Comissão do Vaticano rejeita ideia de ordenar mulheres como diaconisas: 'Masculinidade de Cristo não é acidental'
A comissão instituída pelo Papa Francisco para estudar a possível admissão de mulheres ao diaconato — entendido como parte do sacramento da ordem — concluiu que, diante das pesquisas históricas e teológicas disponíveis, não é possível avançar atualmente nessa direção. O relatório final, presidido pelo cardeal Giuseppe Petrocchi e concluído em fevereiro de 2025, afirma que a avaliação é sólida, mas não encerra a discussão.
A formulação central, aprovada na segunda etapa dos trabalhos, afirma que, “à luz da Sagrada Escritura, da Tradição e do Magistério eclesiástico, esta avaliação é forte, embora não permita, até o momento, formular um julgamento definitivo, como no caso da ordenação sacerdotal”.
O documento, enviado ao Papa em setembro e agora divulgado por decisão pontifícia, encerra a segunda comissão criada pelo Vaticano para examinar o tema — uma questão discutida há décadas dentro da Igreja.
Três fases de estudo
Primeira fase (2021)
A comissão reconheceu que, ao longo da história, a Igreja utilizou o título de diácono ou diaconisa para mulheres, mas de forma variável. Registrou que “a Igreja reconheceu em diferentes épocas, em diferentes lugares e de várias formas o título de diácono/diaconisa referido às mulheres, atribuindo-lhe, porém, um significado não unívoco”.
Do ponto de vista teológico, os membros foram unânimes em afirmar que ainda há questões relevantes sobre a compatibilidade da ordenação sacramental de mulheres.
“O aprofundamento sistemático sobre o diaconato, no âmbito da teologia do sacramento da ordem, levanta questões sobre a compatibilidade da ordenação diaconal das mulheres com a doutrina católica do ministério ordenado”.
Houve também consenso sobre a necessidade de criar novos ministérios que favoreçam a colaboração entre homens e mulheres, reconhecendo que tais funções “possam contribuir para a sinergia entre homens e mulheres”.
Segunda fase (julho de 2022)
Por 7 votos a 1, foi aprovada a formulação central que exclui, por ora, a possibilidade de ordenação sacramental de mulheres ao diaconato, embora sem emitir “um julgamento definitivo”.
Terceira fase (fevereiro de 2025)
Após o Sínodo abrir espaço para contribuições externas, a comissão analisou todo o material recebido. Embora volumosos, os textos vieram de apenas 22 pessoas ou grupos, de poucos países.
Assim, o relatório adverte:
“Embora as contribuições recebidas fossem numerosas, as pessoas ou grupos que enviaram seus trabalhos eram apenas 22 e representavam poucos países. Consequentemente, embora o material seja abundante e, em alguns casos, habilmente argumentado, não pode ser considerado como a voz do Sínodo e muito menos do povo de Deus como um todo”.
Debate interno
O relatório apresenta duas linhas principais de argumentação. Defensores da ordenação feminina dizem que a exclusão das mulheres contraria princípios bíblicos e teológicos, como “a condição de igualdade entre homem e mulher como imagem de Deus” e “a igual dignidade de ambos os gêneros, baseada neste dado bíblico”. Citam ainda Gálatas 3:28: “Já não há judeu nem grego, nem escravo e livre, homem e mulher, porque todos vós sois ‘um’ em Cristo Jesus”. Mencionam também o desenvolvimento social, que garante igualdade de acesso a funções públicas.
Entre os contrários, uma das teses teológicas defendidas sustenta que o caráter masculino de Cristo e dos ordenados faz parte da identidade sacramental: “A masculinidade de Cristo, e portanto a masculinidade daqueles que recebem a ordem, não é acidental, mas parte integrante da identidade sacramental, preservando a ordem divina da salvação em Cristo. Alterar essa realidade não seria um simples ajuste do ministério, mas uma ruptura do significado nupcial da salvação.” Essa posição dividiu a comissão: recebeu 5 votos favoráveis e 5 contrários.
Impasse teológico ainda aberto
Por 9 votos a 1, a comissão manifestou desejo de ampliar o acesso das mulheres a ministérios instituídos não sacramentais, considerando que isso representaria reconhecimento adequado do serviço já prestado por fiéis leigas e teria impacto simbólico importante.
“O acesso das mulheres aos ministérios instituídos para o serviço da comunidade (...), garantindo assim também um reconhecimento eclesial adequado à diaconia dos batizados, em particular das mulheres. Esse reconhecimento se revelará um sinal profético, especialmente onde as mulheres ainda sofrem situações de discriminação de gênero”, diz o relatório.
Segundo o cardeal Petrocchi, duas visões teológicas permanecem em tensão. Uma vê o diaconato como ministério distinto do sacerdócio, o que permitiria a ordenação de mulheres. A outra sustenta que o sacramento da ordem é uno e tem significado esponsal em seus três graus; nessa lógica, admitir mulheres ao diaconato abriria caminho para sua admissão aos demais graus, o que a Igreja rejeita.
Diante desse impasse, o cardeal afirma ser necessária investigação mais profunda sobre a identidade sacramental e a função do diaconato. Ele também observa que, em algumas regiões, quase não há diáconos, enquanto em outras suas atividades se confundem com funções leigas, outro fator que dificulta conclusões definitivas.
