Moraes diz que foi comprovada autoria de envolvidos no 'núcleo da desinformação' da trama golpista, que atuou para desacreditar eleições

 

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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta terça-feira que está comprovada a autoria de integrantes do "núcleo quatro" da trama golpista nos crimes pelos quais foram acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Esses grupo é acusado de ser responsável pela tática de desinformação da organização que tentou um golpe de Estado.

A Primeira Turma do STF retormou nesta terça o julgamento do núcleo. Em seu voto, Moraes afirmou que o objetivo do grupo era "desacreditar as eleições para permanecer no poder":

— A organização criminosa pretendia desacreditar as eleições para permanecer no poder, mesmo que o resultado das eleições fosse adverso. E, uma vez finalizadas as eleições com o resultado adverso, impedir que o presidente e vice-presidente democraticamente eleitos pudessem assumir.

Os sete réus desse núcleo são o ex-major do Exército Ailton Barros; o major da reserva Angelo Denicoli; o engenheiro Carlos Rocha, do Instituto Voto Legal (IVL); o subtenente Giancarlo Rodrigues; o tenente-coronel Guilherme Marques Almeida; o policial federal Marcelo Bormevet; e o coronel Reginaldo Vieira de Abreu.

Para o relator, não é possível classificar os ataques à Justiça Eleitoral como parte da liberdade expressão:

— É uma falácia, é uma mentira, absurda, criminosa e antidemocrática, dizer que essa utilização de ataque à Justiça Eleitoral, de ataque ao Poder Judiciário, de ataque à democracia, de discurso de ódio, que isso é liberdade de expressão. Isso é crime tipificado no Código Penal.

O ministro também afirmou que há relações com a atuação de integrantes de outros núcleos da suposta organização criminosa, a partir de elementos como o documento que ficou conhecido como minuta golpista e o plano de assassinato de autoridades.

— Havia minuta do golpe. Havia pressão e coação contra os comandantes do Exército e da Força Aérea. Havia monitoramento de autoridades. Havia a operação Copa 2022 a partir do planejamento do Punhal Verde e Amarelo. E todos os núcleos inter-relacionados. Uma prova robusta da organização criminosa que tentou tomar de assalto a República Federativa do Brasil.

Moraes iniciou seu voto rejeitando todos os pedidos preliminares apresentados pela defesas. Esses pedidos envolvem questões processuais, que devem ser analisadas antes do mérito do caso.

Como já havia feito no julgamento do "núcleo crucial", no mês passado, o relator fez uma apresentação com provas reunidas contra os réus, como mensagens trocadas. Moraes mostrou, por exemplo, mensagens entre Ailton Barros e o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil já condenado por tentativa de golpe de Estado pelo STF.

Nos textos em questão, Braga Netto dizia para Ailton atacar o ex-comandante da Aeronáutica Baptista Junior, que se recusou a apoiar o plano golpista.

— São milicianos covardes que atacam não só seus inimigos, mas também seus familiares. No caso do comandante Baptista Júnior, há uma filha menor de idade. São milicianos covardes — frisou Moraes.

Depois de Moraes, irão votar os demais ministros da Primeira Turma, na seguinte ordem: Cristiano Zanin, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino.

Gonet defendeu condenação

O julgamento começou na semana passada, com o procurador-geral da República, Paulo Gonet, pedindo a condenação dos sete pelos cinco crimes dos quais são acusados: tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Já as defesas pediram a absolvição dos seus clientes, alegando que não há provas da participação deles nos fatos investigados, que a atuação foi técnica e que a acusação utilizou fatos isolados ou mesmo ilações.

A PGR afirma que o grupo “fabricou e disseminou narrativas falsas contra o processo eleitoral, os Poderes constitucionais e as autoridades que os representam, fazendo nascer e crescer a instabilidade social necessária para a ruptura institucional”.

Além da campanha contra o sistema eleitoral, os réus também são acusados de utilizar ataques virtuais para pressionar os comandantes das Forças Armadas a aderir ao plano de ruptura.

Como o GLOBO mostrou, uma eventual condenação dos integrantes do núcleo quatro pode criar um precedente criminal no STF sobre a desinformação contra o sistema eleitoral. Já houve punições na seara eleitoral por mensagens falsas sobre as urnas eletrônicas, contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-deputado Fernando Francischini, mas não na área penal.

Divisão de tarefas

Segundo a PGR, Ângelo Denicoli e Guilherme Almeida teriam contribuído para disseminar nas redes socias suspeitas infundadas contra as urnas, divulgadas pelo argentino Fernando Cerimedo.

Já Denicoli e Reginaldo Abreu teriam tentado interferir no relatório do Ministério da Defesa sobre a votação, que não encontrou fraudes, inclusive tentando incluir as informações divulgadas por Cerimedo. Os três militares negaram relação com o plano de golpe.

Carlos Rocha, por sua vez, é o presidente do Instituto Voto Legal (IVL), organização contratada pelo PL. O IVL elaborou o relatório que embasou uma ação do partido pedindo a anulação de mais da metade dos votos no segundo turno das eleições de 2022, apesar de ter sido alertado que a suspeita não procedia. Ele alega que sua conduta foi técnica.

Giancarlo Rodrigues e Marcelo Bormevet são acusados de fazer parte de uma estrutura paralela montada dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que incluiria uma tentativa de vincular ministros do STF à empresa responsável por fornecer urnas eletrônicas. Os dois afirmam que apenas cumpriram suas funções na agência.

Ailton Barros, por fim, é acusado de orientar ataques aos então comandantes do Exército (Marco Antônio Freire Gomes) e da Aeronáutica (Carlos de Almeida Baptista Junior) em represália por não terem concordado com a tentativa de golpe. Ele alega que as falas ocorreram em diálogos privados.

Outros núcleos

A PGR dividiu a acusação da trama golpista em cinco grupos. O primeiro, batizado de "núcleo crucial", foi julgado em setembro, com a condenação de oito réus, incluindo Bolsonaro.

Em novembro, será analisado o núcleo três, formado por nove militares e um policial federal. Eles são suspeitos de planejar o sequestro do ministro Alexandre de Moraes. Em dezembro, serão julgados os seis integrantes do núcleo dois, acusados de gerenciar as ações da organização.

Também há uma denúncia contra o blogueiro Paulo Figueiredo Filho, que ainda não foi analisada.