
Obituário: Paulo Soares e a certeza que, do outro lado da tela, havia mesmo um Amigão

Morreu o Amigão da Galera. Há tristezas que se anunciam já na primeira frase de uma notícia ruim — às vezes pela causa, pela idade, pela profissão ou pela dimensão pública de quem se foi. Mas, em geral, quando morrem Josés, Paulos, Anteros ou Rodrigos, os nomes só ganham peso quando são acompanhados da história que carregam. O de hoje não precisa de explicação: basta o apelido. Amigão. Nele já mora a intimidade, a lembrança boa, o afeto multiplicado. É por isso que não se trata apenas da morte de Paulo Soares, jornalista, narrador e apresentador; é o Amigão que se despede, e com ele uma parte querida da Galera que agora chora sua ausência.
O apelido de Amigão da Galera surgiu em 1990, quando o repórter Osvaldo Pascoal, colega de Rádio Record, resolveu dar nome ao que todos já percebiam. A simpatia no ar explicava parte da escolha: a forma de falar que soava como conversa entre amigos, a intimidade imediata com quem estava do outro lado do rádio ou da televisão. Mas quem teve a chance de conviver com Paulo Soares sabia que era mais do que isso. Amigão era amigão também no dia a dia, nas pequenas delicadezas que viravam gestos inesquecíveis.
Foi assim com o então jovem jornalista Dudu Monsanto, que depois seria seu companheiro na ESPN, e que mal o conhecia quando recebeu dele uma dica de viagem que se transformou em lua de mel inesquecível. Mais do que a sugestão certeira, o que ficou foi a cena insólita e terna: o hotel no Ceará recebendo telefonemas diários de Paulo, preocupado em saber se os recém-casados estavam sendo bem tratados. Um coração desses não se mede em apelidos, apenas se confirma em gestos. E era essa mesma dedicação, quase artesanal, que Paulo levava para o ofício: do amigo no dia a dia ao profissional que tratava a tela com o mesmo cuidado de quem cuida de gente.
Quem foi amigo do Amigão sabia: a amizade que ele cultivava com o telespectador era coisa séria. No ar, parecia puro improviso, conversa de bar transmitida para milhões. Mas por trás do riso fácil e do jeito bonachão havia uma disciplina que beirava a devoção. Paulo chegava horas antes de cada transmissão, caderno cheio de anotações, dever de casa feito com minúcia de aluno aplicado. Era detalhista até no que não aparecia. Entendia que aquela intimidade com o público não se sustentava apenas na simpatia, mas na entrega. Era sério para brincar, e brincava porque levava a sério. No equilíbrio dessa equação, fez do profissionalismo a base da amizade que o país inteiro sentiu que tinha com ele.
A história de Paulo Soares no jornalismo começou cedo, ainda adolescente, quando aos 15 anos já narrava jogos na Rádio Clube de Araras, no interior paulista. Daquela cabine modesta sairia uma das vozes mais marcantes da imprensa esportiva brasileira. Passou por microfones de Record, Globo, Bandeirantes, Gazeta, Cultura e tantas outras, como quem percorria degraus que o levariam, em 1994, ao projeto que se tornaria sua grande casa: a ESPN Brasil.
Na emissora, Paulo Soares construiu mais que uma carreira. Ajudou a inventar um jeito novo de falar de esporte no Brasil. No Linha de Passe mostrou sua firmeza, mas foi no SportsCenter, a partir dos Jogos de Sydney, em 2000, que se eternizou ao lado de Antero Greco. Juntos, transformaram o noticiário frio em conversa de amigos: improvisos, risadas cúmplices, bordões que viraram mantras e uma química impossível de ensaiar. Não eram apenas dois jornalistas dividindo bancada, eram dois amigos dividindo a vida diante das câmeras. E foi essa amizade, transmitida em estado bruto, que fez do Amigão não só um apresentador, mas parte da sala de estar de milhões de brasileiros, legado que hoje se mistura à saudade.
Pouco mais de um ano atrás, vimos o Amigão se desfazer em lágrimas no ar ao se despedir de Antero Greco, o primeiro da dupla a partir. Não era cena de televisão, era a vida invadindo a tela: a dor crua de um amigo perdendo outro. Hoje, essa mesma dor retorna, mas meio invertida. Depois de meses de internações e cirurgias, Paulo Soares nos deixa aos 63 anos, vencido pela falência múltipla de órgãos. E somos nós, agora, que ficamos órfãos — da gargalhada generosa, do improviso cúmplice, da voz que fazia de cada notícia uma conversa de amigos. O que antes foi sua dor, agora é a nossa saudade. E, se dói tanto escrever que morreu o Amigão da Galera, é porque não se perde só um jornalista. Perde-se a rara certeza de que, do outro lado da tela, havia mesmo um grande amigo.