Fundação humanitária criada como alternativa à ONU e apoiada pelos EUA encerra operações em Gaza

 

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A polêmica Fundação Humanitária para Gaza (GHF, na sigla original em inglês), organização criada com apoio dos Estados Unidos e de Israel para distribuir ajuda humanitária na Faixa de Gaza como alternativa ao sistema da ONU, anunciou nesta segunda-feira que encerrou de forma permanente suas operações no território após cinco meses de atuação. A decisão ocorre semanas depois da suspensão das atividades no início do cessar-fogo mediado por Washington.

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Em comunicado, o diretor-executivo da fundação, John Acree, afirmou que a entidade considera ter cumprido sua missão de testar um novo modelo de distribuição de alimentos em Gaza, que, segundo ele, impedia o grupo terrorista Hamas de desviar suprimentos. Acree disse ainda que o Centro de Coordenação Civil-Militar (CMCC), estrutura criada pelos EUA e Israel para supervisionar o cessar-fogo, deve incorporar e ampliar o modelo da GHF.

A organização começou a distribuir alimentos em Gaza no dia 26 de maio, em um arranjo costurado pelos EUA e por Israel após mais de dois meses de um bloqueio total à entrada de ajuda humanitária no enclave, iniciado após o Estado judeu abandonar o cessar-fogo obtido no começo do ano com mediação de Washington e de Catar e Egito.

Durante seu período de operação, a fundação manteve centros de distribuição em áreas controladas pelas Forças Armadas de Israel. Segundo relatos de palestinos, trabalhadores humanitários e profissionais de saúde, o sistema obrigava as pessoas em busca de comida a atravessar áreas patrulhadas por soldados israelenses, o que resultou em centenas de mortes registradas em vídeos e depoimentos. O Exército israelense afirma que disparou apenas tiros de advertência e que seus militares reagiram apenas quando se sentiram ameaçados.

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A ONU, porém, afirma que mais de mil palestinos morreram enquanto tentavam alcançar os locais da GHF. A fundação sustenta que não houve violência dentro dos centros, mas admite os riscos enfrentados pelas pessoas que se dirigiam a eles. Contratados que atuavam nos locais relataram que seguranças americanos dispararam munição real e granadas de efeito moral contra palestinos que tentavam obter alimentos.

“É provável que o número real de mortos seja muito maior, pois as forças israelenses se recusaram a permitir que os corpos fossem retirados do local. As forças israelenses então ordenaram que as pessoas que estavam tentando recolher farinha saíssem imediatamente”, disse Aitor Zabalgogeazkoa, coordenador de emergência da Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Gaza, citado em um comunicado da ONG.

Em meio às polêmicas, as operações da GHF também foram cercadas de sigilo. A entidade não divulgou suas fontes de financiamento nem detalhes sobre os contratados armados responsáveis pela segurança dos centros. Segundo fontes israelenses, empresários e membros do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu estiveram diretamente envolvidos na criação da fundação, que Israel pretendia transformar no principal distribuidor de ajuda em Gaza, substituindo a ONU — acusação rejeitada pelas Nações Unidas.

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Embora a GHF afirme ter entregue mais de 187 milhões de refeições — ou cerca de 3 milhões de caixas de alimentos — seu papel diminuiu ao longo do tempo. Em setembro, distribuía apenas uma pequena fração da ajuda que entrava em Gaza, e um plano divulgado pelo embaixador dos EUA em Israel, Mike Huckabee, para ampliar a operação de três para 16 centros não se concretizou.

Relatórios divulgados pelo Times of Israel no mês passado indicavam que a fundação enfrentava dificuldades financeiras e havia sido afastada das operações humanitárias após o início do cessar-fogo, em outubro. Com o fechamento, os Estados Unidos reafirmaram que as lições aprendidas com a GHF foram repassadas ao CMCC e a outras organizações envolvidas na entrega de ajuda em Gaza. (Com AFP)