Morre Dick Cheney, ex-vice-presidente dos EUA e arquiteto da 'guerra ao terror', aos 84 anos
Dick Cheney, ex-vice-presidente dos Estados Unidos e um dos polĂticos mais influentes da histĂłria recente do paĂs, morreu aos 84 anos, informou sua famĂlia em comunicado divulgado nesta terça-feira. Ele foi o 46Âş vice-presidente dos EUA, servindo por dois mandatos ao lado do republicano George W. Bush, entre 2001 e 2009. Considerado o principal arquiteto da “guerra ao terror”, teve papel central nas decisões que levaram Ă invasĂŁo do Iraque em 2003, baseada em alegações de armas de destruição em massa que depois se provaram falsas.
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Durante o governo Bush, exerceu influĂŞncia sem precedentes sobre temas de segurança nacional e polĂtica externa. Foi ele quem, no dia 11 de setembro de 2001, coordenou parte da resposta imediata aos ataques da Al Qaeda de um bunker sob a Casa Branca. Em meio ao caos, Cheney chegou a autorizar que caças abatessem aviões sequestrados que se aproximassem da capital americana.
— Naquele momento, você sabia que era um ato deliberado. Um ato terrorista — disse em entrevista à CNN em 2002.
A partir daquele dia, Cheney se tornou um homem mudado — e a figura mais dura do governo americano. Defensor da doutrina do ataque preventivo e da mudança de regimes no Oriente Médio, ele foi uma das vozes mais insistentes para derrubar Saddam Hussein.
Do poder ao isolamento polĂtico
Antes da vice-presidência, Cheney foi chefe de gabinete da Casa Branca no governo Gerald Ford, secretário de Defesa sob George H. W. Bush — quando comandou a Guerra do Golfo — e deputado por Wyoming. Em 2000, trabalhava no setor privado quando foi encarregado por George W. Bush de ajudar a escolher seu vice. O processo terminou com ele próprio assumindo o cargo.
Ao longo dos anos, construiu uma reputação de estrategista implacável e reservado, conhecido por atuar nos bastidores e exercer enorme poder sobre o governo Bush. Embora caricaturas o retratassem como “o verdadeiro presidente”, contemporâneos afirmam que Bush sempre manteve a palavra final.
Mesmo assim, Cheney foi o rosto das polĂticas mais duras do pĂłs-11 de Setembro — incluindo o uso de interrogatĂłrios violentos, defendidos por ele como “mĂ©todos legĂtimos”, e a manutenção de prisioneiros sem julgamento em Guantánamo, práticas amplamente criticadas como tortura.
Sem arrependimentos
O ex-vice-presidente terminou o mandato com apenas 31% de aprovação, segundo o Pew Research Center, e deixou a Casa Branca visto por muitos como o sĂmbolo dos excessos da guerra ao terror. Mas Cheney nunca expressou arrependimento.
“Eu faria tudo novamente”, declarou em 2014, ao ser confrontado com relatórios que classificaram as técnicas de interrogatório como brutais e ineficazes.
— A guerra do Iraque foi a decisão certa. Acreditei nisso então, e acredito agora — afirmou à CNN em 2015.
CrĂtico de Trump e voto histĂłrico em Kamala Harris
Nos Ăşltimos anos, Cheney — um conservador linha-dura — acabou ostracizado dentro do Partido Republicano por suas duras crĂticas a Donald Trump, a quem chamou de “covarde” e “a maior ameaça Ă repĂşblica americana”.
Em um desfecho irĂ´nico para sua trajetĂłria polĂtica, ele revelou ter votado em Kamala Harris, candidata democrata e tambĂ©m ex-vice-presidente, na eleição presidencial de 2024 — um gesto simbĂłlico que refletiu o rompimento entre o antigo establishment republicano e o populismo trumpista.
Problemas de saĂşde e legado
Cheney conviveu por dĂ©cadas com graves problemas cardĂacos, sobrevivendo a diversos infartos. Em 2012, recebeu um transplante de coração, que chamou de “o presente da prĂłpria vida”.
Sua trajetĂłria, marcada por poder, controvĂ©rsia e decisões que redefiniram a polĂtica externa americana, deixa um legado complexo: o de um homem que moldou uma era de guerra, medo e poder — e que, atĂ© o fim, acreditou ter feito o que era necessário.
Cheney deixa a esposa, Lynne, e duas filhas: Liz Cheney, ex-deputada e uma das mais firmes opositoras de Trump dentro do Partido Republicano, e Mary Cheney.
