Suprema Corte dos EUA autoriza Trump a suspender pagamento de auxílio-alimentação usado por 42 milhões
A juíza da Suprema Corte dos EUA Ketanji Brown Jackson suspendeu temporariamente, na noite de sexta-feira, uma ordem judicial que obrigava o governo federal a pagar integralmente o programa de vale-alimentação SNAP, usado por cerca de 42 milhões de pessoas, em uma medida que gerou incerteza sobre o destino imediato do maior programa contra a fome no país. No começo da semana, o presidente americano, Donald Trump, disse que o financiamento só seria liberado caso o Congresso chegasse a uma solução para a paralisia do governo federal — o “shutdown” —, e a Casa Branca avisou que, mesmo se os pagamentos fossem feitos, eles iam demorar e sofreriam descontos.
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A decisão da juíza Brown Jackson é a mais recente em uma disputa que se arrasta pelos tribunais do país. Uma coalizão de cidades, grupos religiosos e organizações sem fins lucrativos processou o governo pela recusa em manter os pagamentos por causa do shutdown. A ação foi apresentada no Tribunal Distrital dos EUA em Rhode Island, argumentando que a administração federal tinha uma obrigação legal e moral de manter o programa. Por duas vezes, o juiz John J. McConnell Jr. concordou, e na quinta-feira determinou que a Casa Branca acessasse duas contas do Departamento de Agricultura para financiar integralmente os benefícios.
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A Casa Branca apresentou um recurso na sexta-feira perante o Tribunal de Apelações do Primeiro Circuito — responsável por estados como Maine, Massachusetts, New Hampshire, Rhode Island e no Distrito de Porto Rico —, alegando que não há "base legal" para forçar o presidente a encontrar fundos para o pagamento em "estofados de sofás metafóricos" (versão americana da expressão "dinheiro no colchão"). A corte de apelações rejeitou a pretensão do governo, que recorreu à Suprema Corte.
Integrante do bloco de três juízes liberais da Suprema Corte, Brown Jackson não analisou a legalidade das ações da Casa Branca. Responsável por analisar os pedidos emergenciais daquela região do país, ela impôs uma pausa para dar mais tempo ao Tribunal de Apelações para analisar os argumentos jurídicos do caso.
A ordem, conhecida como suspensão administrativa, ocorre em um momento em que um número crescente de estados, incluindo Nova York, Kansas, Pensilvânia e Oregon, já havia começado a liberar o benefício integralmente para seus residentes. Muitos anunciaram seus planos em um dia em que até mesmo o Departamento de Agricultura havia sugerido, em suas diretrizes, que poderia disponibilizar em breve o dinheiro para o SNAP, após inicialmente se recusar a fazê-lo.
A juíza da Suprema Corte dos EUA Ketanji Brown Jackson
PR
A intervenção da Suprema Corte encerrou um dia frenético para os cerca de 42 milhões de americanos que utilizam mensalmente o benefício para comprar alimentos. O governo Trump admite ter dezenas de bilhões de dólares sobrando, que poderiam ter sido usados para sustentar o SNAP até novembro — incluindo cerca de US$ 5 bilhões em reservas emergenciais criadas pelo Congresso, além de outro fundo no Departamento de Agricultura composto principalmente por receitas tarifárias.
Mas a Casa Branca se recusou, por semanas, a usar esse dinheiro para o programa — há muito tempo um alvo de cortes por parte dos republicanos. Embora Trump frequentemente alegue ter poderes amplos sobre gastos federais — e tivesse redirecionado o orçamento diversas vezes para avançar sua agenda durante a paralisação — ele e seus assessores sustentaram que não poderiam destinar recursos à assistência alimentar.
Muitos democratas em todo o país reagiram com indignação na noite de sexta-feira, acusando Trump de transformar a assistência alimentar — um programa do qual depende um em cada oito americanos — em moeda de troca enquanto o governo permanece fechado.
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"Trump lutou por isso", disse a governadora de Nova York, Kathy Hochul, em uma postagem nas redes sociais. "Ele não se importa se milhões de americanos passarem fome".
A semana foi caótica e angustiante para quem depende do programa. Dezenas de beneficiários do SNAP revelaram ansiedade e as medidas extremas para lidar com a suspensão dos pagamentos. Arianna Payton, de 25 anos, entrou sorrateiramente no estacionamento de um loja da rede Walmart na noite de terça-feira, em Granada, Colorado, e entrou em uma caçamba de lixo.
— Peguei o máximo que pude. Nem me preocupei em verificar se era seguro — disse a jovem, acrescentando que, ao chegar em casa selecionou alguns sacos de vegetais congelados, shakes de substituição de refeição, queijo, frutas e alguns pães mofados que achou que poderia aproveitar.
Voluntários organizam doações de feijão, leite em pó e outros itens não perecíveis durante uma campanha de arrecadação de alimentos em frente ao Departamento de Agricultura dos EUA, em Washington
Chip Somodevilla/Getty Images/AFP
Latrica Williams, de 26 anos, não recebe o auxílio do SNAP desde o início de outubro. Seu bebê, de 4 meses, nasceu com um problema cardíaco e precisa de uma fórmula especial que não cause alergias. A jovem, que vive em Milwaukee, pagava pelo suplemento com uma combinação de programas federais, incluindo o SNAP.
— A fórmula é muito cara — disse Latrica. — Custa uns US$ 75 (R$ 400) a lata, e eu não tenho para comprar uma lata de leite para ele. (Com NYT)
