Lula diz que ‘uso da força militar voltou a fazer parte do cotidiano da América Latina e do Caribe’
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o "uso da força militar voltou a fazer parte do cotidiano da América Latina e do Caribe" em participação na 4ª Cúpula entre a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a União Europeia, em Santa Marta, na Colômbia, neste domingo. Como esperado, a declaração representa uma crítica à presença militar dos Estados Unidos no mar do Caribe, mas sem citar diretamente o governo de Donald Trump, com quem o Palácio do Planalto tenta fechar um acordo em torno das tarifas impostas a produtos brasileiros.
— A ameaça de uso força militar voltou a fazer parte do cotidiano da América Latina e do Caribe. Velhas manobras retóricas são recicladas para justificar intervenções ilegais. Somos uma região de paz e queremos permanecer em paz — disse Lula.
Os americanos têm atacado embarcações venezuelanas com o argumento de que estão combatendo o narcotráfico. Os países latinos desejam mencionar a presença militar dos EUA na região na declaração final do encontro, que termina nesta segunda-feira, ainda que sem citações nominais aos americanos. A UE, por sua vez, tenta emplacar no texto uma condenação explícita aos ataques da Rússia contra a Ucrânia.
O presidente brasileiro decidiu ir ao encontro na última semana após afirmar que a “a cúpula não tem sentido se não tratar dos barcos militares americanos em águas do Caribe”. Em um gesto a favor da soberania da região, Lula deixou a COP30 — a conferência mundial sobre o clima, que acontece em Belém (PA), por algumas horas para participar da cúpula. O petista não deve passar nem quatro horas no evento.
Segundo Lula, as "democracias não combatem o crime violando direitos constitucionais."
— A segurança é um dever do estado e um direito humano fundamental. Não existe solução mágica para acabar com a criminalidade.
No discurso, o presidente defendeu que é preciso reprimir o crime organizado e suas lideranças, estrangulando seu financiamento e rastreando e eliminando o tráfico de armas.
— O alcance transnacional do crime coloca à prova nossa capacidade de cooperação. Nenhum país pode enfrentar esse desafio isoladamente. Ações coordenadas, intercâmbio de informações e operações conjuntas.
O assunto da segurança é de interesse particular do governo brasileiro porque os EUA querem que o país classifique o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) como organizações terroristas, no mesmo sentido adotado por governos aliados de Washington, como Argentina e Paraguai.
O tema está no centro da discussão no país após a megaoperação contra o CV nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, que deixou mais de 120 mortes. Como reação, o governo federal enviou um projeto ao Congresso para endurecer o combate às organizações criminosas, mas o parecer do deputado Guilherme Derrite (PL-SP), secretário licenciado de Segurança Pública de São Paulo, propôs equiparar as punições das facções ao tratamento penal dado aos terroristas.
Lula ainda disse que a Celac e a UE são centrais para a construção de uma ordem mundial baseada na paz, no multilateralismo e na multipolaridade. Ele lamentou que, desde a reunião da cúpula em Bruxelas, em 2023, tenha havido um retrocesso no processo de integração da América Latina e do Caribe.
— A América Latina e o Caribe vivem uma profunda crise em seu projeto de integração. Voltamos a ser um região balcanizada e divida, mais voltada para fora do que para si própria. A intolerância ganha força e vem impedindo que diferentes pontos de vista possam voltar a sentar na mesma mesa. Voltamos a conviver com as ameaças do extremismo politico, da manipulação da informação e do crime organizado.
Segundo Lula, "projetos pessoais de apego ao poder" solapam a democracia e a região está deixando de cultivar a "vocação de cooperação" e permitindo que conflitos e disputas ideológicas se imponham.
— Como resultado vivemos de reunião em reunião, repletas de ideias e iniciativas que muitas vezes não saem do papel. Nossas cúpulas se tornaram um ritual vazio, dos quais se ausentam os principais lideres regionais
Guerra na Ucrânia
A presença de Lula deve contrabalançar ausências de última hora na reunião de alto-nível, que deve durar até segunda-feira. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, cancelou sua participação de última hora, assim como o presidente uruguaio, Yamandú Orsi, entre outros da região.
Especialistas não esperam grandes acordos nesta cúpula, que será concluída na segunda-feira com uma declaração conjunta, mas enfatizam que ela poderá impulsionar o muito debatido acordo comercial entre a UE e o Mercosul.
A tentativa da União Europeia de inserir referências à guerra na Ucrânia não é nova. O bloco já buscou emplacar o tema em outros fóruns birregionais, mas enfrentou resistência de países latino-americanos que preferem evitar condenações diretas a Moscou.
O governo Lula defende uma abordagem mais equilibrada, baseada na ideia de que todos os conflitos devem ser resolvidos por meio do diálogo e da negociação. Essa postura evita o uso de linguagem condenatória, preferindo termos que reafirmem o compromisso com a paz e o direito internacional — sem apontar culpados e, por consequência, sem irritar a Rússia, integrante dos Brics e parceira próxima do Brasil.
