
Influencers se retratam após 'publi' de empresa de intercâmbio suspeita de recrutar jovens para fabricar drones de guerra na Rússia

Influenciadoras digitais brasileiras que fizeram publicidade para uma empresa de intercâmbio suspeita de tráfico humano usaram as redes sociais para explicar por que fecharam a parceria e se retratar. Aila Loures, MC Thammy e Catherine Bascoy emitiram notas e gravaram vídeos depois que internautas apontaram riscos e investigações sobre o programa Start, de mesmo site da empresa Alabuga Start, localizada no Tartaristão, na Rússia.
Meses atrás, a agência Bloomberg reportou que a Alabuga Start, braço de recrutamento da Zona Econômica Especial de Alabuga, na Rússia, vem expandindo uma iniciativa iniciada em 2023 para contratar mulheres entre 18 e 22 anos da África, América Latina e Sudeste Asiático para solucionar a escassez de mão de obra no país. Três relatórios de pesquisa de grupos como o Instituto de Ciência e Segurança Internacional (ISIS) alegaram que as jovens acabam trabalhando em uma fábrica de drones regularmente bombardeada pela Ucrânia.
O Ministério da Mulher na presidência da África do Sul alertou os cidadãos contra aceitar ofertas de emprego na Rússia promovidas nas redes sociais. O governo sul-africano abriu uma apuração, assim como a Interpol, segundo o Moscow Times.
No Brasil, as influenciadoras passaram a anunciar essa "experiência internacional" nas últimas semanas. A "oportunidade" seria de dois anos, com salário de até US$ 680 por mês, e incluiria o custeio de passagem aérea, "alojamento completo", seguro médico, documentação de imigração e trabalho e até aulas de russo. As vagas seriam para áreas variadas, como hospitalidade, alimentação, logística e produção, mas nenhum nome de companhia é citado expressamente.
O caso ganhou repercussão com as denúncias de Guga Figueiredo e Jordana Vucetic, que expuseram os anúncios das influenciadoras e as suspeitas sobre o programa Start.
Initial plugin text
Pelas redes sociais, MC Thammy disse que nunca concordaria nem apoiaria "nada que fosse prejudicial às pessoas". Ela disse ter sido enganada pela empresa, que teria apresentado documentos para comprovar a atividade, e ter visto anúncios semelhantes nos perfis de "influenciadores muito grandes". A MC destacou que, ao ver as acusações e ataques, apagou a postagem e acionou a equipe jurídica. Ela prometeu nunca mais fazer "esse tipo de divulgação".
"Conteúdo apagado, aprendizado e página virada", destacou MC Thammy.
Catherine Bascoy, por sua vez, negou ter vínculos com a empresa e disse ter apenas feito a publicidade contratada. Ela alegou ter feito pesquisas sobre a companhia, verificado licenças e acompanhado outros conteúdos sobre a atividade antes de fechar a parceria. A influenciadora reconheceu que nem sempre acerta nas escolhas e afirmou estar tomando providências para esclarecer o caso.
"Ao meu ver, tudo parecia estar em conformidade. Minha intenção nunca foi, e jamais será, prejudicar quem me acompanha; muito pelo contrário, sempre busquei ser responsável e criteriosa em minhas escolhas", escreveu Catherine, em nota publicada na web.
Aila Loures, da mesma forma, afirmou que as acusações vão contra tudo o que acredita. Ela disse que nunca se envolveu em polêmicas ao longo dos cinco anos em que trabalha com internet.
Recrutamento suspeito
A iniciativa envolve organizações que utilizam a marca BRICS. A filial local da Aliança Empresarial de Mulheres do BRICS assinou um acordo em maio para fornecer à Alabuga e à construtora Etalonstroi Ural um total de 5.600 trabalhadores no próximo ano.
Isso aconteceu depois que a Comissão de Estudantes do BRICS, sediada na África do Sul, publicou anúncios de empregos em construção e hospitalidade em Alabuga, em janeiro, disponíveis para mulheres entre 18 e 22 anos, e influenciadores do Instagram e do TikTok da África do Sul começaram a anunciá-los.
A zona de Alabuga, por exemplo, foi acusada em três relatórios de pesquisa de organizações como o Instituto de Ciência e Segurança Internacional, ou ISIS, de enganar mulheres africanas para que trabalhassem na fábrica de montagem dos drones kamikaze Shahed 136. As mulheres são vistas como mais confiáveis do que os homens para esse tipo específico de trabalho, de acordo com o ISIS.
Perguntas enviadas à Alabuga Start, braço de recrutamento da zona, e à Etalonstroi Ural ficaram sem resposta. Em um evento em Botsuana, um representante da Alabuga negou que trabalhadores africanos estivessem empregados em fábricas de drones. A Comissão Estudantil e a Aliança Empresarial de Mulheres do BRICS também negaram que trabalhadores recrutados com a ajuda deles acabassem trabalhando na instalação.
A propaganda da Alabuga diz que o salário mensal pode chegar a US$ 800. No site da Alabuga Start, não há menção ao trabalho na fábrica de drones. Mas relatórios do ISIS e da Iniciativa Global Contra o Crime Transnacional afirmam que a maioria das mulheres que se inscreveram foram colocadas para trabalhar na fábrica de drones, apesar de não terem sido informadas previamente.
A Associated Press também noticiou em 2024 que mulheres africanas estavam trabalhando na usina contra sua vontade. A usina de drones e a zona econômica de Alabuga foram bombardeadas repetidamente pela Ucrânia, inclusive recentemente, em 9 de agosto.
— Estimamos que cerca de 90% das mulheres que vão para Alabuga acabam no programa de drones — disse à Bloomberg em agosto Spencer Faragasso, pesquisador sênior do ISIS, sediado em Washington. — Elas estão construindo armas e estão sendo expostas à linha de fogo porque agora fazem parte de uma guerra.
Até agora, a Alabuga tinha como alvo principal países africanos mais pobres, como Burkina Faso e Etiópia. A empresa contratou apenas 22 trabalhadores por meio do programa em seu primeiro ano de operação, em 2023, embora tenha estabelecido uma meta de mais de 8.000 para 2025, informou em seu site. No primeiro semestre de 2024, a empresa informou que, dos 182 recrutas, apenas seis eram sul-africanos.
— Muitas dessas mulheres vivem em locais vulneráveis, com poucas oportunidades de educação, trabalho, vida independente e viagens — disse Faragasso, do ISIS. — Quando chegam a Alabuga, elas têm uma surpresa desagradável em relação ao que lhes foi prometido e ao trabalho que estão realmente fazendo.