Uma mãe que não tem nem o direito de chorar; a difícil realidade da maternidade atípica sem apoio
‘Eu prefiro focar a minha vida nele e esquecer de mim’, disse Carol, engolindo o choro, no “Profissão repórter’’ da última terça-feira. Há 13 anos, ela dedica 100% dos seus dias a Lucas, diagnosticado com paralisia cerebral. O programa mostrou a difícil realidade das mães atípicas, que cuidam dos seus filhos com deficiência ou alguma doença rara. Sozinhas, sem apoio, às vezes nem mesmo se permitindo chorar. Entre as tantas violências que uma pessoa pode sofrer na vida, sentir-se impedida de manifestar seus sentimentos talvez esteja entre as mais doídas.
A mulher Carol é sufocada pelas lágrimas que não põe para fora e que traduzem sua rotina exaustiva: a cadeira de rodas carregada de um ônibus para o outro; a venda dos donuts no transporte coletivo para ter alguma renda, já que precisou abandonar o trabalho como pedagoga; a espera sentada por horas, dormindo na cadeira, pelo receio de deixar Lucas sozinho onde ele faz tratamento. A psicóloga já questionou: ‘’Quando você vai cuidar um pouquinho de si?’’. Carol é consciente de que se abandonou, mas não tem tempo para resolver isso. Vai fazer o quê?
E nós podemos fazer alguma coisa?
Há algum tempo, nesta coluna, escrevi sobre o mesmo “Profissão repórter’’. Na ocasião, a equipe liderada por Caco Barcellos mostrou a realidade de cuidadoras pelo Brasil, e o retorno foi tocante. Tive contato com mulheres admiráveis. Entre as leitoras que me escreveram, uma mãe de Friburgo, no Estado do Rio, confidenciou sua angústia por ter uma filha com Down: “Quando eu faltar, o que será dela? Essa é uma grande preocupação das famílias que têm filhos com deficiência. Quem cuidará deles no futuro? Escreva sobre isso, se puder’’, sugeriu. Escrevo agora. Mas com um sentimento de frustração por não ter respostas nem soluções.
Vendo o programa, no entanto, confirmei como ações genuinamente interessadas podem contribuir. Estabelecendo pontes, fortalecendo redes... Depois de participar de um encontro de mulheres que se apoiam e podendo falar pela primeira vez dela mesma e não de suas crianças, Priscila, mãe de três filhos, sendo dois deles autistas, tomou coragem para, enfim, abrir seu pequeno comércio. Entre outras coisas, faz kits de presente, balões em formato de coração, laços lindos e delicados. Simbólico. Até na hora de escolher o que vender, montou uma “lojinha do amor”. Afinal, é isso o que ela sempre teve para dar. Preciosidade que não é mercadoria.
Teve ainda outra, e mais outra e mais outra mãe... Uma delas, Leandra, espera atendimento psicológico no SUS. Três crianças autistas em casa e um potinho. Nele, guarda a bateria que foi parar no esôfago da filha e a culpa que carrega por isso. A menina engoliu, e ela não viu.
Uma das sensíveis jornalistas perguntou às mães reunidas se elas gostariam de falar alguma coisa. “As pessoas poderiam se interessar pelo que a gente gosta de fazer, somos mais do que o diagnósticos dos nossos filhos. Perguntar que bolo a gente gosta de comer, chamar para um café. Nos escutar’’, sugeriu uma delas.
Até quem não sabe como agir pode ouvir, prestar atenção, apoiar e dar voz. Como faz também o jornalismo. Ainda que não dê para resolver, sempre é possível contribuir.
