Sob pressão, novo presidente da Bolívia assume país em colapso fiscal e promete cortar subsídios e reaproximar-se dos EUA
O presidente eleito da Bolívia, Rodrigo Paz, herda um país à beira do colapso econômico e com uma população exausta após duas décadas de governos socialistas. Economista de centro-direita e filho de um ex-presidente boliviano, Paz venceu o segundo turno no domingo com 54,5% dos votos, superando Jorge Quiroga, e prometeu restaurar as relações com os Estados Unidos, reduzir gastos e estabilizar as finanças antes de recorrer, se necessário, ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
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Economista e filho de ex-presidente: quem é Rodrigo Paz, o novo mandatário da Bolívia
— A Bolívia respira ventos de mudança. Ideologia não põe comida na mesa. O que põe é o direito ao trabalho, instituições fortes e propriedade privada — declarou Paz em seu discurso de vitória, ao revelar ter recebido uma ligação de felicitação do vice-secretário de Estado americano, Christopher Landau.
Paz tomará posse em 8 de novembro com o desafio de conter a inflação mais alta em 40 anos, a escassez de combustível, uma dívida exorbitante, além de ter que lidar com os possíveis protestos de apoiadores do ex-presidente socialista Evo Morales, indignados por ele ter sido impedido de concorrer. O país, de 11,3 milhões de habitantes, enfrenta filas de carros nos postos de gasolina e desabastecimento em várias regiões.
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Seu antecessor, Luis Arce, que renunciou à reeleição diante da impopularidade, esgotou as reservas de dólares do país para manter uma política agonizante de subsídios aos combustíveis. Paz, por sua vez, prometeu eliminar gradualmente os subsídios aos combustíveis — responsáveis por bilhões de dólares em gastos anuais — mantendo-os apenas para o transporte público e setores vulneráveis, além de afirmar que vai permitir a desvalorização da moeda para atrair mais investimentos estrangeiros.
A produção boliviana registrou uma contração de 2,4% no primeiro semestre de 2025, segundo dados oficiais. O Banco Mundial projeta que a recessão deve se estender pelo menos até 2027. A inflação, com isso, atingiu 23% em termos anuais em setembro.
Resistência nas ruas e no Congresso
O novo governo enfrentará forte resistência tanto no Parlamento quanto nas ruas, que esperam soluções imediatas. Paz terá a maior bancada do Parlamento, depois de conquistar, de maneira surpreendente, a maior votação já obtida por seu partido em um primeiro turno. Ainda assim, nenhum partido conquistou maioria absoluta: a legenda de Paz, o Partido Democrata Cristão, terá 46 deputados, contra 39 da Alianza Libre, de Quiroga.
— A paciência está se esgotando e vai acabar exatamente quando o próximo governo assumir — disse a cientista política Daniela Osorio Michel, do Instituto GIGA, na Alemanha.
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Segundo o El País, o presidente eleito disse que já conversou com os partidos no Parlamento para garantir a governabilidade e avançar com as reformas que considera necessárias.
A socióloga María Teresa Zegada afirma que, diante da fragmentação do Congresso, “será inevitável negociar acordos com antigos adversários”. O apoio de Samuel Doria Medina, empresário e líder da Aliança Unidade — terceira maior força parlamentar, com 26 deputados —, pode ser decisivo para garantir governabilidade. Medina disse que "apoiaria quem ganhasse" a eleição.
Sindicatos e movimentos sociais ligados ao ex-presidente Evo Morales, impedido pela Justiça de disputar o pleito, já sinalizaram que vão reagir a qualquer tentativa de corte de subsídios. O ex-presidente prometeu “batalha nas ruas e estradas” contra o novo governo.
“Capitalismo para todos"
Durante a campanha, ainda segundo o El País, Paz atraiu parte do eleitorado indígena e popular que antes sustentava o Movimento ao Socialismo (MAS). Apresentando o conceito de um “capitalismo para todos”, prometeu remover “as barreiras estatais” que dificultam o crescimento de pequenos empreendedores, comerciantes e motoristas de transporte.
— Vamos tentar construir uma economia para o povo. O Estado não será mais o eixo central — afirmou à agência Reuters, poucos dias antes da eleição.
Paz, de acordo com a Reuters, também antecipou que pretende firmar um acordo de cooperação econômica de US$ 1,5 bilhão (cerca de R$ 8 bilhões, na cotação atual) com Washington para garantir o fornecimento de combustível nos primeiros dias de governo, além de estabelecer novos contratos de pagamento adiado com fornecedores de diesel e gasolina.
O cientista político Napoleón Pacheco, da Universidade Mayor de San Andrés, alerta que a estratégia gradualista de Paz pode ter efeitos limitados.
— Quando os ajustes são feitos de forma lenta, correm o risco de perder impacto e provocar o efeito inverso. As ruas podem se antecipar ao governo — afirmou o especialista.
(Com AFP e Bloomberg)
