Subcomandante da PM abre investigação fora da Corregedoria para apurar fraudes em sistema de câmeras corporais

 

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O subcomandante da Polícia Militar de São Paulo, coronel Erick Gomes Bento, instaurou e está presidindo uma sindicância no Estado-Maior para averiguar possíveis fraudes na plataforma Evidence, usada pela corporação para processar os vídeos das câmeras corporais dos policiais militares. Na ocasião, uma major da corporação teria fraudado o sistema para editar, renomear e até apagar gravações feitas durante um homicídio em Santos, no litoral de São Paulo, no âmbito da Operação Verão.

A portaria que instaura a sindicância, à qual o GLOBO teve acesso, é de 23 de junho deste ano. Apesar da gravidade dos fatos, a investigação instaurada pelo subcomandante deixou de fora a Corregedoria da Polícia Militar, instituição que tem competência para apurar ilegalidades na corporação. O Estado-Maior, órgão de planejamento e informação que assessora o comandante-geral, não tem atribuição para investigar crimes institucionais externos, apenas fatos relacionados ao órgão.

Neste ano, essa é a segunda sindicância instaurada pela PM no âmbito do Estado-Maior — a primeira apurou os fatos em torno de um acidente pessoal com um soldado do órgão. Já o suposto desvio de conduta relacionado ao homicídio em Santos, atual objeto de apuração pelo subcomandante, já havia sido investigado em outra sindicância de 2023, naquela oportunidade sob supervisão da Corregedoria da PM.

A situação analisada envolve, pelo menos, seis policiais presentes na ocorrência com morte em Santos. Entre eles, o então coordenador operacional da PM, Gentil Epaminondas Carvalho, conhecido como coronel Carvalho, na época no terceiro escalão na hierarquia da corporação. Coronel Carvalho é colega de turma do subcomandante, e ambos têm uma relação próxima. Hoje, Carvalho é chefe da Assessoria Policial Militar da Prefeitura de São Paulo.

A ocorrência que desencadeou a investigação aconteceu em 9 de março de 2024, no Morro do José Menino, em Santos. Em suposto confronto com a polícia, Joselito dos Santos Vieira, de 47 anos, foi morto com três tiros de fuzil e nove de pistola. Na época, parentes da vítima afirmaram que ele não possuía arma de fogo, em contrariedade à versão oficial. O caso foi revelado pelo portal Metrópoles, e arquivado em junho deste ano.

Além de instaurar a sindicância, o subcomandante Erick Gomes Bento não designou um terceiro para presidi-la, como seria de praxe.

A avaliação entre oficiais próximos ao comando da corporação é de que a abertura de uma investigação no Estado-Maior, sem comunicar a Corregedoria da PM, seria uma tentativa de proteger o coronel Carvalho. O GLOBO apurou que a sindicância estaria sendo conduzida de modo a atestar que a exclusão do vídeo do sistema foi acidental. Desta forma, os envolvidos seriam punidos com uma pena mais amena, e o caso teria menos chance de ser escrutinado em um processo na esfera criminal.

Em maio deste ano, o subcomandante Erick Gomes Bento assinou um parecer no âmbito de outra sindicância, anterior à atual, em que atestou que o sistema de registro de informações das câmeras corporais é seguro e inviolável, e impossibilita a edição e exclusão de vídeos.

O caso

A major que teria atuado na edição e exclusão das imagens da ocorrência é Adriana Leandro de Araújo, diretamente subordinada ao coronel Carvalho. Adriana é chefe da Divisão de Evidências da corporação, vinculada à Coordenadoria Operacional da corporação, que, na época, era chefiada pelo coronel Carvalho.

A gravação supostamente excluída foi feita pela câmera corporal do soldado Thiago da Costa Rodrigues. Embora não tenha feito disparos, segundo os inquéritos civil e militar, ele estava na mesma viatura dos policiais que atiraram e são acusados pelo homicídio: a subtenente Regiane Ribeiro De Souza; o soldado Bruno Pereira dos Santos; e o cabo Felipe Alvaram Pinto.

O coronel Gentil Epaminondas Carvalho estava em uma viatura descaracterizada.

De acordo com o portal Metrópoles, a plataforma Evidence, utilizada pela PM para processar os vídeos das câmeras corporais, aponta que a gravação teria sido introduzida no sistema às 5h17 de 10 de março de 2024, dia seguinte à ocorrência. Oito dias depois, em 18 de março, a major Adriana Leandro de Araújo teria acessado o arquivo e mudado o nome do policial envolvido. Mais tarde, a fim de impedir a localização do arquivo, a major teria alterado a data da ocorrência para 5 de janeiro de 2024. Por fim, em 19 de março de 2024, teria excluído o vídeo.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informa que “as apurações sobre os fatos são conduzidas com absoluto rigor e em estrita observância da legislação vigente, sob o acompanhamento da Corregedoria da Instituição e do Ministério Público”. Segundo a pasta, “a sindicância instaurada para apurar as eventuais responsabilidades civis e disciplinares dos fatos cumpre integralmente a lei e as normas da Corporação”.

Já a Polícia Militar afirma que a apuração está sob responsabilidade do subcomandante da PM, conforme “previsão legal”.

“A Coordenadoria Operacional da PM está diretamente subordinada ao Subcomandante, logo, a responsabilidade da instrução não é da Corregedoria. Além disso, por questões de hierarquia, o oficial encarregado da sindicância precisa ser mais antigo que os militares relacionados”, diz o trecho. Ao GLOBO, Erick Gomes Bento confirma que instaurou o procedimento "em virtude do Coronel citado na reportagem ser mais antigo de promoção no último posto (ocupado) que o nosso Corregedor".

Sobre a conduta da major Adriana, a corporação diz que, embora a sindicância ainda esteja em andamento, já foi confirmado que a oficial citada realizou auditorias rotineiras e documentadas no sistema.

“Essas verificações contribuíram diretamente para o aprimoramento do novo modelo, consolidado no edital de licitação que substituiu cerca de 90% das câmeras anteriores.

As inconsistências identificadas, como a possibilidade de deletar ou editar imagens, não existem mais.

Sobre a imagem excluída, verificou-se que não havia qualquer evidência registrada, sendo o material completamente escuro, possivelmente por falha técnica, o que segue em apuração”.

Procurado, o coronel Gentil Epaminondas Carvalho não respondeu. A major não foi localizada pelo GLOBO. O espaço permanece em aberto.