Morre Dick Cheney, o mais poderoso vice-presidente dos EUA e principal nome por trás da 'Guerra ao Terror'

 

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Responsável pelo planejamento da “Guerra ao Terror” e considerado o mais poderoso vice-presidente da História recente dos EUA, Dick Cheney morreu na noite de segunda-feira, informou a família. Ao longo de décadas em Washington, Cheney esteve à frente de alguns dos episódios mais marcantes da política americana e internacional, cujos efeitos são sentidos até hoje.

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Chefe de Gabinete do presidente republicano Gerald Ford, e eleito deputado por Wyoming, Cheney avançou sobre os corredores da capital americana e estabeleceu laços políticos que o levaram ao comando do Pentágono em 1989, após a eleição de George H.W. Bush. Neste período, supervisionou a invasão do Panamá, em 1989, e a primeira Guerra do Golfo, em 1991, após a invasão do Kuwait pelo então ditador iraquiano, Saddam Hussein. Após deixar o poder, se tornou CEO da Halliburton, uma das gigantes do setor do petróleo, uma relação que marcaria seus próximos passos na política americana.

Em 2000, já em meio ao processo eleitoral, o então governador do Texas e candidato republicano à Presidência, George W. Bush, surpreendeu o aparato político ao escolher Cheney como seu companheiro de chapa — o ex-secretário de Defesa era justamente o responsável por escolher o candidato a vice-presidente de Bush. A eleição daquele ano ficaria marcada na História não apenas pela campanha, mas especialmente pela batalha jurídica sobre o vencedor na Flórida, decidida pela Suprema Corte.

Nove meses após ser empossado, Cheney estava na Casa Branca quando as aeronaves atingiram as torres do World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, a poucos quilômetros da sede da Presidência. Em um bunker subterrâneo diante do temor de que o prédio fosse o próximo alvo — o voo 93 da United, o quarto avião sequestrado naquele dia, seguia para Washington quando caiu na Pensilvânia —, Cheney dizia que se tratava de um ataque deliberado, e que precisava de uma resposta contundente.

Eram os primeiros passos de uma política que ficou conhecida como “Guerra ao Terror”, iniciada com a invasão do Afeganistão, em outubro de 2001, e ampliada para intervenções cujas justificativas nem sempre eram claras ou verdadeiras. No Iraque, Saddam Hussein foi derrubado em questão de dias após uma invasão de grande porte, que jogou o país árabe em uma caótica guerra civil e o transformou em terreno aberto para novas organizações terroristas, como o Estado Islâmico. Anos depois, ficou comprovado que a alegação de que Bagdá tinha armas de destruição em massa, razão oficial para lançar a invasão, era falsa.

— A guerra do Iraque foi a decisão certa. Acreditei nisso então, e acredito agora — afirmou à CNN em 2015.

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Sob justificativa de buscar os responsáveis pelo 11 de Setembro, a legislação internacional foi ignorada em locais clandestinos de “interrogatórios avançados”, um nome pomposo para a prática deliberada de tortura, desde afogamentos até choques elétricos — prisões, como de Abu Ghraib, no Iraque, ou da Base de Guantánamo, em Cuba, se tornaram, nas palavras da Anistia Internacional “ícones do fracasso de um governo em colocar os direitos humanos no centro de suas prioridades”.

“Eu faria tudo novamente”, declarou em 2014, ao ser confrontado com relatórios que classificaram as técnicas de interrogatório como brutais e ineficazes.

Mas Cheney não era apenas o segundo no comando dos EUA. Analistas políticos e historiadores apontam que ele, e não George W. Bush, tinha a palavra final em decisões importantes, e comandava uma espécie de “super gabinete”, com poder de interferir em discussões e tomar decisões por conta própria — em um livro de memórias, publicado em 2010, Bush revelou ter considerado buscar um novo vice antes das eleições de 2004. Para ele, essa seria uma maneira de mostrar que “estava no comando”, e de se livrar de alguém que era alvo preferencial da imprensa e da oposição democrata.

“Embora Dick tenha contribuído com partes importantes da nossa base, ele se tornou um alvo fácil para críticas da mídia e da esquerda”, escreveu Bush, no livro “Momentos de Decisão” . “Ele era visto como sombrio e insensível, o Darth Vader do governo.”

Ao final, Cheney seguiu como vice, e eles derrotaram a chapa democrata formada por John Kerry e John Edwards sem muita dificuldade. Nos quatro anos seguintes, o vice-presidente avançou em sua “Guerra ao Terror”, ampliando a rede de prisões clandestinas no Leste Europeu, Ásia Central e na base americana em Cuba. Além do desprezo pelas normas internacionais, o republicano acreditava que as circunstâncias do combate ao terrorismo permitiam à Casa Branca exercer poderes extraordinários, sem a necessidade de supervisão do Congresso ou da Suprema Corte.

Em seus últimos momentos no cargo, escolheu o combate às mudanças climáticas como novo inimigo, e atuou diretamente contra os planos do governo Bush para criar regras mais duras de controle de emissões. Na ocasião, não faltaram acusações de que estava agindo em favor de seus antigos aliados da indústria petrolífera dos EUA, também favorecida em contratos no Oriente Médio.

Cheney deixou a Casa Branca com apenas 31% de aprovação, e passou a ser visto como um dos grandes símbolos dos excessos da Guerra ao Terror. O novo presidente, o democrata Barack Obama, se elegeu em grande parte com a promessa de encerrar as guerras iniciadas por seu antecessor, algo que ele não cumpriu ao deixar o poder em 2017.

Em 2016, apoiou Donald Trump na disputa contra Hillary Clinton, e mudou de posição em 2020, com a recusa de seu colega de partido em aceitar a derrota para Joe Biden. Em um anúncio da campanha de uma de suas filhas, Liz, nas primárias para a escolha do candidato republicano para uma das cadeiras na Câmara no estado do Wyoming em 2022, foi particularmente sincero ao falar de Donald Trump.

— Nos 246 anos de história da nossa nação, nunca houve um indivíduo que representasse uma ameaça maior à nossa república do que Donald Trump — afirmou, olhando para a câmera. — Ele é um covarde. Um homem de verdade não mentiria para seus apoiadores. Ele perdeu a eleição, e perdeu feio. Eu sei disso. Ele sabe disso e, no fundo, acho que a maioria dos republicanos também sabe.

Em 2024, surpreendeu ao defender o voto em Kamala Harris, candidata do Partido Democrata contra Donald Trump, fazendo coro à sua filha Liz, hoje isolada pelo aparato trumpista dentro do Partido Republicano. Na ocasião, disse que “temos o dever de colocar o país acima do partidarismo para defender nossa Constituição”.

Em comunicado, a família de Dick Cheney disse que ele morreu na noite de segunda-feira, por complicações de pneumonia e de doença cardiovascular, e que estava acompanhado pela mulher, Lynne, por suas filhas Liz e Mary, e por outros membros da família. A Casa Branca e Donald Trump não se pronunciaram.