Cúpula do G20 na África do Sul adota declaração sobre crise climática apesar de boicote dos EUA

 

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A cúpula de líderes do G20 realizada na África do Sul aprovou neste sábado uma declaração sobre a crise climática e outros desafios globais. A medida foi anunciada apesar de o texto ter sido redigido sem a participação dos Estados Unidos — movimento que um funcionário da Casa Branca classificou à rede americana CNN como “vergonhoso”. No mesmo dia, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu homólogo francês, Emmanuel Macron, afirmaram que o bloco, que reúne as maiores economias do planeta, corre o risco de se tornar irrelevante caso não recupere sua capacidade de produzir consensos diante de conflitos e crises mundiais.

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Sem citar diretamente a ausência do presidente americano, Donald Trump, Lula disse que o funcionamento do G20 está “ameaçado” pelo avanço do protecionismo e do unilateralismo e advertiu que, se o grupo fracassar na busca de soluções para temas urgentes — das guerras na Ucrânia e em Gaza às crescentes desigualdades — dificilmente outra instância global terá legitimidade e diversidade suficientes para substituí-lo.

— O próprio funcionamento do G20 como instância de diálogo e coordenação está ameaçado — afirmou o presidente brasileiro. — Se não formos capazes de encontrar caminhos dentro do G20, não será possível fazê-lo em um mundo conflagrado.

Logo depois de Lula, Macron reforçou o alerta:

— O G20 está em risco e talvez chegando ao fim de um ciclo — disse o presidente francês, apontando para a ausência americana, que, segundo ele, enfraquece diretamente a credibilidade do fórum e simboliza o avanço da fragmentação internacional.

Impasse com os EUA

Trump não só boicotou a cúpula, organizada pela primeira vez em território africano, como vetou a participação de qualquer autoridade de seu governo. O republicano também rejeitou a agenda proposta pelo país anfitrião, que incluía promover solidariedade internacional e ajudar na adaptação de nações em desenvolvimento a desastres climáticos, na transição para a energia limpa e na redução dos custos excessivos da dívida.

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Com o gesto, Washington terminou por acentuar as dúvidas sobre a capacidade do grupo de manter seu papel desde 2008, quando serviu como eixo de coordenação na crise financeira global. Ainda assim, autoridades sul-africanas buscaram minimizar a importância do gesto americano, com Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, destacando que houve um “consenso esmagador” na aprovação da declaração da cúpula.

— A plataforma multilateral não pode ser paralisada pela ausência de alguém que foi convidado — disse o ministro das Relações Exteriores sul-africano, Ronald Lamola, à emissora pública SABC. — Este G20 não é sobre os EUA. É sobre todos os 21 membros do G20. Somos todos membros iguais. O que isso significa é que precisamos tomar uma decisão. Aqueles que estão aqui decidiram que é para esse rumo que o mundo deve seguir.

O rascunho do texto final foi elaborado por representantes do G20 na sexta-feira, segundo quatro fontes familiarizadas com o assunto ouvidas pela CNN. Como resultado, o documento utilizou uma linguagem há muito rejeitada pelo governo Trump: destacou a gravidade das mudanças climáticas e a necessidade de ampliar a adaptação aos seus impactos, elogiou metas ambiciosas de expansão das energias renováveis e mencionou o nível “punitivo” do serviço da dívida enfrentado por países pobres.

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A referência à mudança climática foi vista como um recado a Trump, que questiona o consenso científico de que o aquecimento global é provocado por atividades humanas. Autoridades americanas haviam sinalizado que se oporiam a qualquer menção ao tema na declaração. Desde então, a Casa Branca ainda não comentou o assunto.

— Não devemos permitir que nada diminua o valor, a estatura e o impacto da primeira presidência africana do G20 — disse Ramaphosa.

O tom firme do mandatário contrastou fortemente com a postura contida que demonstrou em sua visita à Casa Branca, em agosto, quando Trump repetiu a falsa alegação de que haveria um genocídio de fazendeiros brancos na África do Sul, ignorando as tentativas de Ramaphosa de corrigir a informação. O presidente americano justificou sua ausência na cúpula ao repetir alegações infundadas de que o governo sul-africano, de maioria negra, persegue a minoria branca.

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Os EUA sediarão o G20 em 2026, e Ramaphosa disse que terá de entregar a presidência rotativa a uma “cadeira vazia”. A Presidência sul-africana reiterou neste sábado que rejeitou a proposta americana de enviar o encarregado de negócios dos EUA para participar da transição. Vincent Magwenya, porta-voz do governo, afirmou que Ramaphosa não vai “entregar a presidência do G20 a um funcionário subalterno de embaixada” porque isso seria uma “violação de protocolo que não será aceita”.

— Os EUA escolheram boicotar a cúpula. Essa foi uma decisão deles.

‘Protecionismo e unilateralismo’

Antes da cúpula deste sábado, Lula realizou uma reunião bilateral com o chanceler alemão, Friedrich Merz, acompanhado do ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad. Em outra frente, o presidente brasileiro posou para fotos ao lado da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e do próprio Macron, afirmando que os três “reafirmaram o compromisso” com o acordo entre Brasil e União Europeia.

No discurso, Lula pontuou que G20 nasceu em resposta à crise de 2008 e que as intervenções feitas pelo fórum foram fundamentais para evitar um “colapso de proporções catastróficas”, mas ponderou que “a resposta oferecida pela comunidade internacional foi incompleta e produziu efeitos colaterais que perduram até hoje”.

— Enveredamos por uma trilha que repetiu a receita de austeridade como um fim em si mesmo, que aprofundou desigualdades e que ampliou tensões geopolíticas. Agora, o protecionismo e o unilateralismo ressurgem como respostas fáceis e falaciosas para a complexidade da realidade atual. Seus efeitos exacerbam os problemas que enfrentamos — afirmou. — Neste ano em que o planeta ultrapassou pela primeira vez o limite de 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais, a comunidade internacional se viu diante de uma escolha: continuar ou abandonar. Optamos pela primeira opção.

(Com AFP)