Secretaria já alertava para possibilidade de greve de ônibus em São Paulo por demora em revisão de contratos com concessionárias

 

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A greve de ônibus que foi deflagrada na tarde da última terça-feira (9) em São Paulo, sem qualquer aviso prévio, tem como pano de fundo uma discussão que se arrasta há anos na Secretaria Municipal de Transportes: a revisão dos contratos com as concessionárias que administram os coletivos municipais na cidade.

Na tarde desta terça, cobradores e motoristas de ônibus da capital recolheram os ônibus das ruas e paralisaram o serviço, afetando milhões de paulistanos que usam o sistema principalmente no horário de pico, a partir das 17h. O motivo da paralisação foi o atraso no pagamento do 13º salário. A greve só foi suspensa por volta das 22h, após reunião do prefeito Ricardo Nunes (MDB) com as empresas que operam o sistema e o sindicato que representa os trabalhadores.

Há meses, empresas vêm pedindo que a prefeitura reveja os contratos para reequilibrar algumas cláusulas e pagamentos, a chamada revisão quadrienal, realizada a cada quatro anos para verificar se há necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro nas regras de pagamento que a gestão municipal deve fazer às concessionárias que operam o sistema do transporte público. Essa revisão deveria ter sido feita no primeiro semestre deste ano, mas ainda não foi concluída.

Ao menos uma concessionária, a Movebuss (que opera 30 linhas nas Zonas Leste e Sul) alertou que a falta dessa revisão poderia ocasionar “atrasos na folha de pagamento, impossibilidade de manutenção preventiva da frota e iminência de paralisação das operações”, segundo documentos obtidos pelo GLOBO.

Em maio de 2024, a Secretaria Municipal de Transportes contratou a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) para calcular o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão dos ônibus na cidade, que foram firmados em 2019. O estudo concluiu que há um desequilíbrio nos contratos porque a Taxa Interna de Retorno (TIR), que é um indicador financeiro que determina a rentabilidade de uma concessão levando em consideração os custos de execução do serviço e o retorno obtido pela empresa, deveria ser de 9,88% e não de 9,1% (índice praticado atualmente).

A cidade tem, ao todo, 1.350 linhas, com cerca de 12 mil ônibus, e a concessão é dividida em 32 lotes, operados por empresas diferentes. Todos os anos, a prefeitura dá subsídios bilionários a essas empresas para que elas operem o serviço, porque somente o valor da tarifa pago pelo passageiro (atualmente de R$ 5) é insuficiente para custear o transporte, já que há gratuidades para idosos e crianças, por exemplo, descontos para estudantes e tarifa zero aos domingos. O subsídio previsto para 2026 é de R$ 6,2 bilhões, segundo proposta orçamentária enviada pelo Executivo à Câmara Municipal de São Paulo.

Todos os pagamentos relativos a esse subsídio são pagos em dia e não há atrasos, conforme destacou o prefeito na noite desta terça. Nunes chamou os empresários "irresponsáveis" por deixarem de pagar devidamente seus funcionários e ameaçou rescindir as concessões em caso de descumprimento no pagamento do 13º, que deverá ser feito até esta sexta-feira (12).

Entretanto, está prevista em lei a revisão quadrienal, que serve para reanalisar cláusulas que fixam os parâmetros da concessão e dos pagamentos, e verificar se elas precisam ser ampliadas de acordo com as condições econômicas e investimentos atuais. É esta a discussão que está em curso há mais de um ano e que ainda não foi resolvida, e o anúncio do atraso dos pagamentos dos funcionários pelos empresários foi lida como uma forma de pressionar o poder público a acelerar esse processo, que depende da análise do Tribunal de Contas do Município (TCM-SP).

A primeira Revisão Quadrienal dos Contratos de Concessão estava prevista para maio de 2023, quatro anos a partir da assinatura contratual, mas como em 2021 foi feita uma atualização contratual extraordinária devido à pandemia da Covid-19, e com aditamentos posteriores dos contratos para incluir a previsão de compra de ônibus elétricos, houve um acordo para fazer essa revisão em maio de 2025. Mas isso não foi feito.

Em um parecer de julho, a Secretaria de Transportes concordou com o estudo da Fipe e sugeriu a alteração da Taxa Interna de Retorno para 9,88%. Na ocasião, ela já alertava para a “urgência da revisão” porque o Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário Urbano de São Paulo (SindMotoristas) já estava “apresentando ameaças de greve a esta secretaria, pela pendência de seu reajuste salarial, diretamente dependente da revisão dos Contratos de Concessão, uma vez que se trata de parâmetro técnico a ser reavaliado nesta 1ª Revisão Quadrienal”.

Outro problema apontado pela pasta foi a alta do preço do diesel no início do ano. “Caso contrário, as concessionárias terão que escolher entre remunerar seus funcionários e comprar combustível, para garantir continuidade à prestação do serviço público de transporte coletivo de passageiros por ônibus”, acrescentou o parecer, assinado pelo secretário adjunto da pasta, Rafael Toniato, e pelo chefe de gabinete Everton Natali dos Santos.

Naquele momento, o secretário também explicou que a revisão deveria ser feita o quanto antes porque a prefeitura deveria pagar de forma retroativa os reajustes que fossem definidos, a contar de maio de 2024 até a data em que for feita a alteração contratual. “Logo, quanto mais distante este mês estiver, maior será o valor a pagar a título indenizatório”, destacou o documento.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo reiterou que os repasses às empresas de ônibus "estão em dia e o pagamento do 13º salário dos trabalhadores é de responsabilidade exclusiva das concessionárias".

"A Secretaria Municipal da Fazenda informa que a análise do relatório mencionado segue em discussão na Administração Pública e no Tribunal de Contas do Município. A Fipe atuou como verificador independente", acrescentou a gestão municipal.

Rafael Drummond, planejador de transportes, afirma que como o sistema atual prevê remuneração por passageiro e não por quilômetro rodado, a redução na demanda (que nunca foi completamente recuperada após a pandemia) é um dos fatores que causam um “aperto financeiro” no sistema de transporte coletivo.

— As empresas têm esse argumento de que, como a revisão quadrienal dos contratos ainda está pendente, elas não estão com a situação financeira ideal. Se é suficiente para segurar o 13º dos funcionários não é possível dizer, mas eles acabam fazendo um jogo de pressão e o lado mais fraco, que é dos funcionários, acaba sofrendo, o que também faz com que a prefeitura se sensibilize mais — afirma.