
Lula usará discurso na ONU para mandar recados a Trump, mas não deve citar nome do presidente americano

Um dia depois de os Estados Unidos voltarem a aplicar sanções contra autoridades brasileiras, desta vez por causa da condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abrirá a reunião da Assembleia Geral da ONU em Nova York, nesta terça-feira, com um discurso em defesa da soberania, da democracia e do multilateralismo. Lula deve enviar recados à Casa Branca em sua fala, diante da ingerência em assuntos internos.
Não há expectativa de o mandatário brasileiro mencionar nominalmente os Estados Unidos ou presidente Donald Trump. Segundo um interlocutor, será falado "o que precisa ser dito", mas sem "citar nomes".
Na segunda-feira, um dia antes do discurso de Lula na ONU, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, teve o visto de entrada nos EUA suspenso. Além disso, a advogada Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro do STF Alexandre de Moraes foi sancionada com base na Lei Magnitsky — que autoriza restrições contra estrangeiros por corrupção ou violações de direitos humanos.
O Itamaraty reagiu com uma nota, dizendo que a legislação americana está sendo desvirtuada. Também afirmou que essas sanções são mais um ataque à soberania brasileira.
Desde que anunciou uma sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros, o governo americano incluiu Moraes na Lei Magnitsky — o ministro está proibido de fazer operações comerciais e financeiras com empresas americanas — e suspendeu o visto de autoridades brasileiras e seus familiares, como a mulher do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e sua filha.
Na semana passada, Padilha recebeu autorização para entrar nos EUA e acompanhar Lula na ONU. Contudo, desistiu de viajar porque teria a circulação restrita aos trajetos entre o hotel, a sede da ONU e as representações do Brasil ligadas ao organismo.
Um dos motivos desse tratamento inédito em 201 anos de relações bilaterais é o fato de o presidente americano, Donald Trump, condicionar uma negociação comercial com o Brasil ao arquivamento do processo contra Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado no STF.
O governo Lula não aceitou essa imposição e, com a condenação do ex-presidente brasileiro, as sanções voltaram a ser impostas.
Lula desembarcou em Nova York no último domingo. Na segunda-feira, o presidente participou de uma reunião de líderes de diversos países para discutir saídas para a questão palestina. Os EUA e Israel não participaram do encontro.
Nesta terça-feira, Lula poderá ficar frente a frente com Trump. O brasileiro fará o tradicional discurso de abertura do evento, e o americano será o segundo a falar. A expectativa é que fique claro que as agendas dos dois são opostas, como o multilateralismo, a defesa de um Estado Palestino e a necessidade de um compromisso mais ambicioso com medidas para mitigar os efeitos do aquecimento global.
Com uma crise de popularidade em seu terceiro mandato presidencial, Lula acabou sendo favorecido pelas medidas de Trump. De acordo com pesquisa feita pela Genial/Quaest, divulgada na quarta-feira, apesar de 51% dos brasileiros reprovarem a gestão petista, 64% consideram correto o posicionamento do Planalto de defesa da soberania.
Lula dará ênfase às mudanças climáticas e à transição energética — quando reforçará o convite à comunidade internacional para a conferência mundial sobre o clima, a COP30, em Belém (PA), em novembro. Ele voltará ainda a temas recorrentes em seus discursos na ONU, como o combate à fome e à pobreza e a reforma dos organismos multilaterais, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O discurso do presidente vai reforçar ainda a defesa da negociação de um acordo de paz que ponha fim à guerra entre Rússia e Ucrânia. Também vai condenar o que já vem chamando de genocídio de palestinos por Israel, na Faixa de Gaza. A mais recente escalada da ofensiva militar israelense contra a região, por meio do início de uma nova incursão terrestre a Gaza, foi duramente criticada pelo Itamaraty na semana passada.
Lula ainda será um dos copresidentes do evento “Em Defesa da Democracia: Combatendo os Extremismos”, que acontecerá na quarta-feira, último dia da viagem a Nova York. O evento será um dos principais destaques da agenda do presidente nos EUA.
A iniciativa reunirá chefes de Estado de diferentes regiões do mundo para discutir estratégias de fortalecimento democrático diante do avanço do extremismo, da desinformação, do discurso de ódio e de ataques às instituições. Além de Lula, estarão à frente do encontro o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez; e os presidentes do Chile, Gabriel Boric; da Colômbia, Gustavo Petro; e do Uruguai, Luis Lacalle Pou.
Essa será a segunda edição do evento. A primeira ocorreu no Chile, em julho, quando os EUA já haviam anunciado o aumento de tarifas a todos os países. Em um recado velado a Trump, Lula afirmou na ocasião que a democracia está perdendo espaço no mundo por causa da extrema-direita, e não do socialismo.