Disfarce com peruca e viagem em pesqueiro e jato privado: MarÃa Corina passou por dez postos de controle para sair da Venezuela
Uma fuga cinematográfica. Vestida com uma peruca, como parte de um disfarce para não ser reconhecida, a venezuelana premiada com o Nobel da Paz, MarÃa Corina Machado, iniciou na segunda-feira um trajeto cuidadosamente planejado para deixar o paÃs de origem e chegar a Oslo, capital da Noruega, na tentativa de receber em mãos a honraria. Segundo o jornal Wall Street Journal (WSJ), a operação exigiu dez horas de deslocamento terrestre, passando por dez postos militares, até chegar a Curaçao — ilha caribenha pertencente à Holanda e onde funciona uma pequena base militar americana, a 65 km de distância do território venezuelano —, de onde partiu mais tarde de um avião privado especializado em extrações e ligado ao governo americano rumo à Noruega, com escala em Bangor, no estado do Maine, nos EUA.
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MarÃa Corina estava escondida havia um ano em um subúrbio de Caracas e precisava alcançar um barco que a levaria até o vilarejo caribenho, informou o WSJ. A travessia, realizada ao amanhecer de terça-feira em uma pequena embarcação de madeira, ocorreu sob ventos fortes e mar turbulento, o que atrasou a operação e impediu que ela chegasse a tempo da cerimônia do Nobel. A fuga, de acordo com a publicação, vinha sendo articulada havia cerca de dois meses por uma rede venezuelana que já ajudou outras pessoas a deixar o paÃs.
Integrantes do grupo relataram ao jornal que, antes da partida pelo mar, avisaram o Exército dos Estados Unidos sobre a rota da embarcação para evitar que fosse confundida com alvos que, nos últimos três meses, sofreram ataques aéreos americanos no Caribe. O governo de Donald Trump, portanto, estaria ciente da operação, embora não se saiba ao certo o quanto eles participaram. O Pentágono não comentou o caso, e autoridades americanas negaram o contato militar.
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De acordo com uma fonte ouvida pela Bloomberg, houve a ajuda de membros do regime do presidente Nicolás Maduro na travessia, algo que alguns altos funcionários americanos enxergam como um sinal de disposição para cooperar caso Maduro deixe o poder, pressionado pelos Estados Unidos. Como também da Casa Branca.
No mesmo perÃodo em que a embarcação avançava rumo a Curaçao, dois caças F-18 da Marinha americana sobrevoaram o Golfo da Venezuela por cerca de 40 minutos, realizando cÃrculos próximos à rota marÃtima, segundo dados de monitoramento de voo consultados pelo WSJ.
O trajeto de MarÃa Corina para receber o Nobel da Paz
Arte O GLOBO
MarÃa Corina reconheceu nesta quinta-feira que recebeu ajuda dos Estados Unidos para sair da Venezuela. A declaração foi feita em Oslo, onde se reencontrou com os três filhos após mais de dois anos sem vê-los. Ela ainda acrescentou que é necessário "terminar o trabalho" para estabelecer a democracia em seu paÃs. O presidente venezuelano Nicolás Maduro, no entanto, acusa Washington de querer derrubá-lo para se apossar do petróleo de seu paÃs. Uma ofensiva americana próxima à costa somou mais de 20 ataques a embarcações e matou mais de 80 pessoas.
— Sim, recebemos ajuda do governo dos EUA — reconheceu MarÃa Corina ao responder uma pergunta da AFP durante entrevista coletiva com o Instituto Nobel.
Depois de uma viagem secreta, a lÃder opositora de 58 anos chegou a Oslo tarde demais para a cerimônia na quarta-feira de entrega do Prêmio Nobel da Paz, recebido por sua filha Ana Corina Sosa.
— Vim receber o prêmio em nome do povo venezuelano e o levarei à Venezuela no momento adequado — afirmou, em inglês, no Parlamento da Noruega. — Não direi quando nem como isso acontecerá, mas farei todo o possÃvel para poder retornar e também para acabar com esta tirania muito em breve.
A crÃtica de Maduro, que vive na clandestinidade desde agosto de 2024, reapareceu em público pela primeira vez em quase um ano. Ela acenou da varanda do hotel depois das 2h locais (22h em BrasÃlia) e foi ovacionada. Questionada pela imprensa sobre suas primeiras horas em Oslo e o reencontro com os filhos, não escondeu a emoção.
— Não consegui dormir a noite, repassando uma e outra vez o instante em que vi meus filhos — afirmou em uma entrevista coletiva ao lado do primeiro-ministro norueguês, Jonas Gahr Støre. — Passei semanas pensando nessa possibilidade e a quem abraçaria primeiro. No fim, abracei os três ao mesmo tempo e foi um dos momentos espirituais mais extraordinários da minha vida.
Seus três filhos — Ana Corina, Henrique e Ricardo — vivem no exterior.
Na ausência da mãe, Ana Corina, de 34 anos, recebeu a medalha de ouro e o diploma do Nobel, um prêmio de US$ 1,2 milhão (R$ 6,55 milhões). A última vez que Ana Corina tinha visto a mãe foi em dezembro de 2023, sete meses antes das eleições presidenciais na Venezuela, nas quais Maduro foi declarado vencedor apesar das denúncias de fraude feitas pela oposição.
A vencedora do Nobel da Paz agradeceu aos "homens e mulheres que arriscaram suas vidas" para que ela pudesse viajar a Oslo:
— Tivemos que passar por muitas coisas e muitas pessoas arriscaram suas vidas para que eu pudesse chegar a Oslo — disse ela em uma mensagem de voz gravada enquanto embarcava em um avião rumo à capital norueguesa. — Sou muito grata a eles. E isso demonstra o que esse reconhecimento significa para o povo venezuelano.
Benedicte Bull, professora especialista em América Latina na Universidade de Oslo, destacou que MarÃa Corina "corre o risco de ser presa se voltar, embora as autoridades tenham mostrado mais moderação com ela do que com muitos outros, porque uma prisão teria um simbolismo muito forte".
MarÃa Corina Machado passou à clandestinidade depois das eleições presidenciais de julho de 2024, que concederam um terceiro mandato a Nicolás Maduro. Os resultados não foram reconhecidos por Estados Unidos, União Europeia e vários paÃses da América Latina.
A lÃder opositora afirma que Maduro roubou as eleições de seu candidato, Edmundo González Urrutia, e publicou cópias das atas de votação como evidência da fraude. O chavismo nega essas acusações. Elogiada por seus esforços em favor da democracia na Venezuela, seus adversários criticam sua afinidade com Trump, a quem dedicou seu Nobel.
