
Minuta com novas regras para CNH prevê mudanças na prova prática e dispensa aulas prévias de direção; entenda

A minuta da resolução que estabelece novas normas para o acesso à Carteira Nacional de Habilitação (CNH) prevê que, após a aprovação nos exames teóricos, o candidato poderá agendar a realização do exame de direção veicular, "independentemente da realização prévia de aulas práticas". O projeto prevê novos parâmetros para essa etapa final do processo, como a decisão de uma comissão examinadora e nota de zero a cem pontos — o aproveitamento mínimo seria de 90.
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O Ministério dos Transportes recebeu aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para abrir, a partir desta quinta-feira, uma consulta pública sobre o projeto de acabar com a obrigatoriedade de frequentar autoescolas para obter o documento. A ideia é que o texto receba sugestões durante um mês antes da edição, até o fim do ano, de uma resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).
O exame de direção tem por finalidade "indicar se o candidato reúne as condições indispensáveis para a condução segura do veículo em vias terrestres", detalha a minuta, e será aplicado pelo órgão ou entidade executivo de trânsito com circunscrição sobre o local de residência ou domicilio indicado pelo candidato no Registro Nacional de Carteira de Habilitação (Renach).
No exame, o candidato deverá conduzir o veículo por um trajeto previamente definido pelas autoridades. O aluno será acompanhado por um representante do órgão ou da entidade de trânsito competente que deverá transmitir as instruções necessárias à execução do trajeto estabelecido, zelar pela segurança do motorista e dos outros usuários da via e também registrar as ocorrências relevantes para subsidiar a avaliação de uma comissão examinadora.
"A avaliação do exame caberá exclusivamente à comissão de exame de direção veicular, designada pelo órgão ou entidade executivo de trânsito competente, composta por três membros, sendo que pelo menos um deles deverá possuir habilitação na categoria igual ou superior à pretendida pelo candidato", diz a minuta.
O exame poderá ser submetido a monitoramento eletrônico, por meio de tecnologias de imagem, áudio, georreferenciamento, telemetria, sensores, dentre outros, para aferir "o cumprimento dos critérios de avaliação e a subsidiar a decisão da comissão examinadora". Quando houver o registro, o candidato terá direito a acessar as informações eletrônicas e usá-las, inclusive, para contestar os resultados.
"Quando adotado o monitoramento eletrônico, a comissão de exame de direção veicular poderá realizar a avaliação de forma remota, desde que assegurado o acesso às informações necessárias, na forma disciplinada pelo órgão máximo executivo de trânsito da União", destaca o texto.
Nota de 0 a 100
Para realizar o exame, o candidato poderá usar veículo disponibilizado pelo órgão de trânsito ou apresentar ele mesmo um veículo, inclusive de propriedade de terceiros — "a critério do órgão ou entidade executivo de trânsito competente", diz a minuta (neste caso, se houver monitoramento eletrônico, os equipamentos deverão ser instalados no local de realização da prova). O automotor deverá atender às condições de circulação e segurança do Código de Trânsito Brasileiro e normas complementares do Contran.
Pela minuta, no exame prático, o candidato terá nota de zero a cem. Ele iniciará a prova com o valor total e terá descontados pontos para cada infração de trânsito que cometer. Para ser aprovado, o motorista deverá ter aproveitamento mínimo de 90 pontos.
Cada irregularidade ao volante valerá um ponto, mas a "punição" será multiplicada pelo peso da gravidade da infração — de um a quatro. Veja:
I - peso um: infração de trânsito de natureza leve;
II - peso dois: infração de trânsito de natureza média;
III - peso três: infração de trânsito de natureza grave; e
IV - peso quatro: infração de trânsito de natureza gravíssima.
A decisão final sobre o resultado caberá "exclusivamente" à comissão de exame de direção veicular, será lançado no Renach após a avaliação e será comunicado ao candidato. A expedição da Permissão para Dirigir ocorrerá a partir do lançamento do resultado, sem que o candidato precise solicitá-la.
Quem for reprovado poderá tentar de novo até alcançar a aprovação. O projeto admite a possibilidade, inclusive, de o candidato realizar uma nova tentativa no mesmo dia, desde que o órgão ou entidade de trânsito tenha capacidade para atender essa demanda. A alternativa não vale para quem for eliminado no exame.
Aulas ajustadas com instrutor
O projeto prevê que o candidato poderá fornecer o veículo utilizado nas aulas e combinar "livremente" com o instrutor a carga horária das atividades práticas. Além disso, independentemente de realizar previamente alguma aula prática, o aluno poderá agendar a realização do exame de direção veicular — a etapa final para obter a permissão para dirigir.
O projeto destaca que, depois de ser aprovado nos exames teóricos, o candidato a tirar CNH poderá iniciar "a seu critério" as aulas práticas, "ajustadas" com o instrutor, que poderá ser substituído por outro "a qualquer tempo", conforme "conveniência" do aluno. O veículo a ser utilizado poderá ser disponibilizado pelo instrutor ou pelo próprio candidato, se estiverem preenchidos os requisitos definidos na resolução com as novas normas.
A proposta prevê que o profissional deverá orientar o candidato "na definição das habilidades a serem exercitadas nas aulas, considerando seu perfil de condução, suas necessidades de aprendizagem e os critérios de avaliação previstos para o exame de direção veicular".
Conforme a minuta, as aulas práticas só poderão ocorrer após expedição da Licença de Aprendizagem Veicular; nos termos, horários e locais estabelecidos pelo órgão ou entidade de trânsito responsável; e sob supervisão permanente de instrutor devidamente autorizado para realizar esse trabalho.
As regras acima valem para o processo de obtenção de habilitação nas categorias A e B. Para as carteiras C, D e E, a minuta prevê carga horário de dez horas para aulas práticas, a serem realizadas junto a autoescolas ou entidades ligadas ao Serviço Nacional de Aprendizagem. Cumprida esta etapa, os candidatos então poderão agendar a prova prática.
Novas regras
Segundo o Ministério dos Transportes, o objetivo da medida é "democratizar o acesso da população" à licença, tendo em vista o "alto custo do processo atual". Ao GLOBO, a Associação Nacional dos Detrans (AND) reconheceu que os preços atuais são um problema, mas frisou ser preciso ter cautela e defendeu o foco na qualidade da formação.
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Nas redes sociais, o ministro dos Transportes, Renan Filho, afirmou que a medida é voltada para a promoção da "justiça social". "O que estamos sugerindo é desburocratizar o processo, e isso não exclui a exigência da prova pelos Detrans, mas permite uma capacitação mais livre e barata", escreveu.
Qual a justificativa?
Segundo o ministro, a proposta faz parte de um pacote para reduzir os custos e exigências que atualmente são necessários para conquistar a licença. Para o ministério, a CNH está "diretamente ligada ao acesso ao primeiro emprego, à mobilidade e à qualificação para atividades profissionais que vêm crescendo, como entregadores e motoristas de aplicativo".
A pasta destacou, ainda, que grande parte dos 40 milhões de brasileiros sem carteira aptos a dirigir são impedidos justamente pelos valores das aulas de formação de motoristas. Conforme divulgado, 45% dos proprietários de veículos da Categoria A (motocicletas) pilotam sem ter carteira; na Categoria B (veículos de passeio), o percentual é de 39%.
Quais serão as categorias?
A mudança propõe alterar as atuais normas para obter a CNH nas categorias A e B, conforme afirma o ministério. No entanto, Renan Filho afirmou, em entrevista à Folha de S. Paulo, que o formato em vigência dificulta a formação de profissionais, especialmente caminhoneiros, motoristas de ônibus e operadores de máquinas pesadas, indicando que as mudanças poderiam alcançar as categorias C e D, o que não é citado pela pasta.
Como serão as aulas?
Com uma eventual mudança, as aulas teóricas passariam a ser facultativas, eliminando a exigência de uma carga horária mínima nas autoescolas. Inicialmente, o Ministério dos Transportes também previa que as aulas práticas deixariam de ser obrigatórias, mas essa proposta pode ser revista, com a possibilidade de apenas uma redução da carga horária exigida.
O ministério afirmou que os cidadãos poderão aprender nas autoescolas ou com um instrutor autônomo credenciado nos Detrans e na Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). O ministro Renan Filho, no entanto, chegou a citar exemplos de novos condutores sendo formados por "irmãos mais velhos" e até em campanhas de igrejas locais durante a entrevista à Folha.
Qual seria o custo?
O ministério alega que o valor médio para a obtenção da CNH hoje é de R$ 3.215,64, sendo R$ 2.469,35 (cerca de 77%) apenas referente à autoescola. Essa seria, em média, a economia para os motoristas numa eventual aprovação do projeto.
Procurada pelo GLOBO, a pasta destacou não haver informações sobre a imposição de um valor base para os instrutores profissionais, o que seria capaz de garantir uma maior regulação, custos menores e, consequentemente, a democratização pretendida.
Como serão as provas?
As provas teóricas e práticas continuarão sendo exigidas pelo Detran de cada estado. Uma pessoa pode aprender a dirigir em uma via fechada, chamada de "circuito fechado particular", como um condomínio. A questão, contudo, também não foi esclarecida pelo ministério.
Em relação à preparação para as provas teóricas — hoje feitas com apostilas disponibilizadas nas autoescolas e com simulados online no site do Detran —, a pasta também não soube informar se haverá a disponibilização de materiais gratuitos fora do âmbito digital. Ao GLOBO, o ministério afirmou que "os detalhes do projeto ainda estão em definição pela Casa Civil".
Como é em outros países?
De acordo com o Ministério dos Transportes, a medida se inspira em práticas adotadas em países como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Japão, Paraguai e Uruguai, onde os modelos de formação são mais flexíveis e "centrados na autonomia do cidadão".
O que falta esclarecer?
Focada na inclusão, a proposta não detalhou como serão os aspectos de segurança, principalmente para as aulas práticas. Para a AND, a formação dos novos condutores deve priorizar essa questão, contribuindo para a redução dos altos índices acidentes e mortes no trânsito.
Nas autoescolas, os carros utilizados possuem adaptações para o auxílio dos instrutores, capazes de controlar os pedais do veículo mesmo no banco do carona, o que não é possível em veículos de passeio convencionais, como os que poderiam ser utilizados no novo modelo.
*Estagiário sob supervisão de Daniela Dariano