EUA desenham cenários para Venezuela pós-Maduro; simulações feitas no 1º mandato de Trump apontam para risco de caos no país
Meses após o início da campanha de pressão que levou os Estados Unidos a mobilizarem milhares de soldados e equipamentos de guerra para o Caribe — e depois de o presidente americano, Donald Trump, emitir sucessivas ameaças contra Nicolás Maduro —, a Casa Branca intensificou os planos para “o dia seguinte” caso o líder venezuelano seja afastado do poder. Segundo duas fontes ouvidas pela rede americana CNN, o planejamento inclui múltiplas opções para a atuação de Washington a fim de preencher um eventual vácuo de poder e estabilizar o país caso Maduro deixe o cargo voluntariamente, como parte de um acordo negociado, ou seja forçado a sair após ataques dos EUA. Simulações para o mesmo cenário realizadas ainda durante o primeiro mandato do republicano (2017-2021), porém, apontaram para graves consequências no território venezuelano.
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Diante dos impasses, Trump ainda não chegou a uma decisão sobre como tentar tirar Maduro do poder. Internamente, há divergências entre setores que defendem ações mais agressivas e outros que se opõem a um envolvimento militar significativo dos Estados Unidos. Trump, por sua vez, chegou a conversar por telefone com Maduro no fim do mês passado, poucos dias antes de entrar em vigor a designação dos EUA que classificou o venezuelano e seus aliados no governo como integrantes de uma organização terrorista estrangeira. Segundo uma fonte, embora o tom não tenha sido abertamente hostil, o diálogo teve um ultimato — que não foi acatado.
Como o presidente republicano rejeita descartar invadir a Venezuela para forçar uma mudança de regime, tendo reafirmado nesta terça-feira que os "dias de [Maduro] estão contados", o planejamento conduzido pelo Conselho de Segurança Interna da Casa Branca mantém suas opções abertas. Além disso, há anos a oposição venezuelana, liderada por María Corina Machado, elabora planos para “o dia seguinte” — e já divulgou publicamente parte dessas propostas. Os esforços abordam segurança, energia, infraestrutura e educação, segundo relato do oposicionista David Smolansky à rede americana.
Novos planejamentos
A oposição tem formulado propostas de “100 horas” e “100 dias” para os passos seguintes caso Maduro seja derrubado, e esses documentos foram compartilhados com diferentes áreas do governo Trump. A Casa Branca já afirmou que o ex-candidato González Urrutia, declarado derrotado pelo Conselho Eleitoral venezuelano nas eleições do ano passado, é o “presidente legítimo” do país sul-americano, e autoridades afirmaram à CNN que conversas informais dentro do governo levantaram a possibilidade de ele liderar o país ao lado de María Corina se Maduro saísse de cena. Principal rosto da oposição no país e vencedora do Nobel da Paz deste ano, María Corina já elogiou Trump publicamente e disse que Caracas trabalharia de perto com os EUA.
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Agora, porém, o planejamento para o futuro da Venezuela é mais intenso — e leva em consideração diferentes cenários para a saída de Maduro. Os EUA devem, por exemplo, definir quanto e que tipo de apoio forneceriam ao país para evitar que ele mergulhasse em conflito interno, além de como influenciar a governança venezuelana pós-Maduro. Embora seja improvável a presença de tropas americanas em solo venezuelano — ainda que Trump não tenha descartado essa opção —, especialistas dizem que seriam necessárias estratégias de apoio econômico, de segurança e de inteligência.
Funcionários ligados à administração americana disseram à CNN que Trump não está interessado em negociações longas e arrastadas com Maduro. Também não consideram uma saída negociada que preveja uma transição em moldes propostos pelo líder venezuelano, dado o que veem como um histórico de não cumprir compromissos anteriores — no ano passado, por exemplo, o regime impôs sigilo sob as atas eleitorais, apesar de a comunidade internacional ter condicionado aceitar a declaração de vitória de Maduro só após sua divulgação.
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Conflito prolongado
Ainda durante o primeiro mandato de Trump, autoridades americanas realizaram uma simulação de guerra para avaliar o que a queda do líder venezuelano poderia desencadear. Na época, os resultados mostraram que caos e violência provavelmente iriam eclodir dentro da Venezuela, com unidades militares, facções políticas rivais e até grupos guerrilheiros baseados na selva disputando o controle do país rico em petróleo. As conclusões reforçam o risco associado aos recentes esforços de Trump para pressionar Maduro, alertam analistas.
Embora o republicano não tenha explicado seus objetivos precisos em relação à Venezuela, ele descreveu Maduro como um fora da lei e inimigo dos EUA e deslocou tropas, navios de guerra e aeronaves para posições de ataque próximas ao país. Desde setembro, o Exército americano realizou pelo menos 22 ataques contra embarcações próximas à costa da Venezuela e da Colômbia, matando ao menos 87 pessoas que, segundo o governo Trump, levavam drogas rumo aos Estados Unidos. Sem um desfecho claro para a escalada, especialistas destacam que o histórico problemático das intervenções de mudança de regime lideradas por Washington em lugares como Iraque, Afeganistão e Líbia pode se repetir em uma Venezuela pós-Maduro.
— O que realmente nos preocupa é que eles não parecem ter nenhum plano sério para o que acontece depois — disse Phil Gunson, analista sênior do International Crisis Group e autor de um novo relatório sobre o tema. — A ideia de que você vai simplesmente encaixar um novo governo e todo o resto se organizará automaticamente é pura fantasia.
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Em relatório enviado ao Pentágono após análises feitas em 2019, Douglas Farah, consultor de segurança nacional especializado na América Latina, afirmou que a derrubada de Maduro — seja por golpe militar, levante popular ou ação militar — destruiria o frágil governo autoritário venezuelano e produziria “caos por um longo período”. Naquele ano, autoridades na Casa Branca acreditavam que Maduro estava vulnerável, em parte devido a protestos populares que Washington havia incentivado. Trump cogitou operações militares, mas acabou desistindo, assistindo enquanto Maduro sufocava as manifestações.
Farah, ex-jornalista, afirmou que a Venezuela ficaria melhor sem Maduro, mas alertou, em entrevista ao podcast SpyTalk no início deste mês, que “não se pode ter uma mudança sísmica imediata” no governo sem consequências graves. Segundo ele, não haveria “comando e controle sobre os militares, nem forças policiais”. Haveria “saques e caos”, disse, e qualquer mobilização dos EUA para estabilizar o país provavelmente exigiria dezenas de milhares de soldados. Essas conclusões foram reforçadas pelo relatório do Crisis Group, que constatou que um novo governo poderia enfrentar “um conflito prolongado e de baixa intensidade”.
Histórico de intervenções
María Corina afirmou publicamente que tem um plano para uma transição suave e que seria capaz de assumir pleno controle do país caso Maduro deixasse o poder. Ela já divulgou um “Manifesto pela Liberdade” prometendo defender direitos básicos e responsabilizar o “regime criminoso” de Maduro por “crimes contra a Humanidade”. Mas, para analistas, a situação não seria tão simples: a oposição enfrentaria enormes desafios para impor autoridade sobre deputados, governadores, burocratas, agentes de segurança e militares escolhidos ou cultivados por Maduro ao longo de anos, especialmente aqueles que temem represálias.
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“Muitos oficiais militares de alta patente poderiam resistir a uma mudança de regime”, alerta o relatório do Crisis Group. Mesmo se Maduro concordasse em transferir o poder a um sucessor alinhado aos EUA, algumas forças de segurança poderiam se rebelar “e até travar uma guerra de guerrilha contra as novas autoridades”, diz o documento. Outros grupos armados da região também poderiam se opor a uma transição ou explorar um vácuo de poder.
Manter a ordem em todo o território seria uma tarefa gigantesca. Milhares de combatentes experientes pertencentes ao Exército de Libertação Nacional da Colômbia (ELN) estão baseados nas selvas da fronteira. O grupo, cujo arsenal inclui explosivos e alguns drones armados, prometeu defender o governo Maduro e lutar contra qualquer força estrangeira na região. Ao mesmo tempo, desordem e conflito poderiam desencadear um novo êxodo de venezuelanos, sobrecarregando países vizinhos que já enfrentam dificuldades para receber milhões de migrantes que fugiram do governo Maduro nos últimos anos.
Uma missão militar dos EUA no Haiti em 1994, que derrubou uma junta e estabilizou o país, exigiu cerca de 25 mil militares. No Panamá, a invasão dos EUA de 1989 envolveu cerca de 27 mil militares. Na época, a ação levou à rápida captura do ditador panamenho Manuel Noriega, que, assim como Maduro, havia sido acusado de tráfico de drogas e considerado ilegítimo por Washington. Meses antes, Noriega havia anulado a aparente vitória eleitoral do opositor Guillermo Endara, posteriormente pressionado por autoridades americanas a assumir o poder, apesar das fortes reservas dele em relação à invasão.
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Ele acabou sendo empossado presidente em uma base militar americana. Mas, em meio ao ressentimento pelas circunstâncias de sua ascensão, enfrentou protestos, levantes e queda de popularidade. Endara chegou a fazer uma greve de fome pouco mais de um ano após a invasão para pressionar o governo George H.W. Bush a enviar a ajuda prometida ao Panamá — um lembrete de que Washington pode perder o interesse rapidamente quando os tiros cessam. Questionado na semana passada sobre se a captura de Noriega poderia servir de modelo para o planejamento atual, Rubio disse apenas que na época ainda estava no ensino médio.
Até agora, Maduro se recusa a deixar o poder e ir para o exílio — algo compreensível, disse Gunson, do Crisis Group. Maduro enfrenta uma investigação no Tribunal Penal Internacional que pode transformá-lo em um procurado internacional. E exílio não garante segurança física. Em 1979, o ditador nicaraguense Anastasio Somoza Debayle deixou o poder e buscou refúgio no Paraguai — apenas para ser emboscado e morto no ano seguinte por militantes de esquerda armados com metralhadoras e um lança-foguetes.
— A premissa da administração Trump é que, se você aumentar a pressão o suficiente, Maduro ficará com medo e decidirá sair — disse Gunson. — Mas você não consegue isso simplesmente jogando algumas bombas e esperando que Maduro se renda.
(Com New York Times)
