Motta cria ambiente imprevisível com pautas de grande repercussão e pouca articulação, avaliam líderes

 

Fonte:


O enfrentamento político com governistas a partir do episódio do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), retirado à força do plenário por tentar obstruir os trabalhos, foi apenas mais uma frente de desgaste do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Segundo líderes do Centrão e da direita ouvidos pelo GLOBO, Motta tomou recentemente decisões sem comunicar previamente aos representantes de partidos e sem medir o impacto de suas ações sobre um ambiente já tensionado.

A reação de parlamentares governistas em plenário nesta terça-feira — com discursos de Lindbergh Farias (PT-RJ), Erika Kokay (PT-DF) e Tarcísio Motta (PSOL-RJ) — veio acompanhada de críticas veladas de outras forças políticas: a avaliação de que houve erro de condução e falta de coordenação.

Além de colocar na pauta o projeto da Dosimetria, Motta também havia decidido votar, no mesmo dia, o devedor contumaz e avançar, nesta semana, com cassações de grande repercussão política.

Para líderes, o presidente tentou agradar governo e oposição ao mesmo tempo e terminou criando um ambiente imprevisível.

A percepção dominante é que Motta subestimou o risco da escalada e superestimou sua capacidade de controlar a sessão, produzindo o cenário caótico que se viu ao longo da tarde.

Motta só anunciou nesta terça-feira que não iria para o recesso sem votar a dosimetria e tampouco deixaria pendentes os processos disciplinares contra Carla Zambelli, Glauber Braga, Alexandre Ramagem e Eduardo Bolsonaro.

Interlocutores afirmam que ele vinha sendo pressionado nas redes sociais a avançar com as cassações e teria entendido que o dia de ontem poderia ser uma demonstração de comando.

O problema, segundo parlamentares que transitaram entre o gabinete da Presidência e o Salão Verde, é que essa estratégia não foi compartilhada, causando surpresa no colegiado já na parte da manhã.

Líderes da base afirmam que souberam da manutenção da dosimetria e da inclusão do devedor contumaz “quase ao mesmo tempo que todo mundo”.

Um líder bem próximo à cúpula da Casa afirmou que Motta falhou ao não construir e não alinhar, elevando os ânimos que culminaram no episódio de Glauber.

Como o episódio com Glauber escalou

Sob risco de cassação, Glauber Braga ocupou a cadeira da Presidência por cerca de uma hora, em protesto contra o avanço simultâneo da dosimetria e dos processos disciplinares. Ele acusava Motta de condução parcial e afirmava que permaneceria ali “até o limite das forças”.

Diante da resistência do parlamentar em deixar o posto, Motta determinou sua retirada à força.

Policiais legislativos o carregaram pelos braços, em meio a empurrões e acusações de agressões a deputados que tentavam intervir. O sinal da TV Câmara foi cortado, e jornalistas e assessores foram retirados da galeria, medida que inflamou ainda mais o clima no plenário.

A cena produziu imediatamente uma comparação: em agosto, quando bolsonaristas ocuparam a Mesa Diretora, não houve resposta semelhante e até hoje nenhum deles foi punido. Para líderes alinhados ao governo, a diferença de tratamento aprofundou o desgaste:

— Houve violência contra parlamentares que estão sendo atendidos neste momento, carregando na pele a violência propagada por vossa excelência — disse Erika Kokay.

Lindbergh Farias também criticou diretamente o presidente da Câmara:

— Vossa excelência está perdendo as condições de seguir na presidência desta Casa.

Isolamento exposto

O episódio reforçou outra avaliação que circula entre líderes desde agosto: a de que Motta, apesar do cargo, opera com um grupo político extremamente reduzido. Deputados citam Isnaldo Bulhões (MDB-AL) e Luizinho (PP-RJ) como os únicos com acesso permanente às suas decisões.

Para líderes, essa falta de sustentação ajuda a explicar por que o presidente se desestabiliza em momentos de crise, como na cena em que determinou o corte do sinal da TV Câmara e autorizou a retirada da imprensa da galeria, uma decisão que líderes governistas classificaram como “desnecessária” e “agravadora do conflito”.

A postura de Motta difere da atuação em agosto, quando Motta enfrentou seu primeiro grande teste: o motim bolsonarista, articulado após frustradas tentativas do PL de pautar medidas de interesse da oposição.

À época, Motta passou 30 horas em paralisia, movimento que líderes leram como demonstração de fragilidade e falta de controle do plenário.

Pouco tempo depois, veio a derrota da PEC da Blindagem, quando o Senado barrou o avanço da proposta apoiada por partidos do Centrão.

Para parlamentares que acompanham de perto as negociações, o episódio reforçou a percepção de que o presidente da Câmara ainda não encontrou ritmo próprio de articulação, alternando avanços e recuos sem uma linha clara de condução.