Cassação de Zambelli avança na Câmara após manobra do Centrão que rejeitou parecer que a absolvia

 

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A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara avançou nesta quarta-feira no processo que pode levar à cassação da deputada Carla Zambelli (PL-SP), mesmo após o relator Diego Garcia (Republicanos-PR) defender a preservação do mandato da parlamentar, atualmente foragida na Itália. O colegiado rejeitou o parecer que a absolvia, por 32 votos a 27, e agora analisa um novo relatório, redigido pelo deputado Cláudio Cajado (PP-BA). A expectativa é que o plenário analise o caso ainda hoje.

O parecer de Cajado afirma que a cassação de Zambelli é a única resposta institucional possível diante da condenação criminal transitada em julgado imposta pelo STF. Cajado sustenta que, embora a Constituição obrigue a Câmara a decidir politicamente sobre a perda do mandato, a pena de 10 anos de prisão em regime inicial fechado, somada ao fato de Zambelli estar detida na Itália, torna “faticamente impossível” o exercício de qualquer atividade parlamentar. Manter o mandato, afirma, significaria criar uma “ficção jurídica” incompatível com a representação de São Paulo.

O voto também rejeita a tese de Garcia de que a deputada teria sido alvo de perseguição política, ressaltando que a decisão do Supremo é um fato jurídico consolidado e que nem a CCJ nem o plenário têm competência para reexaminar provas. Assim, afirma o relatório, cabe ao Legislativo apenas avaliar a compatibilidade entre a condenação e a continuidade do mandato.

Cajado conclui que a cassação é necessária para restaurar a “plenitude da representação popular”, permitindo a convocação do suplente e evitando que São Paulo permaneça com uma cadeira ocupada por alguém impedido de comparecer às sessões, atuar em comissões ou fiscalizar o Executivo. Assim, o parecer recomenda a procedência da representação e a perda do mandato da deputada.

Dança das cadeiras do Centrão

A sessão foi marcada por uma manobra silenciosa do Centrão, decisiva para isolar a bolsonarista. Minutos antes da votação, o União Brasil promoveu uma troca em massa: seis titulares do colegiado foram substituídos, entre eles parlamentares de direita como Alfredo Gaspar (AL) e Marcelo Freitas (MG), que deram lugar a nomes alinhados à articulação governista, como Moses Rodrigues (CE) e Pedro Lucas Fernandes (MA). A movimentação escancarou que, apesar do discurso público de neutralidade, líderes do Centrão não estavam dispostos a assumir o desgaste de votar com Zambelli.

A deputada, presa em Roma desde julho após ter seu nome incluído na difusão vermelha da Interpol por esgotamento de recursos na ação penal sobre a invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), participou da sessão de forma remota e se disse “perseguida”. Seu filho, João Zambelli, acompanhou presencialmente a reunião e, ao final da votação, chegou a abraçar Diego Garcia.

— O ministro Alexandre de Moraes me perseguiu. Peço votos contra a minha cassação por defesa da separação dos Poderes. Sou uma bem-aventurada por padecer pela Justiça. Sou inocente — afirmou.

A decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), de enviar o caso à CCJ — e não aplicar a cassação diretamente pela Mesa Diretora, como defendiam setores da base — prolongou o rito, ampliou o espaço de defesa e redistribuiu o desgaste político entre o colegiado e o plenário. O presidente da CCJ, Paulo Azi (União-BA), afirmou, antes do encerramento da votação, que o colegiado seguiu todos os trâmites e respeitou as prerrogativas da parlamentar:

— Todos os debates e embates foram feitos com absoluto respeito. A decisão será submetida ao plenário e à avaliação de cada parlamentar.

O voto derrotado de Garcia e o embate político

Antes da votação, Diego Garcia fez um discurso duro contra o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), que havia anunciado que recorreria ao STF caso o parecer favorável à deputada fosse mantido. Garcia apresentou uma nova versão do relatório e reforçou que, em sua avaliação, o processo no Supremo não teria provas suficientes. Seu texto foi enterrado por 32 votos a 27.

— A palavra final é do Congresso. É inaceitável o mandado de segurança do Lindbergh. Todas as provas contra a deputada foram mantidas sob sigilo. Conseguimos acesso aos documentos e trago, no voto, o retrato de que Carla Zambelli foi condenada sem provas conclusivas. A única prova é o depoimento do hacker Walter Delgatti, que a própria Polícia Federal chama de mentiroso — disse.

No parecer a favor de Zambelli, Garcia sustenta não ter encontrado “elementos conclusivos” que comprovem participação direta da deputada nas invasões ao CNJ:

— Encontrei suspeitas, mas não certezas. A acusação se baseia apenas no depoimento de Delgatti — afirmou.

A posição do relator derrotado, porém, contrasta com manifestações da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do próprio Supremo Tribunal Federal (STF).

Defesa tenta evitar desgaste na Itália; base governista reage

O advogado de Zambelli, Fábio Pagnozzi, afirmou que uma eventual derrubada da cassação pelo plenário seria usada para demonstrar às autoridades italianas que ela não foi repudiada pelo próprio Parlamento:

— Há pessoas, inclusive do partido dela, que querem vê-la cassada apenas para tomar seu mandato. Seria importante mostrar à Justiça italiana que ela não foi cassada pelos seus pares.

A deputada Maria do Rosário (PT-RS) rebateu:

— Liberar Carla Zambelli é premiar quem atacou as urnas. Quem a colocou nessa posição vulnerável foi ela mesma e o bolsonarismo.

No relatório, Garcia cita o depoimento de Michel Spiero, assistente técnico da defesa, que não encontrou arquivos nos dispositivos da deputada que a ligassem diretamente às invasões. Também menciona contradições de Delgatti, que dizia resetar o celular diariamente e não preservar conversas. A PGR, porém, sustenta que Zambelli e Delgatti atuaram juntos na criação e disseminação de um mandado de prisão falso contra Alexandre de Moraes, e que 16 documentos falsos foram inseridos no sistema do CNJ. O órgão afirma ainda que arquivos encontrados com Zambelli eram idênticos aos do hacker e que ela acessou um dos documentos segundos após sua criação.

Garcia também reproduziu trechos do depoimento do ex-servidor do TSE Eduardo Tagliaferro, segundo o qual haveria “tratamento direcionado” no Judiciário, com mensagens internas de monitoramento, como “vamos pegar ela!”.