O que muda com a Lei da Nacionalidade? Seis perguntas que todo brasileiro precisa saber antes de pedir cidadania portuguesa
Portugal vive um dos debates mais intensos dos últimos anos sobre imigração e nacionalidade. Uma proposta em tramitação no Parlamento prevê mudanças profundas na Lei da Nacionalidade, que podem endurecer as regras para quem deseja obter o passaporte português — tanto para estrangeiros residentes no país quanto para descendentes de cidadãos lusos. As novas normas vêm acompanhadas do fim da regularização de pessoas que entram como turistas e de restrições adicionais nos vistos de trabalho.
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De acordo com o jornal Observador, o Partido Socialista (PS) denunciou nesta segunda-feira (27) um acúmulo “para além do razoável” nos processos de nacionalidade, apontando falhas na Conservatória dos Registos Centrais, ligada ao Instituto dos Registos e Notariado (IRN). O partido afirmou que há dezenas de milhares de pedidos pendentes, muitos de filhos e netos de portugueses que vivem no exterior. Em alguns casos, o tempo de espera chega a 18 meses. A ministra da Justiça foi questionada sobre o que o governo pretende fazer para reduzir as filas e acelerar as respostas.
Essas demoras atingem inclusive recém-nascidos e jovens que aguardam documentos para se registrar como portugueses, o que, segundo o PS, cria situações de apatridia temporária — impedindo, por exemplo, que famílias viagem por falta de identificação oficial. A questão deve ser abordada novamente nesta terça-feira (28), quando os deputados voltam a discutir, em plenário, a nova proposta de revisão da lei.
Entre as mudanças previstas, estão o aumento do tempo mínimo de residência em Portugal e a introdução de um mecanismo de perda de nacionalidade em casos de crimes graves.
Segundo a CNN Portugal, para entender o impacto dessas alterações, é preciso compreender ao menos seis perguntas fundamentais sobre a Lei da Nacionalidade — e o que está em jogo com sua revisão.
1. O que é a Lei da Nacionalidade?
A Lei da Nacionalidade é o conjunto de normas que define quem é, ou pode tornar-se, cidadão português. Ela foi criada em 1981 e tem sido modificada ao longo das décadas para se adequar às transformações sociais e demográficas do país. A legislação distingue dois caminhos principais: a nacionalidade originária, concedida a quem nasce português, e a nacionalidade adquirida, obtida posteriormente por naturalização ou vínculo familiar.
Em termos práticos, a lei determina as condições em que filhos de portugueses — mesmo nascidos fora do país — podem requerer a cidadania, e também estabelece critérios para estrangeiros que residem legalmente em Portugal. As alterações recentes e as novas propostas refletem um esforço político para equilibrar a tradição de acolhimento do país com o aumento expressivo de pedidos, principalmente de brasileiros, angolanos e cidadãos da União Europeia.
2. Quem pode ser português?
Pela lei atual, são considerados portugueses de origem os filhos de mãe ou pai português nascidos em território nacional. Também têm direito à nacionalidade os filhos de portugueses nascidos no exterior, desde que o nascimento seja registrado em Portugal ou que os pais estejam a serviço do Estado português. Há ainda a possibilidade de aquisição por naturalização, destinada a estrangeiros que demonstrem vínculos reais com o país — como o domínio da língua e a ausência de condenações criminais graves.
Além disso, descendentes de portugueses até o segundo grau podem solicitar a nacionalidade mediante declaração de vontade, desde que mantenham “laços de ligação efetiva” com o país, como residência ou conhecimento da língua. O casamento ou união estável com um cidadão português também abre caminho para a obtenção da cidadania, desde que o relacionamento tenha mais de três anos e seja reconhecido judicialmente. Já os estrangeiros que vivem em Portugal precisam comprovar residência legal de ao menos cinco anos, requisito que pode subir para sete ou dez, conforme a nova proposta.
3. O que vai mudar com a nova lei?
A proposta de revisão da Lei da Nacionalidade, em discussão no Parlamento, propõe aumentar de cinco para sete anos o tempo mínimo de residência exigido para cidadãos da CPLP e da União Europeia, e para dez anos no caso de outras nacionalidades. A medida, defendida por partidos de direita como o PSD e o Chega, visa restringir o acesso à cidadania, justificando-se pelo aumento da imigração. O PS, por sua vez, tenta um acordo intermediário, sugerindo um prazo de nove anos, mas alerta que isso pode prejudicar comunidades históricas ligadas a Portugal, especialmente os brasileiros.
Outra mudança importante é a inclusão da perda de nacionalidade no Código Penal. Essa penalidade, que seria aplicada por decisão judicial, valeria para condenações por crimes graves, como homicídio, terrorismo ou crimes contra o Estado, com penas superiores a quatro anos de prisão. A proposta também endurece as regras para crianças nascidas em Portugal, exigindo que um dos pais resida legalmente no país há pelo menos dois ou cinco anos — a depender da versão do texto — para que a criança tenha direito à nacionalidade automática.
4. E o que muda para os judeus sefarditas e cidadãos das ex-colônias?
Os descendentes de judeus sefarditas — grupo que desde 2015 podia obter nacionalidade portuguesa ao comprovar ligação ancestral com o país — podem perder esse direito. O governo quer extinguir essa via de naturalização, alegando fraudes e abusos no processo. Milhares de pessoas em todo o mundo, especialmente de Israel e do Brasil, utilizaram essa possibilidade para conseguir o passaporte europeu.
Já os cidadãos nascidos nas antigas colônias portuguesas antes de 25 de abril de 1974, data da Revolução dos Cravos, continuam a ter regras específicas. Filhos, netos e cônjuges de cidadãos dessas regiões — como Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe — podem requerer a nacionalidade desde que comprovem laços de ligação a Portugal. O critério costuma incluir ascendentes que tenham nascido e falecido em território português antes da independência das colônias.
5. O que é necessário para aprovar a nova lei?
A revisão da Lei da Nacionalidade precisa de maioria absoluta — 116 dos 230 deputados do Parlamento português — para ser aprovada. O debate está polarizado: PS, Bloco de Esquerda, PCP e Livre manifestaram oposição a pontos centrais do texto, enquanto PSD e CDS contam com o apoio do Chega para aprová-lo. O Observador relata que o partido de extrema direita tem papel decisivo, já que aceita apoiar a proposta se houver punições claras para casos de fraude na obtenção da nacionalidade.
As negociações vêm sendo intensas. De um lado, há o argumento da necessidade de controle e rigor diante do alto número de pedidos; de outro, a defesa de uma lei mais inclusiva, que reconheça o vínculo histórico e cultural dos descendentes de portugueses espalhados pelo mundo, especialmente no Brasil.
6. “Lei da Nacionalidade” e “Lei dos Estrangeiros” são a mesma coisa?
Não. Embora ambas tratem de imigração, são legislações distintas. A Lei da Nacionalidade regula quem é, ou pode tornar-se, cidadão português, estabelecendo os critérios de origem e naturalização. Já a Lei dos Estrangeiros trata da entrada, permanência e direitos dos cidadãos estrangeiros em território português, incluindo concessão de vistos, autorizações de residência e reagrupamento familiar.
A mais recente revisão da Lei dos Estrangeiros, já promulgada pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa, simplificou alguns procedimentos de regularização, mas o governo agora pretende reforçar o controle sobre novos pedidos e restringir acessos automáticos à nacionalidade. Para brasileiros e outros cidadãos da CPLP, isso pode significar um processo mais longo e burocrático para viver legalmente em Portugal ou obter o passaporte português.
