Curaçao e mar revolto: Saiba como Maria Corina, Prêmio Nobel da Paz, saiu da Venezuela para ir a Oslo

 

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A ganhadora do Nobel da Paz, María Corina Machado, saiu secretamente da Venezuela a bordo de uma embarcação na tentativa de chegar a Oslo, Noruega, a tempo de receber seu prêmio, mas acabou perdendo a cerimônia porque o mau tempo e o mar agitado atrasou sua viagem, segundo uma fonte ouvida pela Bloomberg. A líder opositora, foragida há mais de um ano, deixou o país na terça-feira rumo a Curaçao — ilha caribenha pertencente à Holanda e onde funciona uma pequena base militar americana, a 65 km de distância da Venezuela —, de onde partiu mais tarde de avião para a capital norueguesa. Segundo a fonte, houve a ajuda de membros do regime do presidente Nicolás Maduro na travessia, algo que alguns altos funcionários americanos enxergam como um sinal de disposição para cooperar caso Maduro deixe o poder, pressionado pelos Estados Unidos.

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— Tivemos que passar por muitas coisas e muitas pessoas arriscaram suas vidas para que eu pudesse chegar a Oslo — disse ela em uma mensagem de voz gravada enquanto embarcava em um avião rumo à capital norueguesa. — Sou muito grata a eles. E isso demonstra o que esse reconhecimento significa para o povo venezuelano.

Impedida de comparecer à cerimônia, sua filha, Ana Corina Sosa Machado, recebeu o prêmio em seu lugar, que apresentou um discurso escrito pela mãe, em que denunciou o que chamou de "terrorismo de Estado".

— Minha geração nasceu em uma democracia vibrante, e nós a tomávamos como garantida. Presumíamos que a liberdade era tão permanente quanto o ar que respirávamos. Valorizávamos nossos direitos, mas nos esquecíamos de nossos deveres — disse Ana, ao ler o discurso escrito pela mãe. — Quando percebemos a fragilidade de nossas instituições, um homem que outrora liderara um golpe militar [Hugo Chávez, em 1992] para derrubar a democracia foi eleito presidente. Muitos pensaram que o carisma poderia substituir o Estado de Direito.

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Segundo a fonte ouvida pela Bloomberg, María Corina também recebeu ajuda do governo de Donald Trump, além de membros do governo chavista. O governo venezuelano não respondeu imediatamente aos pedidos de comentários e provavelmente contestará essa versão dos fatos, visto que há muito afirma saber o paradeiro dela.

Risco de exílio

Durante dias, circularam especulações sobre os movimentos de María Corina e se ela faria a viagem à Noruega. Foi somente com sua mensagem — publicada on-line no início da cerimônia — que ela confirmou estar a caminho de Oslo, agradecendo ao Comitê Nobel Norueguês "por este imenso reconhecimento da luta do nosso povo pela democracia e liberdade".

Segundo o jornal americano Wall Street Journal, que divulgou detalhes sobre o plano da ida de María Corina a Oslo inicialmente, o Comitê Nobel não informou quando essa ligação telefônica ocorreu, nem onde a opositora estava naquele momento.

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O Instituto Nobel afirmou na quarta-feira que Machado "fez tudo ao seu alcance para comparecer à cerimônia" e que estava empreendendo "uma viagem em situação de extremo perigo". "Estamos profundamente felizes em confirmar que ela está segura e que estará conosco em Oslo", dizia o comunicado.

Ana Corina Sosa Machado, filha de María Corina Machado, recebe o Prêmio Nobel da Paz em nome da mãe

Odd Andersen/AFP

— Ela está vivendo sob ameaça de morte do regime, pura e simplesmente — disse o diretor do Instituto Nobel, Kristian Berg Harpviken, à emissora pública norueguesa NRK. — Essa ameaça se estende para além das fronteiras da Venezuela, vinda do regime e de seus aliados ao redor do mundo.

A decisão de deixar a Venezuela traz consigo tanto oportunidades quanto riscos para ela e para o regime de Maduro. Seus apoiadores acreditam que um retorno bem-sucedido à Venezuela após a cerimônia do Nobel poderia fortalecer sua posição interna. Outros alertam que um Maduro desafiador poderia bloquear seu retorno e forçá-la ao exílio, um destino que já enfraqueceu líderes da oposição no passado.

Eleições contestadas

Figura mais popular da oposição, María Corina estava escondida desde agosto de 2024. Ela entrou na clandestinidade depois que Maduro disse que ela e Edmundo González, o candidato da oposição nas eleições contestadas do ano anterior, "deveriam estar atrás das grades".

Apesar disso, o governo venezuelano se absteve de emitir um mandado de prisão contra ela, embora tenha alegado que ela estava envolvida em vários planos contra Maduro e seus aliados. Mais recentemente, as autoridades acusaram María Corina de planejar o plantio de explosivos em locais públicos, incluindo a capital do país.

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Maduro, que se tornou presidente após a morte de seu antecessor e patrono Chávez em 2013, é amplamente considerado como tendo fraudado a eleição de julho de 2024 contra González, que, segundo registros apresentados pela oposição, teria obtido a maioria dos votos. O órgão eleitoral venezuelano, que declarou Maduro vitorioso no pleito, porém, não reconhece esses registros.

González tornou-se uma espécie de representante de María Corina depois que esta foi impedida de concorrer à eleição, apesar de ter sido a vencedora esmagadora das primárias da oposição no ano anterior. Ele também esteve presente na cerimônia de entrega do Nobel da Paz em Oslo.

Líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, durante comício na véspera da posse de Maduro, em Caracas

AFP

Apesar do prêmio, María Corina é vista por alguns como alguém que tolera o conflito militar para atingir seus objetivos de transição do regime autocrático de Maduro. Ela manifestou apoio ao aumento da presença militar dos EUA no Caribe e às ameaças do presidente Trump de usar a força para depor Maduro.

Em um discurso incomumente político, Jørgen Watne Frydnes, presidente do Comitê Norueguês do Nobel, criticou aqueles que apontam falhas na busca pela democracia por parte do movimento de oposição.

— Se você apoia apenas pessoas que compartilham suas visões políticas, você não entendeu nem a liberdade nem a democracia — disse ele, prosseguindo com um apelo para que Maduro "aceite os resultados e deixe o poder".

Em sua gravação, María Corina disse estar ciente de que "centenas de venezuelanos de diferentes partes do mundo" estavam em Oslo para a ocasião, assim como sua família, equipe e colegas.

— Em breve, quando eu chegar, poderei abraçar minha família e meus filhos, que não vejo há dois anos, e tantos venezuelanos e noruegueses que sei que compartilham nossos esforços — disse ela.

Com Bloomberg.