Índia exige aplicativo governamental em todos os smartphones e gera onda de críticas sobre privacidade
A Índia determinou que todos os novos smartphones fabricados ou importados no país tragam, de forma obrigatória, o aplicativo estatal Sanchar Saathi pré-instalado — uma decisão que acendeu um amplo debate sobre privacidade, vigilância e os limites de atuação do governo em um mercado com mais de 1,2 bilhão de usuários. A ordem foi aprovada na semana passada, mas só veio a público nesta segunda-feira, e dá 90 dias para que os fabricantes cumpram a exigência.
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Segundo o jornal inglês BBC, o app deverá estar “visível e acessível” já na configuração inicial do aparelho e suas funcionalidades “não podem ser desativadas ou restringidas”. O governo afirma que o objetivo é permitir ao usuário verificar a autenticidade do telefone, denunciar fraudes e ajudar na recuperação de aparelhos perdidos ou roubados — algo que o aplicativo já vem fazendo: segundo dados oficiais citados pela Reuters, mais de 700 mil celulares foram recuperados com apoio da ferramenta.
Mas as permissões amplas do Sanchar Saathi levantaram críticas imediatas. A política de privacidade autoriza o app a fazer e gerenciar chamadas, enviar mensagens, acessar registros telefônicos, arquivos, fotos, vídeos e a câmera, entre outras funções — um nível de acesso que especialistas classificam como preocupante. A organização Internet Freedom Foundation escreveu que a medida transforma “cada smartphone vendido na Índia em um receptáculo de software imposto pelo Estado, que o usuário não pode recusar, controlar ou remover”.
Diante da pressão, o ministro das Comunicações, Jyotiradiya Scindia, afirmou que o uso seria opcional e “completamente democrático”, dizendo que o aplicativo poderá ser excluído. Mas não explicou como isso seria possível se o próprio texto da ordem estabelece que as funções “não podem ser desativadas ou restringidas”, gerando ainda mais dúvidas sobre o alcance real da medida.
O governo sustenta que a decisão é necessária para combater o risco de IMEIs duplicados ou falsificados, que, segundo o Departamento de Telecomunicações, alimentam a revenda de aparelhos roubados. O IMEI, código único de um celular, é essencial para identificar dispositivos nas redes móveis. O órgão afirma que a ampla comercialização de aparelhos usados e a circulação de produtos adulterados representam “um sério risco” às telecomunicações do país.
A determinação também mexe com fabricantes. Além de instalar o app nos novos aparelhos, as empresas deverão “fazer um esforço” para disponibilizá-lo via atualização de software em unidades já produzidas, mas ainda não vendidas. Todas precisam apresentar relatórios de conformidade em até 120 dias.
O cumprimento, porém, está longe de ser simples. Especialistas como o analista de tecnologia Prasanto K. Roy afirmam que a ordem contraria políticas de gigantes como Apple e Samsung, que proíbem a instalação de aplicativos governamentais ou de terceiros antes da venda.
Embora o mercado indiano seja dominado por Android, a Apple detém cerca de 4,5% dos 735 milhões de smartphones ativos no país. A empresa não comentou publicamente, mas fontes ouvidas pela Reuters afirmam que não pretende acatar a determinação e já prepara manifestações formais a Nova Déli.
