Música feita por IA no topo reacende debate sobre regulamentação de direitos autorais no ambiente digital
Especialistas também discutem se quem dá os prompts para a inteligência artificial tem ou não direitos sobre o resultado da mixagem de inúmeros artistas. Na Câmara, o projeto de regulamentação da IA no Brasil tramita em uma comissão especial e autores temem que haja retrocessos em relação ao que foi aprovado no Senado Um cantor bonitão gerado por inteligência artificial – pelo menos, aparenta ser – conseguiu emplacar uma música gerada por algoritmos no topo das mais baixadas em gênero country, e reativou a discussão sobre direitos autorais. O grande feito é “Walk My Walk”, do artista virtual Breaking Rust. Ele tem conta no Instagram e TikTok, e quase 3 milhões de ouvintes mensais no Spotify.
Plataformas como Suno AI evoluíram tanto nos últimos meses a ponto de o ouvinte talvez nem conseguir reconhecer se as faixas são ou não artificiais. Segundo pesquisa da plataforma de streaming Deezer, 97% das pessoas não conseguem diferenciar entre música gerada inteiramente por IA e criada por humanos. Ao mesmo tempo, as empresas que usam o aprendizado de máquina e deep learning são treinadas com obras de artistas reais. E já cobram por isso sem qualquer regramento. Autores e entidades que representam os direitos autorais argumentam que parte dos lucros das empresas de tecnologia tem que ser repassado aos criadores. É o que sustenta a superintendente-executiva do ECAD, Isabel Amorim.
“Já fizemos vários estudos e temos uma área de auditoria, e não há dúvidas de que as obras estão lá, nas plataformas. Se você pedir uma música próxima de Bossa Nova, ela faz. Se solicitar uma faixa que se assemelhe mais a Gilberto Gil, ela faz também. Então, como as empresas de IA estão entregando sem que os bancos de dados tenham Gil e artistas da Bossa Nova lá dentro?”, disse.
Nesse cenário, a Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores (CISAC) estima que as receitas da indústria musical mundial podem cair 24% até 2028 devido ao avanço de conteúdos gerados por IA, uma perda de cerca de €10 bilhões (aproximadamente R$ 60 bilhões).
Depois de ser aprovado pelo Senado, o projeto que trata do uso de inteligência artificial está tramitando em uma comissão especial da Câmara dos Deputados. A proposta apoiada pela classe artística defende que seja remunerado todo o conteúdo usado para treinar as plataformas de IA generativa, assim como já ocorre com o ECAD. As empresas, por sua vez, dizem que é impossível rastrear a contribuição de cada obra em meio a incontáveis dados.
A advogada especializada em contencioso Sofia Kilmar afirma que o texto que veio do Senado necessariamente será modificado para não espantar investimentos em tecnologia no Brasil e destaca que devido à quantidade de dados e “do ponto de vista de como a IA é treinada, é absolutamente desafiador quando se pensa em regramento para casos individuais”.
O relator do projeto na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e a presidente da comissão especial, Luísa Canziani (PSD-PR), têm dito que o caminho mais equilibrado seria regular o conteúdo gerado por inteligência artificial, garantindo remuneração somente quando houver violação de direitos autorais ou concorrência desleal. Além disso, uma possibilidade seria definir que os artistas possam excluir suas músicas e composições dos bancos de dados das plataformas.
O compositor e produtor Sérgio Júnior, integrante da banda Sorriso Maroto, discorda desse entendimento, pois “as obras já estão disponíveis e não é tão fácil simplesmente excluir os materiais”, alega. O artista também defende que é possível rastrear os autores e os fragmentos de cada obra artística nas faixas geradas por máquina.
“Cada segundo pode ser identificado e nos mostra quais músicas e quais autores foram utilizados, qual o produtor fonográfico, a gente consegue fazer isso tudo. Já tem meios de identificar os fragmentos que foram usados para montar um faixa por IA. E tem o seguinte modelo – se você entrou na plataforma e deu os comandos fazer uma Bossa Nova, ela mistura tudo e entrega o seu pedido. Digamos que a gente não conseguiu identificar quem são os autores, então a big tech dona da IA, tem que pagar e a gente repassa para todos os compositores de Bossa Nova. Serão centavos? Sim, mas importante é remunerar e proteger as obras de artistas”.
A discussão também suscita dúvidas sobre eventuais direitos para quem dá os comandos (os prompts) para a IA. O artista que insere composições próprias ou o usuário que somente insere os comandos, como por exemplo: "crie uma música sertaneja no estilo Maiara e Maraisa” pode ou não ter direito autoral e receber por isso. Para o advogado Luiz Fernando Plastino, especialista em Propriedade Intelectual, Privacidade e Proteção de Dados e Direito de Informática, o tema não tem uma resposta única.
"Se você escreveu a letra, tem algum direito autoral. Já em relação à música criada por um computador existe a discussão se há direito autoral ou não. Colocar o prompt é diferente de ser um autor de uma música. Então, se quem deu os comandos não é o autor, quem vai ser? Pelo menos essa é a tese principal que está em discussão", afirmou.
A plataforma Deezer revelou recentemente que recebe por dia cerca de 50 mil músicas 100% geradas por inteligência artificial, o que representa 34% de todos os uploads diários. Além disso, segundo a empresa francesa, cerca de 70% dos plays desses conteúdos vieram de bots ou sistemas automatizados. O Spotify também revelou preocupação com a avalanche de músicas artificiais e revisou as políticas de uploads – a companhia afirma ter removido cerca de 75 milhões de faixas consideradas spam ou de baixa qualidade.
