Câmara descumpre STF e preserva mandato de Carla Zambelli, que está presa na Itália
A Câmara dos Deputados enfrentou diretamente o Supremo Tribunal Federal (STF) na madrugada desta quinta-feira ao preservar o mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP), condenada em processo já encerrado por participação na invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Na comunicação enviada à Mesa Diretora, o STF determinou expressamente a perda imediata do mandato, como efeito automático da sentença, seguindo a jurisprudência consolidada da Corte desde o caso Daniel Silveira. Mesmo assim, o plenário rejeitou a cassação e produziu, na prática, um descumprimento frontal da ordem judicial.
O arquivamento ocorreu num plenário esvaziado, após o parecer do relator Cláudio Cajado (PP-BA) somar 227 votos, abaixo do mínimo constitucional de 257 votos (maioria absoluta) exigido para perda de mandato por decisão política da Câmara.
A articulação que garantiu o desfecho favorável para a parlamentar incluiu partidos do Centrão, que liberaram suas bancadas para votarem como desejavam. Entre os deputados, a avaliação é de que a derrota foi do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), que tentou elevar o quórum da sessão, mas sem êxito.
Como a cassação não foi formalizada, a Mesa considerou o processo disciplinar encerrado, criando um impasse jurídico imediato: o STF entende que a perda do mandato decorre automaticamente de condenação criminal transitada em julgado, enquanto a Câmara sustenta que o artigo 55 da Constituição impõe ao plenário a competência final — ainda que o Supremo, desde o caso Daniel Silveira, reitere que a cassação é um efeito necessário da sentença.
Essa tensão jurídica ficou evidente nas intervenções que antecederam o resultado. Motta afirmou que a Casa cumpriu todos os requisitos regimentais e que a votação em plenário era inevitável após meses de idas e vindas na CCJ:
— Ao longo de 62 sessões, todos os prazos foram extrapolados na CCJ. Nós decidimos levar ao plenário, que é a instância que pode deliberar.
Na visão de Cajado, o parecer derrotado, a cassação era a única resposta institucional capaz de compatibilizar a separação de poderes com a execução da pena imposta pelo Supremo. O relator ressaltou que, diante de condenação a 10 anos de prisão em regime inicial fechado, a permanência de Zambelli no cargo “criaria uma ficção jurídica”: ela está presa na Itália, não comparece às sessões, não atua em comissões, não protocola proposições e tampouco pode fiscalizar o Executivo.
O parecer mencionava ainda que a Câmara, ao se omitir, poderia violar o princípio da moralidade administrativa e afrontar a própria natureza do mandato popular, tese que ecoa precedentes do STF no caso Natan Donadon (2013) e reforçada na decisão sobre Daniel Silveira (2022), quando a Corte afirmou que não cabe ao Legislativo “revisar” penalidades impostas pelo Judiciário.
A defesa da deputada, exercida pelo advogado Fábio Pagnozzi, baseou-se justamente no ponto de atrito constitucional: segundo ele, a Câmara não estaria obrigada a cumprir automaticamente a determinação do STF e deveria decidir politicamente. Na sessão de hoje, o advogado afirmou:
— Ouço que não cassar estaria descumprindo decisão judicial. Isso é verdade, mas se houvesse provas contra ela. Hoje, cerca de 100 deputados respondem a processos no STF. Se cassam a Carla Zambelli, abre um precedente.
Pagnozzi buscou afastar a tese de que a execução da pena acessória depende apenas da comunicação do Supremo. O argumento, no entanto, contraria diretamente decisões recentes da Corte que determinaram a perda por declaração da Mesa do mandato em condenações por crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Zambelli, embora tivesse direito a participar por videoconferência, não o usou. Seu filho, João, afirmou ao GLOBO que a documentação exigida para habilitação era extensa e não foi reunida a tempo.
O resultado, seguido da proclamação do arquivamento, foi recebido com festividade pela oposição. Deputados cantaram “Parabéns pra Você” em homenagem ao filho de Zambelli, que completava 18 anos na data. João chegou em Brasília na terça-feira e participou das conversas para preservar o mandato da mãe.
Agora, o desfecho deve seguir para um novo capítulo jurídico: o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), anunciou que vai acionar o STF com um mandado de segurança, para obrigar a Mesa Diretora a intervir.
O presidente da Câmara foi amplamente criticado por não ter aplicado a cassação diretamente pela Mesa — como defendiam setores da base — e enviou o caso à CCJ, gesto que alongou o trâmite, ampliou o espaço de defesa e deslocou o desgaste político para o colegiado e o plenário.
Zambelli está presa desde julho, após ser detida em Roma quando seu nome entrou na difusão vermelha da Interpol. Ela deixou o Brasil depois de esgotar recursos na ação penal que apura a invasão ao sistema do CNJ.
Dia começou com derrota
Para quem acompanhou a manhã na CCJ, este desfecho parecia impossível. No início da quarta-feira, o União Brasil mudou a composição de integrantes do colegiado e derrubou o parecer que absolvia Zambelli, do relator Diego Garcia (Republicanos-PR). No lugar, aprovaram o parecer de Cajado, que foi derrotado em plenário.
Apesar da manobra no colegiado, o União Brasil liberou a bancada no plenário. Mais da metade da bancada, exatos 23 deputados, se posicionaram a favor de Zambelli.
Com o final da votação, o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), festejou e disse ter conseguido um "milagre".
