Proliferação de satélites vai comprometer fotos de telescópios espaciais, diz Nasa
Um novo estudo da Nasa que analisou o crescimento da frota global de satélites projeta que na próxima década alguns telescópios espacias poderão ter até 96% das suas imagens comprometidas pela luz refletida por esses objetos.
Essa preocupação já vinha sendo manifestada há mais de uma década para os observatórios baseados em terra, mas o novo trabalho, publicado na revista Nature, mostra que os observatórios de órbita baixa, como o Telescópio Espacial Hubble, também serão bastante afetados.
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Com o barateamento do lançamento de satélites de telecomunicação, o número desses objetos aumenta exponencialmente. Se apenas os planos de lançamento registrados na Comissão Federal de Comunicação dos EUA seguirem adiante, a população de satélites em órbita vai crescer de 15 mil para cerca de 560 mil até 2040.
A nova pesquisa feita para estimar o impacto dessa proliferação de objetos na órbita baixa da Terra foi liderada pelo cientista Alejandro Borlaff, do Centro de Pesquisa Ames da Nasa, na Califórnia. Para investigar o fenômeno, sua equipe usou imagens do Hubble que já foram afetadas pela luz refletidas por satélites.
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Como satélites se movimentam rápido pelo espaço e câmeras de telescópios às vezes precisam de tempo de exposição longo para captar imagens, a interferência nas fotografias aparece na forma de linhas luminosas marcando a trajetória desses objetos.
"Essas trilhas de satélites passando sobre um alvo científico pode tornar a observação totalmente inútil", explicam os cientistas. "Mesmo que a trilha não passe na frente do objeto, ela pode gerar um gradiente luminoso de fundo (luz difusa) e aumentar o ruído de fótons (partículas de luz) na imagem."
Cientistas x Musk
Diante desse problema, o bilionário Elon Musk se consagrou na última década como o grande inimigo dos astrônomos. Sua empresa de conexão de internet Starlink já lançou mais de 8.000 pequenos satélites, que representam cerca de 65% da frota de dispositivos ativos em órbita hoje.
Pelos cálculos de Borlaff, se a multinacional continuar com seus planos, com eventuais concorrentes ainda se juntando a ela, mais de um terço das imagens do Hubble se tornarão inviáveis para uso em pesquisa astronômica dentro de 15 anos. O único telescópio espacial virtualmente imune a esse fenômeno será o James Webb, um projeto de mais de US$ 10 bilhões que a Nasa colocou numa órbita mais distante do que a Lua.
Para estimar um impacto mais geral sobre outros projetos, a equipe de Borlaff fez estimativas de interferência para outros três telescópios espaciais promissores que ainda não foram lançados: o Shperex (da Nasa), o Arrakihs (da Agência Espacial Europeia) e Xuntian (da China).
"Se as constelações de satélites planejadas forem completadas, o número médio de trilhas por imagem capturara em cada telescópio seriam de 2,14 para o Hubble, 5,64 para o SPHEREx, 69 para o Arrakihs e 92 para o Xuntian", escreveu a equipe do cientista.
As imagens simuladas que os pesquisadores fizeram para o satélite chinês mais parecem uma fotografia de um tear, tamanha a quantidade de linhas de perturbação que possuem. Uma órbita relativamente mais baixa e uma ângulo de observação maior o deixam mais vulnerável a esse fenômeno.
Soluções propostas
Ao longo dos anos que a frota da Starlink vem interferindo no trabalho dos observatórios terrestres, cientistas aprenderam algumas lições sobre como evitar o problema.
Uma das medidas adotadas, quando possível, é evitar observações perto da alvorada ou do crepúsculo do Sol. Alguns projetos, porém, particularmente os de detecção de asteroides, precisam operar justamente nesses períodos de tempo.
Uma preocupação grande é a de projetos astronômicos que não produzem fotos, mas fazem análise luminosa de objetos por espectroscopia (separação das frequências da luz) para analisar as propriedades materias de estrelas e outros objetos cósmicos. Nesses casos, qualquer mínima interferência já compromete os resultados.
Com telescópios baseados em terra já sendo afetados, a Starlink já está tentando minimizar a visibilidade de seus satélites, usando tinta escura e materiais diferentes. Enquanto o brilho dos modelos de primeira geração eram visíveis até mesmo a olho nu, nos mais novos isso já não é possível, só que eles continuam sendo muito perturbadores para imagens astronômicas.
As medidas mais importantes para minimizar o problema agora, afirma Borlaff, são o uso de órbitas mais baixas pelos satélites de comunicação e a criação de um projeto público de monitoramento de objetos, para astrônomos saberem quando estes cruzarão o campo de visão de seus telescópios. Cientistas, de sua parte, podem considerar posicionar seus projetos em órbitas um pouco mais altas.
Todas essas medidas, porém, não serão suficientes para neutralizar por completo o impacto do aumento da frota de satélites sobre a pesquisa em astronomia. Uma outra consequência é a de que o custo dos projetos vai encarecer, porque as lentes olhos das trilhas de satélites envolverá trabalho extra.
