Fim da troca de inteligência entre Colômbia e os EUA por ataques no Caribe favorece apenas o narcotráfico, dizem especialistas
Após o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, ordenar na terça-feira que o país suspendesse a troca de informações de inteligência com os Estados Unidos, especialistas ouvidos pelo El País alertam que os únicos beneficiados com o fim dessa cooperação seriam os narcotraficantes. O líder colombiano disse que a medida "permanecerá em vigor enquanto continuarem os ataques com mísseis contra embarcações no Caribe", uma política difundida pela Casa Branca nos últimos meses que matou ao menos 76 pessoas em 19 ações. Segundo o governo americano, os alvos das ações letais supostamente seriam pessoas ligadas ao tráfico de drogas.
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— [Caso Petro não mude de ideia] Será um golpe muito duro para os EUA, porque Washington depende muito da Colômbia na guerra contra as drogas — analisa Elizabeth Dickinson, pesquisadora do International Crisis Group, acrescentando, contudo, que os americanos também já não compartilham informações de inteligência militar há meses, não só com a Colômbia, mas também com outros aliados da OTAN na Europa.
Segundo ela, um dado apresentado pelo congressista Gregory Meeks, durante a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes dos EUA, mostra que 85% das informações coletadas na Base Naval e Aérea de Key West entre janeiro de 2024 e junho de 2025 vieram da Colômbia. A estrutura militar, inclusive, serve de ponto para os EUA e a América Latina coordenarem o combate ao narcotráfico.
Para o vice-almirante colombiano reformado Paulo Guevara, também ao El País, ambos os países estão perdendo informações valiosas.
— Os maiores beneficiários são os narcotraficantes — afirma. — O narcotráfico afeta muitos países; é complexo, variável e envolve milhões de dólares. Por isso, a melhor ferramenta para combater o narcotráfico tem sido a cooperação internacional. Por exemplo, se a Colômbia compartilha informações sobre um navio a caminho dos Estados Unidos, Washington alerta o México, e eles o interceptam na costa mexicana.
O oficial acredita ainda que as informações dos Estados Unidos têm sido preponderantes para a Colômbia compreender as redes de narcotráfico dentro de suas fronteiras. O que mostra que ambos arriscam a própria sorte ao interromperem o fluxo de informações.
— Quando um narcotraficante preso coopera com a justiça, ele é interrogado. Essas informações são muito úteis para nós aqui. Os Estados Unidos estão perdendo um aliado de 40 anos que lhes fornece uma grande quantidade de informações de inteligência, mas as consequências para a Colômbia são verdadeiramente desastrosas, porque ficaremos sem recursos para o combate ao narcotráfico. Grande parte de nossa inteligência é financiada com ajuda americana — avalia o vice-almirante.
Além disso, um funcionário que trabalhou com os serviços de inteligência colombianos disse em condição de anonimato que a Colômbia não conseguiria manter a tecnologia de ponta para combate ao crime sem o apoio das agência americanas. De acordo com a fonte, "essas tecnologias se tornam obsoletas rapidamente, então é preciso modernizá-las constantemente, e isso só é possível mantendo uma boa coordenação com os Estados Unidos".
O posicionamento de Petro ainda não foi respondido pelo presidente Donald Trump ou pelo seu secretário de Estado, Marco Rubio, um dos principais entusiastas da ofensiva militar americana.
Há dois dias, o Reino Unido deixou de compartilhar informações de inteligência sobre embarcações de supostos narcotraficantes nas águas caribenhas com os Estados Unidos por conta de série de ataques na região. De acordo com a CNN, as autoridades britânicas alegam que o país não quer ser cúmplice dos bombardeios, tidos por eles como ilegais. E eles não foram os únicos, já que a Holanda também encerrou a cooperação. Embora eles não tenham uma relação tão tensa com a Casa Branca, possuem territórios no Caribe.
A decisão dos britânicos é sintomática, e demonstra a fragilidade legal da política antidrogas chefiada pela Casa Branca no Caribe. Durante anos, as nações exerceram uma troca constante de informações de inteligência, algo que está sendo colocado em xeque agora, justamente pelo temor de que os dados sejam usados pelos americanos para selecionarem seus alvos, disseram as fontes. Antes, isso envolvia a abordagem das embarcações, a prisão de suas tripulações e a apreensão das drogas.
Segundo a CNN, a suspensão das operações começou há mais de um mês. Os dados eram enviados à Força-Tarefa Interagências Conjunta Sul (JITAS, na sigla em inglês), que é sediada na Flórida e inclui representantes de diversos países.
A infraestrutura militar americana no Caribe
Arte O GLOBO
O Pentágono mantém atualmente cerca de 10 mil soldados na região, divididos aproximadamente de forma igualitária entre oito navios de guerra na região e bases em Porto Rico. A presença militar deve aumentar ainda mais com a chegada do porta-aviões Gerald R. Ford, que transporta cerca de 5 mil marinheiros e possui mais de 75 aeronaves de ataque, vigilância e apoio, incluindo caças F/A-18. A chegada do porta-aviões e de três contratorpedeiros é esperado ainda para esta semana.
Washington reativou instalações de uso militar no Caribe e na América Central e adaptou estruturas civis para comportar presença militar, em meio à campanha na região. Especialistas afirmam que a medida aumenta as tensões não apenas com os cartéis, mas também com governos locais, sobretudo o da Venezuela, que acusa os EUA de promoverem um cerco com objetivo de derrubar o regime de Nicolás Maduro.
Fontes consultadas pelo GLOBO classificaram como "altamente provável" a possibilidade de um ataque militar americano à Venezuela. (Com AFP e NYT)
