De zumbis ferozes a cães brincalhões: anúncios de recrutamento revelam fadiga com conflito na Ucrânia

 

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Aonde quer que se vá na Ucrânia, é impossível não notar os anúncios de recrutamento para o Exército em outdoors de arranha-céus, esquinas e pontes rodoviárias. As peças publicitárias são obra de unidades individuais que recrutam voluntários, independentes do serviço militar obrigatório. Os primeiros surgiram na primavera de 2023 (Hemisfério Norte), e as brigadas lançaram novas campanhas a cada poucos meses. Eram cheios de entusiasmo, em sintonia com o impulso nacional de repelir a invasão da Rússia. Mas, à medida que a guerra se prolongava, a motivação diminuía e o governo lutava para recrutar, o tom mudou. Os mais recentes tranquilizam as pessoas, dizendo que o alistamento não é um bilhete só de ida para o front. Alguns até tentam glamorizar a vida na caserna. E, agora, têm jogado com o orgulho popular em defender o país.

Veja a seguir como os anúncios evoluíram e o que dizem sobre as mudanças de humor nacional, em um momento de incerteza sobre se os esforços diplomáticos levarão ao fim da guerra:

Luta existencial (início de 2023)

Na primavera de 2023 (Hemisfério Norte), enquanto a Ucrânia se preparava para uma contraofensiva para recuperar os territórios ocupados pela Rússia no sul e no leste, precisava de homens para lutar. Foi então que a 3ª Brigada de Assalto, fundada por Andriy Biletsky, um político de extrema direita antes da guerra, lançou uma das primeiras campanhas de recrutamento. Os anúncios mostravam soldados com armaduras avançando por um campo de batalha devastado, enquanto um helicóptero e um drone sobrevoavam o local. “Junte-se à batalha decisiva”, exortavam.

Seis meses depois, a contraofensiva fracassou, com as forças de Kiev capturando apenas várias aldeias a um custo humano elevado. Alguns ucranianos questionaram se a luta tinha valido a pena. Com a mudança de humor, a brigada lançou uma nova campanha. Esta apresentava a guerra como uma batalha existencial e mostrava combatentes ucranianos enfrentando zumbis e monstros.

Terceira Brigada de Assalto, novembro de 2023

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A representação dos zumbis aproveitou a percepção ucraniana de que as forças de Moscou sofrem lavagem cerebral pela propaganda do Kremlin e matam sem pensar, no campo de batalha e fora dele. Tropas russas foram documentadas executando civis ucranianos.

— Queríamos mostrar que, se você não lutar agora, a escuridão prevalecerá — disse Khrystyna Bondarenko, chefe de mídia da brigada.

Lutar não significa morrer (final de 2023 – início de 2024)

No final de 2023, a guerra havia se transformado em um impasse sangrento. O Exército ucraniano precisava reabastecer suas fileiras após a contraofensiva fracassada. Mas, sem um fim no horizonte para os combates, cada vez mais ucranianos relutavam em se alistar. Então, as brigadas mudaram sua mensagem. Começaram a anunciar funções não de combate para mostrar que se alistar nem sempre significava marchar para a linha de frente.

Brigada Azov, novembro de 2023

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Azov, uma unidade da Guarda Nacional, lançou uma campanha com o slogan “As Forças Armadas precisam de diferentes profissões”. Os anúncios mostravam mãos segurando um estetoscópio, uma chave-inglesa ou uma caneta — um lembrete de que o Exército também precisa de médicos, mecânicos e funcionários administrativos.

A 3ª Brigada de Assalto destacou como as novas tecnologias — especialmente os drones que agora inundam o campo de batalha — estavam remodelando as funções dos soldados. Ao lado de pôsteres de um homem empunhando uma motosserra, a brigada divulgou anúncios mostrando soldados com óculos de proteção pilotando drones ou trabalhando com laptops.

Terceira Brigada de Assalto, março de 2024

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As Forças Armadas também tiveram dificuldades para recrutar homens porque o processo de alistamento permanecia atolado na burocracia e na corrupção ao estilo soviético. Muitos homens foram designados para funções que não se adequavam às suas habilidades e receberam apenas algumas semanas de treinamento.

— As pessoas tinham medo de que, assim que entrassem para o Exército, fossem enviadas para a linha de frente sem saber o que fazer — disse Vsevolod Kozhemyako, um empresário que fundou a brigada Khartiia no início da guerra.

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Para amenizar esses temores, a Khartiia lançou uma série de anúncios prometendo aos recrutas treinamento no estilo da Otan (aliança militar liderada pelos EUA) e apoio financeiro. Os cartazes mostravam membros reais da brigada que, às vezes, pareciam mais profissionais de TI do que soldados, sem armas em muitas das imagens.

Brigada Khartiia, setembro de 2024

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— Sempre precisamos de pessoas com boas habilidades comerciais — disse Kozhemyako — Então, dissemos a eles que seriam utilizados com base em suas habilidades.

É legal estar no Exército (meados de 2024 – início de 2025)

No verão passado (Hemisfério Norte), o alistamento obrigatório estava na boca de todos, quando a Ucrânia iniciou uma grande campanha de mobilização. Uma nova lei exigia que todos os homens entre 18 e 60 anos se registrassem em um site do governo, o primeiro passo para uma possível convocação. As autoridades estabeleceram uma meta ambiciosa de recrutar 30 mil novos soldados por mês.

Muitos homens que queriam evitar o alistamento passaram a viver na clandestinidade.

Em resposta, a 3ª Brigada de Assalto lançou campanhas nos seis meses seguintes retratando a vida no Exército como algo legal. Visando homens mais jovens, necessários para missões de assalto, os anúncios se inspiraram na cultura jovem com estilos como o anime. Um vídeo mostrava membros da brigada lutando contra soldados russos parecidos com zumbis e se relacionando com amigos no campo de treinamento. O vídeo terminava com um jovem decidindo se juntar às fileiras da unidade.

A vila onde os homens desapareceram: ucranianos se escondem para escapar do Exército — e da guerra

A brigada disse que usou inteligência artificial para produzir os anúncios. Bondarenko, seu chefe de mídia, disse que a IA economizou recursos — a brigada não pode se dar ao luxo de retirar soldados da linha de frente para sessões de fotos — e abriu novas possibilidades para conteúdo original.

Outro anúncio mostrava um piloto de drone reclinado em uma cadeira de praia, com o slogan “Verão, FPV, 3ª Assalto”. Com a sigla referente aos drones conduzidos à distância com uma câmera, o anúncio brincava com a crença generalizada de que ser piloto de drone era uma forma de participar da luta enquanto se mantinha em segurança atrás das linhas de combate.

Essa percepção mudou. À medida que os drones se tornaram centrais no campo de batalha, os próprios pilotos de drone viraram alvos principais dos ataques inimigos.

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A campanha mais provocativa do 3º Assalto aconteceu no verão passado, quando a unidade veiculou anúncios mostrando uma modelo deitada no colo de um soldado ou abraçando-o em uma motocicleta. A mensagem era clara: se você se juntar à brigada, disse Bondarenko, “garotas bonitas vão te amar”.

Terceira Brigada de Assalto, outubro de 2024

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Os críticos chamaram a campanha de sexista, mas Bondarenko disse que ela foi altamente eficaz, atraindo até 250 inscrições por dia para ingresso na brigada.

Orgulho nacional (início a meados de 2025)

Neste ano, a fadiga se instalou em toda a Ucrânia. A mensagem de que a vida no Exército era agradável não tinha mais repercussão. Então, as brigadas mudaram novamente sua abordagem, desta vez apelando para o senso de orgulho e dever das pessoas.

Liderando o esforço estava a Azov. No verão, a unidade divulgou um anúncio em vídeo mostrando duas mulheres em um salão de beleza. Uma delas lamentava não poder levar o marido para comemorar seu aniversário pelo temor de que oficiais do serviço militar o levassem se saísse de casa. A outra dizia casualmente que ela e o marido planejavam ir à Itália.

“Sério? Seu marido conseguiu uma isenção?”, perguntava a primeira mulher.

“Não”, responde a segunda. “O meu está na Azov.”

O salão de beleza ficava em silêncio.

O vídeo envergonha aqueles que fogem do serviço militar e apela para o orgulho de se juntar a uma unidade que ganhou status heroico por sua resistência feroz aos ataques russos. Foi também um lembrete incisivo de que, embora a lei marcial proíba a maioria dos homens civis de deixar o país, os soldados podem ser autorizados ao exterior durante as férias.

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Em outro anúncio divulgado nesta primavera, a Azov mostrava um jovem recruta fazendo uma videochamada para sua mãe do campo de treinamento e dizendo a ela, com um sorriso tímido:

“Mãe, vou me juntar a Azov.”

Oksana Bondarenko, chefe de comunicações da Azov, disse que o anúncio foi programado para coincidir com a introdução de um novo programa governamental que incentiva o alistamento entre jovens de 18 a 24 anos, um grupo que não está sujeito à mobilização na Ucrânia, que começa aos 25 anos.

— A maioria dos jovens diz que, quando decide se alistar no Exército, tem medo de contar aos pais, principalmente para que suas mães não fiquem chateadas — disse ela.

A campanha sugeriu que se alistar no Exército pode deixar sua família orgulhosa.

Exército como modo de vida (2025)

Quando uma rodada anterior de negociações de paz lideradas pelos Estados Unidos fracassou neste ano, os ucranianos começaram a perceber que deveriam se preparar para uma guerra ainda mais longa. A Rússia intensificava seus ataques no leste, enquanto Kiev e Moscou trocavam ataques de longo alcance para enfraquecer as máquinas de guerra uma da outra.

Preparando-se para uma longa luta, o Exército lançou uma grande reorganização e expandiu as brigadas de 3ª Assalto, Azov e Khartiia, atribuindo a cada uma delas unidades adicionais para comandar.

As brigadas recém-expandidas começaram a retratar o serviço militar como um estilo de vida. Khartiia lançou cartazes retratando soldados gigantes em uniformes trabalhando em meio a arranha-céus, comparando-os a profissionais de negócios. A campanha, sob o slogan “Cresça com Khartiia”, apresentava a adesão como uma decisão inteligente para a carreira.

Kozhemyako, fundador da Khartiia, disse que o objetivo era mostrar que “é possível construir uma carreira nas Forças Armadas” e adquirir habilidades que serão mais tarde valiosas no mercado de trabalho civil.

A campanha da 3ª Assalto trazia uma mensagem mais direta. “Estamos aqui para viver”, dizia o slogan que acompanhava fotos de soldados abraçando bebês e brincando com cachorros. Não havia armas nas imagens — uma novidade nos cartazes de recrutamento da unidade.

Terceira Brigada de Assalto, agosto de 2025

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— Queremos mostrar que a vida continua mesmo durante a guerra — disse Khrystyna Bondarenko.

A nova campanha — quase dois anos depois que os anúncios com tema de zumbis da unidade estavam repletos de morte e armas — marcou uma mudança impressionante no tom.

— Queremos adivinhar o humor das pessoas para entender como melhor recrutá-las — disse Bondarenko. — O humor realmente mudou.