Projeto Antifacção avança no Senado com verbas de até R$ 30 bi das bets e penas mais duras para chefes do crime; veja os pontos
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira o projeto Antifacção, que institui um marco legal de combate ao crime organizado, endurece penas para facções e milícias e cria uma nova contribuição sobre casas de apostas para financiar ações de segurança pública e o sistema prisional. A estimativa do relator, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), é que a Cide-Bets possa gerar até R$ 30 bilhões por ano para operações de inteligência, estruturas integradas de repressão e presídios federais.
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O projeto deve ser votado pelo plenário do Senado ainda nesta quarta-feira.
O texto aprovado consolida e altera dispositivos do Código Penal, do Código de Processo Penal, da Lei de Organizações Criminosas e de leis de execução penal, drogas, armas, lavagem de dinheiro e crimes hediondos para enfrentar o crime organizado, com foco em três eixos: endurecimento penal contra lideranças, modernização dos meios de investigação e asfixia financeira de facções e milícias.
No complemento de voto apresentado nesta quarta, Vieira manteve a Cide-Bets como fonte central de financiamento, mas fez mudanças para reforçar o papel de estados, Ministério Público e Judiciário na governança dos recursos.
O texto segue agora para o plenário do Senado e, se aprovado, deve retornar à Câmara para validação ou rejeição das mudanças feitas pelos senadores.
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O texto passou a prever que ao menos 60% da arrecadação da Cide-Bets será executada de forma descentralizada, por meio dos mecanismos de transferência já previstos em lei, inclusive fundo a fundo, desde que os recursos sejam mantidos em conta específica dos fundos estaduais de segurança pública, carimbados exclusivamente para ações contra o crime organizado e expansão e qualificação do sistema prisional.
—O lucro do crime organizado aumentou assustadoramente depois desse advento das bets. As manchetes dos grandes veículos de comunicação do Brasil falam isso— afirmou o senador Eduardo Girão (Novo-CE)
—Se você quiser acabar com a vida de um jovem e de sua família, você dê um vício a ele. Neste país já tem gente vendendo imóvel para pagar dívida dessas bets que seus filhos adolescentes e, muitas vezes, as suas companheiras têm. Então, quero parabenizar porque nós estamos mostrando à sociedade que, quando se faz uma pesquisa, fora a saúde, o povo cobra segurança pública, e cabe à gente, aqui, colocar a segurança pública do país no orçamento, porque sem colocar a gente não vai chegar, vamos enxugar gelo— afirmou a senadora Zenaide Maia (PSD-RN).
O Conselho Gestor do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) também foi redesenhado, com a inclusão de dois representantes do Ministério Público — um dos MPs estaduais e outro do Ministério Público da União — e dois representantes do Poder Judiciário, garantindo participação federal e estadual. Além das polícias, passam a ser beneficiários explícitos dos novos recursos os Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECOs).
No eixo tributário, o relatório criou uma Declaração Única de Regularização para o setor de apostas de quota fixa, permitindo que operadores que atuaram no país sem autorização regularizem débitos de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins dos últimos cinco anos, sob regras de pagamento específicas e com sanções robustas para quem não aderir ou omitir informações. Ao mesmo tempo, o texto autoriza o bloqueio de contas de operadores irregulares, veda novas transações e destina ao FNSP os valores declarados perdidos em favor da União.
No plano penal, o projeto cria o tipo de “facção criminosa”, inserido diretamente na Lei de Organizações Criminosas. Promover, constituir, financiar ou integrar facção criminosa passa a ter pena de 15 a 30 anos de reclusão, além das penas correspondentes a outros crimes praticados. Para quem exerce comando, individual ou coletivo, a pena é aplicada em dobro. As condutas são consideradas hediondas e insuscetíveis de anistia, graça, indulto, fiança e livramento condicional.
O texto define facção como a organização criminosa que atua mediante controle territorial ou com atuação interestadual usando violência, coação, ameaça ou outros meios intimidatórios. O conceito de controle de territórios foi detalhado para incluir a conduta reiterada de impedir ou dificultar a circulação de pessoas, o funcionamento de serviços públicos, a operação de equipamentos essenciais e de infraestrutura, como telecomunicações e transportes.
As milícias privadas são equiparadas às facções para todos os fins legais. Além disso, o relatório cria um tipo penal específico de favorecimento a facção ou milícia — que inclui dar abrigo, fornecer bens ou informações, disseminar conteúdo de recrutamento ou alegar falsamente pertencer ao grupo para intimidar terceiros — com penas de 8 a 15 anos.
O endurecimento se concentra nas lideranças. Em cenários de maior gravidade, somando-se as penas previstas para facção criminosa, homicídios, roubos, extorsões e outras condutas praticadas em contexto de organização criminosa, a pena em abstrato pode chegar a 120 anos, embora o limite de cumprimento no Brasil permaneça em 40 anos.
Na complementação aprovada, Vieira incorporou novas hipóteses de aumento de pena e tipos penais. Entre as mudanças, está a previsão de causa de aumento para casos de lesão corporal ou morte de militares das Forças Armadas no contexto de atuação de organizações criminosas.
Outra agravante passa a valer quando facções ou milícias interrompem portos, aeroportos, rodovias, estações e linhas férreas, afetando funcionamento, operação, circulação, acesso ou integridade, ainda que temporariamente — ponto incluído diante da escalada de ataques a serviços de infraestrutura.
O relatório também cria um crime específico de receptação ligada ao crime organizado, com pena de 6 a 10 anos, e um novo tipo para quem recrutar, aliciar, cooptar, financiar ou incentivar crianças e adolescentes a auxiliar organizações criminosas, inclusive por meios digitais. Nesse caso, a pena varia de 5 a 10 anos, podendo subir para 8 a 15 anos se houver lesão grave e para 15 a 30 anos em caso de morte.
—O texto, a meu ver, é um texto de qualidade e está pronto já para ser colocado no Plenário. Vai voltar para a Câmara, e aí é natural que haja ajustes, mas o Senado cumpriu a sua missão ainda neste ano legislativo— afirmou o senador e ex-ministro da Justiça Sergio Moro (União-PR).
O que muda com o PL Antifacção
Cide-Bets e financiamento
Incide sobre as transferências feitas por apostadores às plataformas de apostas (não sobre lucro das empresas).
Alíquota de 15%, com estimativa de até R$ 30 bilhões anuais.
Pelo menos 60% dos recursos serão executados por estados, via fundos de segurança pública.
Governança e controle dos recursos
Conselho Gestor do FNSP passa a incluir representantes do Ministério Público e do Poder Judiciário.
GAECOs entram como beneficiários explícitos do financiamento.
Operadores irregulares de apostas podem ter contas bloqueadas e valores perdidos para o FNSP.
Regularização do setor de apostas
Criação de Declaração Única de Regularização para empresas que atuaram sem autorização.
Permite quitar débitos de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins dos últimos cinco anos.
Prevê sanções severas para omissões ou novas irregularidades.
Criação do tipo penal de facção criminosa
Pena de 15 a 30 anos para integrar, financiar ou promover facção criminosa.
Pena em dobro para quem exerce comando.
Conduta considerada hedionda, sem possibilidade de anistia, graça, indulto, fiança ou livramento.
Definições e enquadramentos
Facção passa a ser definida por controle territorial, intimidação, violência e atuação interestadual.
Milícias são equiparadas às facções para todos os fins legais.
Favorecimento a facção ou milícia
Novo crime para quem dá abrigo, fornece bens, auxilia ou dissemina conteúdo de recrutamento.
Penas de 8 a 15 anos.
Agravantes e penas elevadas
Penas podem atingir mais de 100 anos em abstrato, embora o limite de cumprimento seja de 40 anos.
Agravante para lesão corporal ou morte de militares das Forças Armadas.
Agravante para interrupção de portos, aeroportos, rodovias, estações e ferrovias.
Novos crimes específicos
Receptação ligada ao crime organizado: pena de 6 a 10 anos.
Recrutamento ou aliciamento de crianças e adolescentes:
5 a 10 anos;
8 a 15 anos em caso de lesão grave;
15 a 30 anos em caso de morte.
Investigação e medidas processuais
Ampliação do acesso a bases de dados por MP e polícias.
Regras mais rígidas para continuidade de inquéritos e aplicação de multas por descumprimento de ordens judiciais.
Proteção reforçada a jurados, com sigilo e uso ampliado de videoconferência.
