Entrevista: ‘Partidos progressistas erram ao não enfrentar o debate da segurança pública’, diz presidente do PT

 

Fonte:


Pouco mais de três meses após ter assumido o comando do PT, o ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva reconhece a dificuldade de partidos de esquerda em tratar do tema de segurança pública, diz que o partido tornará a pauta uma “formulação prioritária no seu programa” e cobra o apoio do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, à proposta enviada pelo governo ao Congresso.

— Os partidos progressistas, de esquerda e centro-esquerda, erram ao não enfrentar o debate da segurança pública — disse ao GLOBO, acrescentando: — É importante o governador (do Rio, Cláudio Castro) também se posicionar, porque ele não pede celeridade na aprovação da PEC da Segurança.

Catapultado à cúpula do PT a partir do apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Edinho se alia à visão pragmática do presidente ao defender a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, diz que é crítico em relação ao regime de Nicolas Maduro na Venezuela e reafirma que o advogado-geral da União, Jorge Messias, é o nome mais preparado para assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo sob pressão para o chefe do Executivo escolher uma mulher.

Tivemos a operação mais letal da história do Rio com 119 mortes. O governador Cláudio Castro disse que está sozinho no enfretamento das organizações criminosas, o que atraiu o governo para a crise. Como o senhor avalia isso?

Não vou interpretar intenções aqui. Penso que não deveria se politizar algo tão catastrófico assim. Deveria se avaliar onde que os acertos aconteceram, onde que os erros ocorreram e entender que operações dessa magnitude têm que, inclusive, ser planejadas e, quando necessário, se articular antecipadamente com os entes federado. Não sei o que deu início à operação, só posso avaliar as declarações públicas do governador. São ruins, primeiro, porque ela é omissa. Omite todas as ajudas que o Rio de Janeiro pediu ao governo federal e que foram prontamente atendidas. Nunca foi negado a ajuda ao Rio. Omite também todas as vezes que esteve com o presidente e poderia ter argumentado sobre a necessidade de trabalho conjunto do governo federal. Desconheço que ele tenha feito qualquer reunião para tratar desse tema. Toda vez que se politiza a segurança pública quem perde é a sociedade. Penso que é importante o governador também se posicionar, porque ele não pede celeridade na aprovação da PEC da Segurança, que fortalece as ações conjuntas dos entes federados.

Por que o governo Lula tem enfrentado dificuldades no debate do tema de segurança pública?

Os partidos progressistas de centro-esquerda têm dificuldade e erram ao não enfrentar o debate da segurança pública. A segurança pública é um direito do trabalhador. O governo do presidente Lula tem feito o que nunca foi feito, que é enfrentar o crime organizado com inteligência, asfixiando a estrutura financeira do crime. O PT tornará a segurança pública uma formulação prioritária no seu programa. Vamos fazer em dezembro um grande seminário sobre segurança pública. Queremos trazer os nossos governadores ou os secretários de segurança pública e ouvir o que está sendo feito nas nossas principais prefeituras, ouvir quem estuda o tema para ter uma proposta para dialogar com a sociedade.

Após o encontro de Lula e Trump e a reaproximação entre os dois países, o PT pretende modular as críticas ao presidente americano?

O Brasil foi vítima de uma medida muito autoritária (com o tarifaço). Mas quando o PT caracteriza o Trump como um líder fascista, é a forma como ele lida com os imigrantes, a forma como ele persegue os imigrantes. A caracterização dele é de um líder fascista. Eu não mudo por esses aspectos. Mas não significa que o governo Lula tenha que caracterizar.

Durante as negociações do tarifaço, Lula se ofereceu ao presidente americano Donald Trump como intermediador do conflito entre EUA e Venezuela. Como o PT, que defende o regime de Nicolás Maduro, viu esse gesto?

Corretíssimo. O presidente Lula sempre assumiu o papel de mediar os conflitos da América do Sul, mediar com diálogo, não ter violência. É melhor o presidente Lula dialogar com o governo Trump e arrumar uma saída negociada para essa crise ou a gente assistir, por exemplo, a uma guerra aqui na fronteira do Brasil? O presidente Lula não reconheceu a vitória do Maduro. Isso é público.

Mas o PT reconheceu...

Mesmo assim, somos críticos. Eu sou crítico. O PT assinou coletivamente a posição (de reconhecer a vitória de Maduro). Eu sou muito crítico ao que aconteceu na Venezuela. Acho que aquilo não condiz com o que defendemos, porque nós estamos vendo em vários episódios internacionais a democracia sendo banalizada, a democracia sendo afrontada. Portanto, um momento tão tumultuado da história mundial, nós não podemos fazer concessões na concepção de democracia.

Por que o PT ficou em silêncio logo após a decisão do Ibama de conceder licença à Petrobras para perfurar um poço exploratório na Bacia do Foz do Amazonas, que foi celebrada pelo presidente Lula?

O PT não ficou em silêncio. Pessoalmente, tenho me posicionado nesse tema, até antes de me tornar presidente do PT. Não dá para um país com tantas desigualdades sociais abrir mão de uma fonte de riqueza, de uma reserva como essa. Deveríamos dialogar com a sociedade sobre o que vamos fazer com ela. Por que a gente não propõe usar esses recursos para financiamento da transição energética?

Na COP28, Lula defendeu a redução da dependência de combustíveis fósseis. Às vésperas da COP30, o presidente diz que ninguém pode se livrar de combustíveis fósseis. Houve uma inflexão?

Até 2050, 50% da energia consumida no mundo ainda será (derivada do) petróleo. Temos que trabalhar para reduzir o consumo de combustíveis fósseis, mas não podemos negar a realidade. Se as nossas reservas (de petróleo) se esgotam em 15 anos, não tem sentido… ou a gente produz ou vamos ter de importar.

O presidente tem insistido no discurso do “nós contra eles”, criticando o mercado financeiro e se opondo ao Congresso. Por que ele abandonou o tom conciliatório?

Não acho que ele abandonou o discurso conciliatório. O problema é que ele propôs uma agenda para o Brasil e a reação a essa agenda foi muito ruim. Não é uma agenda brasileira, é internacional, que é a agenda da concentração da renda. Estamos vendo uma crise longa do capitalismo, que se inicia em 2008, se estende e não há perspectiva, pelo menos nos próximos anos, que a gente a supere. Temos que distribuir a renda, senão só vamos agravar os problemas sociais.

O presidente confirmou que será candidato em 2026. Acha que essa decisão é reflexo da ausência de sucessores no PT neste momento?

Temos lideranças com condições de disputar, mas não podemos negar a realidade. Se a gente erra no diagnóstico, a gente erra no procedimento. A sociedade brasileira ainda vive em um ambiente de polarização, de confronto de projetos. Nesse sentido, a liderança mais preparada para enfrentar esse debate de quais rumos o Brasil vai seguir é o presidente Lula.

A chapa Lula e Alckmin deverá se repetir em 2026 ou o presidente deve buscar apoio de partidos com capacidade maior de entregar votos?

A gente tem que buscar ampliar nossa política de alianças, mas eu sou fã incondicional do Geraldo Alckmin. E quem hoje não reconhece o papel do Geraldo Alckmin? Todos os partidos reconhecem. Se o vice será o Alckmin ou não, depende só do Alckmin. Dele querer aceitar o convite ou não. Hoje é inquestionável.

Como o PT vê a preferência do presidente Lula em escolher o advogado-geral da União, Jorge Messias, para uma vaga para o Supremo, em vez de uma mulher, em meio à cobrança por representatividade feminina na Corte?

Não vejo essa contradição. O presidente Lula tem priorizado as mulheres em vários espaços importantes. É só olhar para ministérios e empresas públicas e ver como ele tem valorizado as mulheres. Nessa vaga, ele escolheu um profissional extremamente preparado e capacitado. Não sei quais foram os critérios e quais nomes chegaram a ele. Certamente, pode haver várias mulheres preparadas como o Messias. Mas o Messias hoje ocupa um espaço fundamental na República: tem vivência com todo o debate jurídico que hoje se trava na República e é o ministro da Advocacia-Geral da União. Podemos ter mulheres preparadas, mas com essa vivência penso ser difícil.