
Devolução incompleta de reféns e prisioneiros frustra famílias israelenses e palestinas

O início da primeira etapa do acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas na segunda-feira, com o retorno de 20 reféns ao Estado judeu após 738 dias de cativeiro em Gaza, e a libertação de 1.968 palestinos detidos em prisões israelenses, incluindo 250 condenados, foi amplamente comemorado ao redor do mundo como um momento de alívio para os civis, dentro de um cenário ainda instável na região. O respiro, porém, não foi compartilhado por famílias israelenses e palestinas que não puderam reencontrar seus familiares, vivos ou mortos, não contemplados pela fase atual das negociações.
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A frustração que se espalhou pelo Estado judeu e territórios palestinos é motivada por situações diversas. Em Israel, a principal queixa parte de famílias de reféns mortos em Gaza, que exigem o retorno dos corpos de seus entes queridos o mais breve possível — embora o Hamas tenha dito previamente não saber onde estão todos os restos mortais, e organizações internacionais tenham classificado a missão de recuperação como extremamente difícil. Em Gaza e na Cisjordânia, tanto a recusa de Israel em libertar determinados presos quanto a soltura em outros territórios causou irritação.
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— Eu esperei até o último prisioneiro sair do ônibus, mas eu não o encontrei — disse a palestina Ibtisam Omran, que esperava pela chegada do irmão Mohamed em frente ao Palácio Cultural de Ramallah, na Cisjordânia, em entrevista à rede britânica BBC. — Um dos prisioneiros libertados me disse que o viu, mas não sabia para onde foi levado. Eu pensava que ele seria solto na Cisjordânia, como ele me disse na última ligação que fez da prisão.
Em se tratando dos 250 prisioneiros condenados em Israel, o governo israelense afirmou que 154 foram deportados para o Egito e para Gaza, embora fossem esperados na Cisjordânia. Apenas 87 foram mandados de volta para o território palestino mais ao norte. Nove palestinos originários de Gaza retornaram a suas casas no enclave costeiro.
— Teria sido mais fácil se nos tivessem dito desde o início. Não sabemos onde ele está. Egito? Gaza? Estamos devastados — disse Raed Imran, cujo parente Kamal Imran constava na lista de libertados de segunda-feira, em entrevista ao Guardian.
Enquanto a confusão sobre o destino dos palestinos motivou preocupações na Cisjordânia, a falta de uma previsão para retorno dos restos mortais dos sequestrados israelenses que faleceram em Gaza motivou até mesmo ameaças de descumprimento do acordo por parte de autoridades do Estado judeu.
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"A missão urgente com a qual todos estamos comprometidos agora é garantir o retorno de todos os reféns mortos para casa", escreveu o ministro da Defesa Israel Katz, declarando que se o Hamas estiver atrasando intencionalmente a devolução dos restos mortais de reféns, seria uma violação do acordo. "Qualquer atraso ou evasão deliberada será considerado uma violação flagrante do acordo e será punido em conformidade".
Em uma manifestação pública nesta terça-feira, o Fórum de Reféns e Famílias de Desaparecidos, principal organização civil a advogar em causa dos sequestrados, afirmou que o processo de paz deveria permanecer inerte até que todos os corpos fossem devolvidos.
— Não podemos prosseguir com a reconstrução de Gaza, entrando na fase dois ou três da estrutura de [negociações proposta pelo presidente dos EUA, Donald] Trump, até que tenhamos todos os nossos entes queridos de volta — disse o porta-voz Daniel Lifshitz, neto dos reféns Oded e Yocheved Lifshitz, em entrevista à BBC.
A avó de Lifshitz voltou para casa com vida, mas o avô morreu em Gaza — o corpo de Oded foi devolvido em uma troca anterior.
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O porta-voz afirmou ainda que ouviu de fontes diplomáticas da Alemanha e do Catar que o Hamas tinha conhecimento de "todos os locais" dos corpos dos reféns falecidos, algo que contraria o que o grupo afirmou publicamente nas últimas semanas. Organizações internacionais com presença em Gaza também classificaram a localização dos corpos como extremamente difícil, dada a necessidade de encontrar corpos em meio aos escombros.
— É um desafio ainda maior do que libertar as pessoas vivas. É um desafio enorme — disse o porta-voz da Comitê Internacional da Cruz Vermelha Christian Cardon, ouvido pela Reuters. — Acredito que há claramente o risco de que isso leve muito mais tempo. O que estamos dizendo às partes é que essa deve ser sua principal prioridade.
O porta-voz acrescentou ainda que a localização e transporte dos corpos em condições dignas pode levar dias ou semanas, e que existe a possibilidade de que alguns deles nunca sejam encontrados. O jornal al-Araby afirmou que uma equipe de especialistas do Egito já está trabalhando em Gaza para tentar recuperar os corpos.
Quatro corpos de reféns foram devolvidos pelo Hamas até o momento, com as Forças Armadas israelenses confirmando nesta terça-feira que a identificação das vítimas foi concluída. O Ministério da Saúde de Gaza, ligado à administração do Hamas, disse ter recebido uma primeira repatriação de corpos enviada por Israel nesta terça.