Propina como 'café', ex-nora de Lula e políticos presos: o que se sabe sobre a operação da PF que investiga fraudes em prefeituras paulistas

 

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A operação deflagrada pela Polícia Federal (PF) nesta quarta-feira, 12, para apurar suspeitas de fraudes em licitações no interior de São Paulo envolve políticos, servidores públicos e duas figuras que orbitam a família do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O homem apontado como líder da organização criminosa teria movimentado mais de R$ 125 milhões em uma empresa que venceu editais para fornecimento de material didático e kits de robótica para as prefeituras de Sumaré, Limeira, Morungaba e Hortolândia. Cinco pessoas foram presas preventivamente e uma continua foragida.

A investigação da PF começou há cerca de dois anos. A empresa Life Educacional, que tinha capital social de R$ 300 mil, passou a vencer uma série de licitações na região. Com a quebra de sigilo das contas da empresa e do sócio-administrador, André Mariano, os policiais constataram a existência de um esquema de superfaturamento de produtos, pagamento de propina a agentes públicos e a lobistas e lavagem de dinheiro através de empresas de fachada e doleiros, de modo a ocultar a origem dos valores.

Em alguns casos, o sobrepreço praticado pela empresa era de 35 vezes o preço de aquisição da mesma mercadoria junto a terceiros. Livros, por exemplo, eram comprados por até R$ 5, somente depois de formalizado o contrato, e revendidos por R$ 60 a R$ 80. Foram gastos um total de R$ 57,6 milhões em Sumaré, R$ 17,9 milhões em Hortolândia e R$ 10,7 milhões em Limeira, “concluindo que, da análise fria das notas fiscais, a Life teria lucrado pelo menos 50 milhões de reais com a venda de livros a essas prefeituras”.

— Geralmente não havia concorrência, e quando havia era simulada — afirma o delegado da PF responsável pelo caso, Guilherme Alves Siqueira.

A PF aponta que pelo menos R$ 16 milhões foram enviados para contas pessoais de Mariano, e uma outra parte para “empresas com fortes indícios de serem de fachada, e possivelmente gerenciada por doleiros”. Foram listados 21 CNPJs diferentes. O dinheiro bancou a aquisição de carros de luxo, serviços de blindagem e imóveis, de acordo com a investigação. De um total de R$ 125 milhões movimentados pela Life entre janeiro de 2021 e julho de 2024, apenas 17% foram para pagamento de fornecedores.

Parte do dinheiro enviado aos doleiros depois seriam sacados por Mariano em espécie com intermediários, configurando a lavagem de dinheiro. Desse montante sairia a propina paga aos servidores das prefeituras, incluindo o vice-prefeito de Hortolândia, Cafu César (PSB), preso nesta quinta-feira, 12. Ele é acusado de receber R$ 2,4 milhões para direcionar contratos. O gestor da empresa usava o termo “café” para se referir ao pagamento de propina nas trocas de mensagens obtidas no inquérito.

A investigação narra que Mariano remetia os valores para essas empresas e, depois de pagar uma taxa aos doleiros, recebia o dinheiro de volta em espécie para distribuir aos demais envolvidos. Uma das provas anexadas aos autos, que estão sob sigilo, mas foram obtidos pelo GLOBO, aponta que ele agendou um encontro na prefeitura de Sumaré poucas horas depois de sacar a quantia. Uma planilha de controle das transações também foi encontrada com uma das operadoras do esquema, segundo a PF.

Na cidade, as suspeitas recaem sobre o ex-secretário municipal de educação, José Aparecido Marin. Ele teve o nome anotado num calendário de reuniões de Mariano e teria direcionado um pregão para a Life, compartilhando documentos antes mesmo de estes serem publicados. A PF apura indícios de que R$ 549 mil foram pagos em propina ao político. Além dele, a diretora de um centro de formação de educadores e três servidores entraram na mira da investigação por transações suspeitas e pela desqualificação de uma empresa concorrente na compra de material didático.

Na cidade de Hortolândia, os beneficiários do esquema seriam, além do vice-prefeito Cafu, os secretários municipais de educação, Fernando Moraes, e de habitação, Rogério Mion. Carla Ariane Trindade, ex-nora do presidente Lula, teria sido paga por Mariano para obter influência no Ministério da Educação, assim como Kalil Bittar, amigo de um dos filhos do petista e irmão de Fernando Bittar, que constava como dono do sítio de Atibaia em escrituras públicas. Kalil e Fernando são filhos do ex-prefeito de Campinas, Jacó Bittar, um dos fundadores da CUT e do PT.

Carla foi casada com Marcos Cláudio, filho de Marisa Letícia adotado por Lula, entre os anos de 1991 e 2010. O casal divorciado deu um neto ao presidente, Thiago Trindade, que é militante do PT. Já Kalil foi sócio de Fábio Luís, o Lulinha, na Gamecorp, empresa produtora de conteúdo de jogos eletrônicos que ficou conhecida por uma investigação, posteriormente arquivada, sobre aportes suspeitos da Oi/Telemar. Ele também apareceu em grampos da Lava Jato usados como prova de que o sítio seria, na verdade, de propriedade do presidente e de sua falecida esposa.

A PF narra um episódio em que Mariano pagou uma viagem para Moraes e participou de agendas com autoridades do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Os pagamentos a Cafu eram feitos através da conta de terceiros, ainda de acordo com a investigação. Carla, por sua vez, teria sido identificada em conversas como “amiga de Paulínia”, por conta de sua moradia na cidade, e também como “nora”. A PF suspeita de sua participação no esquema para influenciar nos rumos de processos em instâncias federais. Kalil seria outro operador na “prospecção de negócios” e recebeu mesada e um carro BMW.

“A investigação indicou práticas sofisticadas de lavagem de dinheiro, com o repasse de valores para empresas de fachada, atuação de doleiros e utilização de criptoativos, tudo com a finalidade de, para além do enriquecimento ilícito daqueles diretamente envolvidos, repasse de valores a terceiros, em sua maioria funcionários ou agentes públicos, que agiam para garantir a contratação da empresa LIFE por meio fraudulento”, aponta a juíza federal que autorizou a operação, Raquel Coelho Dal Rio Silveira, de Campinas.

Os pedidos de prisão envolvem Mariano, Cafu, Moraes, Marin e dois suspeitos de atuarem como doleiros no esquema, Eduardo Maculan e Abdalla Fares. Além disso, a Justiça deferiu o afastamento de servidores, a proibição de manter contato com outros investigados e agentes públicos, a apreensão de passaportes, quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico, bloqueio de valores e e busca e apreensão em 44 endereços, incluindo as sedes das prefeituras de Sumaré e de Hortolândia.

O GLOBO tenta contato com a defesa dos envolvidos. O espaço está aberto a manifestações.

*Colaborou Aline Ribeiro