Putin condiciona cessar-fogo à retirada de tropas ucranianas dos territórios reivindicados por Moscou
Enquanto o plano de paz elaborado pelos Estados Unidos para encerrar a guerra na Ucrânia segue indefindo, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, elevou a pressão nesta quinta-feira ao afirmar que Moscou cessará os combates na Ucrânia se Kiev retirar as tropas dos territórios que o Kremlin reivindica como anexados — exigência considerada há muito como inaceitável pelo governo de Volodymyr Zelensky. Moscou ocupa amplas áreas de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia, assim como partes de Kherson e Zaporizhzhia, no sul. Putin, porém, não especificou a quais regiões ucranianas se referia.
Entenda: Ucrânia e EUA alinham posições sobre plano de paz, mas Rússia ameaça boicotar nova proposta
Conversa vazada: Trump defende enviado após informações de que instruiu Kremlin e elaborou proposta de paz com assessor de Putin
— Se as forças ucranianas se retirarem dos territórios que controlam, então cessaremos as operações de combate — disse Putin durante uma visita ao Quirguistão. — Se não o fizerem, então vamos alcançar com meios militares.
Após o início da ofensiva em fevereiro de 2022, a Rússia reivindicou a anexação das quatro regiões que ocupa em setembro daquele ano, apesar de não controlar a totalidade desses territórios. Moscou também integrou ao seu território a península da Crimeia em 2014.
Initial plugin text
A entrega à Rússia de Donetsk e Luhansk fazia parte do plano original de 28 pontos apresentado pelos Estados Unidos para pôr fim à guerra na Ucrânia, que recebeu críticas por ser considerado muito favorável a Moscou.
O esboço, no entanto, foi modificado após intensas negociações entre representantes dos Estados Unidos e da Ucrânia nos últimos dias. De acordo com a imprensa americana, dos 28 pontos iniciais, a nova proposta foi reduzida para 19, com alterações em trechos como a redução das Forças Armadas ucranianas e a alocação de US$ 100 bilhões (cerca de R$ 500 bilhões, na cotação atual) em fundos russos congelados no exterior para a reconstrução do país.
A possibilidade de ceder território à Rússia é um ponto de discórdia que impede o avanço do diálogo após quase quatro anos de conflito. O enviado especial da Casa Branca, Steve Witkoff, deve viajar a Moscou na próxima semana para discutir o plano com as autoridades russas.
Em uma fala durante reunião com o grupo de aliados autointitulados "coalizão dos dispostos", cuja transcrição foi obtida pela agência Reuters, Zelensky afirmou que está pronto para avançar com as conversas sobre o plano de paz, incluindo os detalhes mais sensíveis. Esses pontos, como a cessão dos territórios ocupados pela Rússia, precisarão ser negociados pelo presidente americano, Donald Trump, e por Zelensky.
— Acreditamos firmemente que as decisões de segurança sobre a Ucrânia devem incluir a Ucrânia, as decisões de segurança sobre a Europa devem incluir a Europa. Porque quando algo é decidido pelas costas de um país ou de seu povo, sempre há um alto risco de simplesmente não funcionar — afirmou o ucraniano. — Essa estrutura está sobre a mesa e estamos prontos para avançar juntos, com os EUA, com o engajamento pessoal do presidente Trump.
Pelo lado americano, um integrante do governo disse à rede CNN que “os ucranianos aceitaram o acordo de paz”, mas que “ há alguns detalhes menores a serem resolvidos”. Na rede social X, Karoline Leavitt, porta-voz da Casa Branca, declarou que os dois lados “ fizeram progressos consideráveis rumo a um acordo de paz”, e que “existem alguns detalhes delicados, mas não intransponíveis, que precisam ser resolvidos e exigirão novas conversas entre a Ucrânia, a Rússia e os Estados Unidos”.
O otimismo comedido foi replicado pelo próprio Trump.
— Achei que seria mais fácil, mas estamos progredindo — disse a jornalistas na Casa Branca. — Vamos conseguir. Acho que estamos muito perto de um acordo.
A proposta
A proposta inicial de 28 pontos trazia algumas claras demandas russas para a guerra, como a cessão dos territórios ucranianos ocupados — cerca de 20% da área do país —, seu reconhecimento internacional como parte da Rússia, limites ao tamanho das forças da Ucrânia e o veto permanente à entrada na Otan, a principal aliança militar do Ocidente, liderada pelos EUA. Não havia garantias contra uma futura invasão russa ou sobre o fornecimento de meios para que o país se defenda.
O texto foi duramente criticado por Kiev e pelos aliados europeus, que chegaram a apresentar uma contraproposta amenizando alguns dos pontos iniciais, como sobre o ingresso na Otan e preconizando que o status dos territórios ocupados deveria ser negociado futuramente. Em resposta, o assessor do presidente Putin, Yuri Ushakov, disse que a versão alternativa “não é aceitável”, e que o Kremlin prefere a versão inicial, que teria contado com o principal negociador russo, Kirill Dmitriev, em sua elaboração.
Mesmo diante da movimentação diplomática dos últimos dias, com o secretário de Estado americano, Marco Rubio, assumindo o protagonismo na adequação do plano aos interesses ucranianos, os russos contavam com a pouca paciência de Trump e com o ultimato dado por ele a Kiev para que aceitasse a proposta até esta quinta-feira.
O Kremlin disse não ter sido informado sobre as alterações, e evita fazer declarações públicas sobre a proposta. Mas na terça-feira última, após os relatos sobre alteraçõeso, o chanceler russo, Sergei Lavrov, detalhou alguns pontos inegociáveis.
— Após Anchorage, quando pensávamos que esses entendimentos já haviam sido formalizados, houve uma longa pausa. E agora a pausa foi quebrada com a introdução deste documento. Uma série de questões requer esclarecimentos — disse Lavrov em uma entrevista.
O chanceler se referia ao último encontro entre Trump e Putin, em agosto, no estado americano do Alasca, quando o republicano sinalizou que estava disposto a reconhecer a Crimeia, anexada em 2014, e a forçar os ucranianos a recuar no Donbass, a região no leste do país que Moscou também quer anexar. Esse trecho, previsto na versão inicial do plano, é considerado inaceitável por Kiev, e Zelensky quer convencer Trump a abandoná-lo.
— Se o espírito e a letra de Anchorage forem apagados desses entendimentos fundamentais que registramos, então será uma situação fundamentalmente diferente — disse Lavrov, agora depois de uma reunião com representantes da Bielorrússia, deixando no ar a possibilidade de rejeitar o plano revisado.
