia e os americanos não exportavam para o Brasil, mesmo com esse benefício — argumenta.
