Fita fora do lugar: fio solto causou sequência fatal de falhas em navio que derrubou ponte em Baltimore, nos EUA, em 2024; entenda
A ligeira posição fora do lugar de uma pequena fita presa a um fio do navio acabou se revelando o ponto de partida para a tragédia da ponte Francis Scott Key, em Baltimore, no estado de Maryland, nos EUA, em março de 2024, conforme revelaram investigadores do National Transportation Safety Board (NTSB) nesta terça-feira. Ao longo de mais de uma década de operação no mar, essa etiqueta foi, gradualmente, deslocando o fio do ponto onde ele estava conectado.
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Pouco antes de 1h30 da manhã de 26 de março de 2024, enquanto o navio deixava o Porto de Baltimore, o fio — apenas um entre milhares ligados a centenas de caixas de terminais em um cargueiro de 300 metros de comprimento — se soltou. O desprendimento acionou uma cadeia de eventos que levou a quatro minutos de blecautes e falhas consecutivas nos sistemas de backup, culminando na colisão catastrófica com a Ponte Francis Scott Key.
As conclusões foram anunciadas por investigadores do National Transportation Safety Board (NTSB) na terça-feira, mais de um ano e meio depois de o Dali, cargueiro envolvido no acidente, ter atingido a ponte. O impacto lançou milhares de toneladas de destroços na água, matou seis trabalhadores que faziam reparos na estrutura e paralisou o tráfego em um dos portos mais movimentados dos Estados Unidos.
— Essa tragédia nunca deveria ter acontecido — afirmou Jennifer Homendy, presidente do conselho, durante a reunião: — Vidas nunca deveriam ter sido perdidas. Como em todos os acidentes que investigamos, isso era evitável.
Os eventos imediatos que levaram ao acidente — sucessivas quedas de energia que deixaram o Dali à deriva, sem controle, em direção à ponte — já eram conhecidos há mais de um ano. Mas as causas por trás dessas falhas se tornaram alvo de intenso escrutínio técnico e judicial.
Na terça-feira, o conselho aprovou as conclusões e recomendações apresentadas pelos investigadores. O relatório final será publicado nas próximas semanas.
Queda de energia
Segundo o NTSB, o fio solto no Nó 381, que acionou um disjuntor ao se desconectar, provocou a primeira queda de energia a bordo. Essa mesma conclusão já havia sido apresentada pelo proprietário e pelo operador do Dali, Grace Ocean Ltd. e Synergy Marine Group, em um processo contra o estaleiro Hyundai Heavy Industries, responsável pela construção do navio.
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Mas a investigação apontou ainda uma série de falhas subsequentes que impediram a tripulação — apesar dos esforços — de retomar o controle do cargueiro.
"As ações dos pilotos e da equipe da ponte em resposta à emergência foram executadas de forma oportuna", disse a capitã Bridget Quinn, investigadora de acidentes marítimos do NTSB. "Mas a perda de propulsão do navio próximo à Ponte Key tornou suas ações ineficazes."
Enquanto tentavam restabelecer a energia após o blecaute inicial, os tripulantes enfrentaram sucessivos problemas. Dois disjuntores essenciais precisaram ser religados manualmente, o que atrasou a recuperação da energia por quase um minuto — embora pudessem ter sido configurados para religar automaticamente em apenas dez segundos.
Quando a energia voltou, os dois geradores que haviam retomado a operação começaram a falhar. Uma bomba utilizada para alimentar os geradores — de um tipo que não havia sido projetado para essa função — parou de funcionar durante o blecaute e precisou ser religada manualmente. O navio voltou a perder energia.
Um prático a bordo do Dali avisou um despachante, que então contatou a Polícia da Autoridade de Transporte de Maryland e pediu que a ponte fosse esvaziada. A polícia fechou a via imediatamente, medida que provavelmente salvou muitas vidas.
No entanto, ninguém avisou a equipe de obras que trabalhava sobre a ponte. A polícia tinha o número de celular de um inspetor responsável, mas, segundo o NTSB, um policial decidiu dirigir até o local para alertar os trabalhadores pessoalmente. Se a ligação tivesse sido feita imediatamente após o primeiro aviso, afirmam os investigadores, os operários — que estavam em intervalo, dentro de seus veículos — provavelmente teriam tempo para abandonar a área com segurança.
Grace Ocean e Synergy Marine, ambas com sede em Cingapura, afirmaram em comunicado conjunto que cooperaram integralmente com as autoridades, ressaltando que pelo menos oito dos 23 tripulantes do Dali, quase todos indianos, permaneceram nos Estados Unidos após o acidente “para apoiar a investigação”.
A Hyundai Heavy Industries, sediada na Coreia do Sul, declarou em nota que “uma vez que um navio é entregue, o proprietário e o operador são responsáveis pela manutenção rotineira”, negando responsabilidade pelo fio solto.
Grande parte das conclusões divulgadas na terça-feira já havia sido antecipada em relatórios e processos apresentados ao longo do último ano e meio.
O NTSB havia publicado, em maio de 2024, um relatório preliminar detalhando as quedas de energia anteriores ao acidente e revelando que o Dali enfrentara duas falhas elétricas no dia anterior à colisão.
No verão passado, o governo dos Estados Unidos abriu um processo contra o proprietário e o operador do Dali, alegando manutenção deficiente e soluções improvisadas para problemas graves.
O NTSB também responsabilizou autoridades de Maryland, afirmando em relatório divulgado em março que o estado não havia realizado, nos últimos anos, uma avaliação crítica de vulnerabilidade da Ponte Key.
Em nota divulgada nesta terça-feira, a Autoridade de Transporte de Maryland responsabilizou exclusivamente o Dali pelo acidente, classificando o episódio como “resultado de negligência grave de seus proprietários e operadores”. O comunicado não mencionou a falta de aviso à equipe de obras que estava sobre a ponte.
