Entrevista: vice de Paes critica 'lero-lero' do PT na segurança e defende neutralidade sobre Lula em 2026 para atrair apoios

 

Fonte:


Enquanto Eduardo Paes (PSD) adota o silêncio sobre concorrer ao governo do estado no ano que vem, o vice Eduardo Cavaliere vem assumindo protagonismo em agendas municipais e, aos poucos, o posto de um dos porta-vozes do grupo político do prefeito. Em entrevista ao GLOBO, o advogado, de 31 anos, expõe pela primeira vez insatisfações com o presidente Lula (PT), de quem são aliados. Classifica como “lero-lero” o discurso sobre segurança pública e indica que o Planalto estaria contando com um “alinhamento automático” inexistente para a eleição. Para ele, adotar neutralidade no jogo nacional ajudaria o PSD a atrair mais apoios no estado. Em outra frente, Cavaliere marca uma inflexão na narrativa de Paes sobre o governador Cláudio Castro (PL). Poupa o chefe do Palácio Guanabara de ataques pessoais e chama de “bem-sucedida” a operação que resultou em 122 mortes no Alemão e na Penha.

Após megaoperação no Rio: PSD de Eduardo Paes usa inserções para falar de segurança e promete que ‘mudança’ vai chegar

Acredite se quiser: Witzel diz que quer ser candidato ao governo do RJ

O senhor tem feito agendas como se já fosse prefeito, e Paes disse que o Rio terá o prefeito mais jovem da história. O jogo de cena acabou, e Paes é candidato?

Não é segredo para ninguém que o PSD terá candidato. Independentemente de quem for, o mais preparado para a missão é Eduardo Paes. É o melhor gestor, o único com autoridade para fazer as mudanças necessárias. Especialmente na área da segurança.

E essa candidatura será de oposição a Cláudio Castro?

O governador não é candidato. Portanto, a candidatura do PSD não o enfrenta. Paes sempre manteve relação de diálogo institucional com o governador. No momento da eleição do ano passado, claro, foi possível pontuar diferenças.

Mas no período pós-eleição também houve ataques. Essa mudança de tom parece resultado da opinião favorável da população sobre a operação no Alemão e na Penha. Ficou mais custoso politicamente atacar Castro?

No momento da operação, o prefeito optou por cumprir seu papel: garantiu que transporte, escolas e unidades de saúde fossem menos impactados. Ele não é comentarista de segurança pública.

Mas vinha comentando muito nos primeiros meses do ano. Afinal, qual é a opinião de vocês sobre a operação?

A operação foi bem-sucedida. As polícias têm a obrigação de retomar o controle do território. Para isso, tem que usar a força. Se tiver resistência numa operação, diante de bandidos armados de fuzil e usando farda tática, armas de guerra, eles têm que ser neutralizados. O prefeito, inclusive, prestou solidariedade às famílias das únicas vítimas da operação, os policiais. Agora, se a operação estivesse inserida numa política pública maior, num contexto consistente nos sete anos de governo Castro, a segurança estaria melhor. Falta essa política.

O presidente Lula chamou a operação de “matança”. O que acharam da declaração?

O prefeito e o presidente são aliados, mas pensam muito diferente na segurança. Esse tema vai ser central na eleição, e a posição do prefeito é diferente da do presidente e de setores do PT. Escutamos críticas contundentes do ex-deputado Marcelo Freixo ou da deputada Benedita da Silva sobre a operação. Essa posição é muito divergente do que pensa a maior parte da população, inclusive a de quem vive nos territórios dominados.

Quais são as diferenças entre o que vocês pensam e a esquerda?

Aquele lero-lero ultrapassado de que a falta de investimento social é a causa dos problemas de segurança, que alguns setores do PT e de certa forma o presidente Lula defendem, é muito diferente do que pensamos. Os problemas de segurança pública são problemas de segurança pública. Também não dá para cair no discurso de que atacar o braço econômico das organizações anula a necessidade de se retomar territórios. Temos que atacá-lo, isso é fundamental numa política de segurança, mas também precisamos retomar territórios, enfrentar criminosos armados.

Se posicionar contra a ADPF das Favelas também entra nesse contexto?

É um exemplo claro. O prefeito trabalhou pessoalmente para derrubar a ADPF, despachou com ministros. Ela havia se tornado uma desculpa para aqueles que deveriam comandar a segurança pública. Virou um instrumento de narrativa política para os dois lados, um debate ideologizado entre um conjunto de ONGs e uma terceirização de responsabilidades (por parte do governo do estado) para o Judiciário.

Essas diferenças podem custar a aliança com o PT?

Se tem um consenso nos partidos de centro e centro-direita — PP, União, Republicanos e até setores do PL — é o de que ninguém espera que Paes faça oposição ao presidente Lula. Foi a única liderança do Sudeste de dimensão nacional que o apoiou em 2022 e que segue aliado. Mas é fato que bastaria uma posição de neutralidade na eleição nacional para que boa parte dessas alianças ficasse mais fácil de consolidar. O que deixamos claro é que o PSD do Rio vai se concentrar nas eleições do estado.

Mas o PT conta muito com o Paes como palanque para Lula em 2026. Estão equivocados?

Nossa sensação é a de um certo distanciamento por parte do presidente Lula e de setores do governo, o que dá uma percepção de estarem numa zona de conforto em relação ao Rio, como se fosse haver um alinhamento automático em 2026. Essa postura tem causado dificuldade no PSD, especialmente porque quem segura essa aliança é o próprio prefeito na ponta da unha. Os deputados apoiaram Lula em 2022 com certo desconforto e tem muito desconforto para 2026.

Quais são os casos concretos de distanciamento?

Um exemplo é a mudança de sede da Susep (Superintendência de Seguros Privados) do Rio para Brasília. O prefeito sequer foi consultado. É um setor que representa 20 mil empregos. Não foi falta de apelo, inclusive ao ministro Fernando Haddad (Fazenda). Será que de repente vão tirar a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) daqui sem sabermos? Outra coisa: um representante do Rio no Planalto, o secretário André Ceciliano, faz campanha abertamente para adversários de Paes. Pede votos, faz vídeos.

Isso não é arrumar ‘pelo em ovo’ só porque estar com o PT no Rio, estado tido como bolsonarista, tira votos?

Essa lista toda não é “pelo em ovo”: um setor com 20 mil empregos, o fato de um secretário do Planalto fazer campanha contra Eduardo Paes...

Essa ideia de descaso com o Rio não é o oposto do que Paes sempre fala sobre Lula?

A aliança que o prefeito sustenta é baseada na sensibilidade que o presidente tem com o Rio, mas há vários exemplos contrários a isso no governo. Para ser justo: teve a situação do Galeão, que foi uma decisão direta do presidente, mudou a realidade do Rio e ajudou o Brasil. Já os empréstimos e as obras do PAC são a juros bancários. Mesmo quando o Rio assume problemas do governo para resolver, como hospitais federais ou a Estação Leopoldina, é sempre a duras penas.

Quais partidos podem estar numa coligação de Paes?

É preciso ter uma composição que reúna diferentes campos e regiões. Tem muita gente boa. O deputado Luizinho (PP), importante em Brasília; o ex-prefeito de Nova Iguaçu Rogério Lisboa (PP); o ex-prefeito de Caxias Washington Reis (MDB); o prefeito de Belford Roxo, Márcio Canella (União); o prefeito de Maricá, Washington Quaquá (PT), o Fabiano Horta (PT).

Assumindo, qual marca gostaria de colocar na prefeitura? Como não parecer um fantoche, um poste de um prefeito de quatro mandatos?

Isso fica para uma próxima entrevista. Tenho muito orgulho da missão honrosa de vice-prefeito.