Mesmo após libertação de 2 mil palestinos no cessar-fogo, Israel ainda mantém cerca de 9 mil presos

 

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No centro do cessar-fogo entre Israel e o Hamas, mediado no início deste mês pelo presidente dos EUA, Donald Trump, esteve uma ampla troca de prisioneiros e reféns: o grupo islamista libertou todos os sobreviventes mantidos em cativeiro na Faixa de Gaza e entregou os corpos de ex-reféns, enquanto Israel soltou cerca de 2 mil palestinos. Desde o início da guerra, deflagrada pelo ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, o número de palestinos nas prisões israelenses mais que dobrou, superando 11 mil antes do armistício, segundo o grupo de direitos humanos israelense HaMoked. Mesmo após a troca, contudo, cerca de 9 mil palestinos permanecem detidos.

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Grande parte do foco às margens do tratado de paz estava nos 250 palestinos libertados que haviam sido condenados por envolvimento em ataques violentos. Mas a maioria deles eram residentes de Gaza detidos por Israel durante a guerra de dois anos sem acusação ou julgamento. As forças armadas israelenses, por sua vez, disseram que os habitantes foram detidos durante buscas por militantes.

Ao longo da guerra, o Exército de Israel deteve milhares de homens, mulheres e crianças no território palestino em postos de controle, casas, abrigos, hospitais e até mesmo em pontos de distribuição de ajuda humanitária. Israel os mantinha rotineiramente incomunicáveis por longos períodos, afirmam grupos de direitos humanos e palestinos, uma prática que autoridades da ONU classificaram como uma forma de desaparecimento forçado.

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Israel deteve milhares de outros palestinos na Cisjordânia ocupada durante a guerra, alegando que seu alvo eram militantes.

Grupos de direitos humanos israelenses e internacionais e as Nações Unidas afirmaram que Israel violou sistematicamente os direitos dos detidos, mantendo-os presos sem acusação, em segredo e em condições degradantes. Mais de 75 morreram sob custódia israelense desde o início da guerra, de acordo com a Sociedade Palestina de Prisioneiros.

Israel afirma que os detentos são tratados conforme os padrões internacionais. Veja a seguir o que se sabe dos palestinos que foram libertados recentemente:

Os condenados por ataques violentos

Dos 1.968 palestinos libertados, 250 cumpriam longas penas após serem condenados por envolvimento em ataques violentos contra israelenses. A maioria cumpria penas perpétuas. Oito retornaram a Gaza e 88 à Cisjordânia ou Jerusalém Oriental, segundo a Sociedade Palestina de Prisioneiros. Israel deportou 154 deles porque afirma não querer que as pessoas os aclamem como heróis ou líderes que lutam contra a ocupação de Israel.

Um dos 250 libertados foi Ali Abdel Latif Mustafa Sais, do campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia. Ele cumpria pena de prisão perpétua após sua prisão em outubro de 2005, informou o Ministério da Justiça de Israel.

Ex-prisioneiros retornando à cidade de Ramallah, na Cisjordânia ocupada

Daniel Berehulak/New York Times

Sais era membro do grupo militante Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, ligado à Fatah, a facção palestina que domina a Cisjordânia, de acordo com os promotores israelenses, que o acusaram de ajudar a planejar uma tentativa de atentado suicida dentro de Israel. Ele negou envolvimento em qualquer atividade do tipo.

Comemorações públicas eclodiram quando ele retornou a Jenin.

Os deportados foram enviados ao Egito, onde estão hospedados em um hotel no Cairo sob guarda, para o que uma comissão oficial palestina que supervisiona os assuntos dos prisioneiros disse ser sua proteção. Eles ainda não têm passaportes, disse a comissão, e não está claro se serão transferidos para outros países.

Um dos deportados foi Imad Qawasmeh, natural da cidade de Hebron, na Cisjordânia. Israel o descreveu num processo judicial como um comandante do Hamas. Ele se declarou culpado num acordo judicial e estava cumprindo 16 penas perpétuas após ser condenado por comandar um duplo atentado suicida em um ônibus na cidade israelense de Beersheba em agosto de 2004, que matou 16 pessoas, informou o Ministério das Relações Exteriores de Israel.

Outro ex-prisioneiro exilado foi Basem Khandaqji, um escritor da cidade de Nablus, na Cisjordânia. Ele foi condenado a três penas perpétuas pelo que os promotores israelenses disseram ser seu papel em um atentado suicida em 2004 em um mercado ao ar livre em Tel Aviv, que matou três israelenses e feriu 53. O ataque foi reivindicado pela Frente Popular para a Libertação da Palestina, um grupo armado palestino, disse sua editora, e ele negou as acusações.

Khandaqji tornou-se uma figura literária proeminente na prisão, escrevendo vários romances e coleções de poesia, de acordo com seu editor. Ele ganhou o Prêmio Internacional de Ficção Árabe, um dos mais prestigiados prêmios literários no mundo árabe, em 2024, por seu romance “A Máscara, a Cor do Céu”.

Habitantes de Gaza detidos durante a guerra

A maioria dos palestinos libertados, 1.718, foi detida em Gaza durante a guerra. Israel afirma que todos eram suspeitos de envolvimento em atividades militantes. Eles foram classificados como “combatentes ilegais”, o que, segundo grupos de direitos humanos, os privou de quase todo o devido processo legal e do direito a um julgamento justo sob a lei israelense.

Alguns foram presos em postos de controle montados pelas forças de Israel ao longo das rotas que os militares ordenaram aos habitantes de Gaza que usassem para fugir das áreas de combate. Os militares israelenses prenderam outros detidos durante operações militares.

Um ônibus da Cruz Vermelha transportando ex-prisioneiros para o Hospital Nasser

Saher Alghorra/New York Times

Centenas de profissionais da área médica foram presos, muitos deles depois que as tropas israelenses cercaram e atacaram hospitais, ainda de acordo com grupos de direitos humanos.

Ahmed Muhanna, diretor do Hospital Al-Awda, no norte de Gaza, foi detido em dezembro de 2023, quando os militares do Estado judaico cercaram o hospital por quase duas semanas, de acordo com a ActionAid, um grupo de ajuda humanitária que apoia o hospital. Ele foi libertado este mês, após 22 meses sob custódia.

Seu colega, Adnan Ahmad Albursh, também foi detido em dezembro de 2023. Ele morreu sob custódia israelense, disseram posteriormente autoridades palestinas e grupos de direitos humanos.

Pessoas que morreram sob custódia

À medida que o número de detidos sob custódia israelense aumentava durante a guerra, também aumentavam as acusações de abuso. Pelo menos 78 palestinos detidos morreram durante a guerra, de acordo com a Sociedade Palestina de Prisioneiros. As forças armadas israelenses reconheceram que alguns de seus detidos morreram.

A base militar de Sde Teiman. Uma investigação realizada pelo New York Times revelou que civis palestinos eram mantidos em condições degradantes

Avishag Shaar-Yashuv/New York Times

Uma investigação realizada pelo New York Times no ano passado descobriu que civis palestinos foram mantidos em uma base militar em condições degradantes, sem poderem defender seus casos perante um juiz ou ver seus advogados por meses. Alguns especialistas jurídicos afirmaram que essas condições violavam o direito internacional.

Detidos palestinos de Gaza foram despidos, espancados, interrogados e mantidos em isolamento por semanas, afirmaram os detidos ou seus familiares entrevistados pelo jornal americano. Em resposta, as Forças Armadas de Israel negaram que tenha ocorrido “abuso sistemático” na base e afirmaram que as acusações eram “imprecisas ou completamente infundadas”.

O palestino mais recente a morrer sob custódia israelense foi Ahmad Hatem Mohammed Khdeirat, 22 anos, da cidade de al-Dhahiriya, na Cisjordânia. Ele morreu em 7 de outubro deste ano em um hospital israelense, de acordo com grupos de defesa dos prisioneiros palestinos, que alegaram que a negligência médica por parte das autoridades israelenses levou à sua morte.

As autoridades militares e prisionais israelenses não responderam aos pedidos de comentários sobre sua morte. Khdeirat, que tinha diabetes, foi preso em maio de 2024 e mantido sem acusação sob uma medida conhecida em Israel como detenção administrativa, amplamente utilizada contra palestinos.

A Cruz Vermelha recebeu os corpos dos palestinos devolvidos por Israel em Khan Younis

Saher Alghorra/New York Times

Prisioneiros mortos que foram devolvidos

O acordo de cessar-fogo estabelecia que Israel devolvesse os corpos de 15 prisioneiros palestinos mortos em troca de cada refém israelense falecido devolvido pelo Hamas. Até agora, o Estado judaico devolveu os corpos de quase 200 palestinos.

Muitos dos corpos entregues a Gaza apresentavam sinais de lesões traumáticas e todos estavam não identificados, exceto por um número atribuído por Israel, de acordo com Ahmed Dheir, especialista forense sênior do Hospital Nasser.

As forças armadas israelenses afirmaram que os palestinos mortos eram combatentes durante os combates em Gaza, uma afirmação que o New York Times não pôde verificar de forma independente.