Brasil tem 28 milhões de não usuários de internet: como diminuir esse número?

 

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A edição mais recente da pesquisa TIC Domicílios apontou que 28 milhões de brasileiros não usam a internet. Mesmo em queda, o número reforça uma barreira que separa boa parte da população de uma era digital, na qual boa parte das interações e até serviços governamentais se concentram na web. Um a cada três brasileiros já usa IA generativa, aponta pesquisa Por que uma parcela dos brasileiros ainda não usa IA? Entenda motivos Além dessa separação principal, os dados podem evidenciar outro cenário preocupante: a qualidade do acesso à web entre os brasileiros. A pesquisa aponta que 85% da população é usuária de internet, mas a experiência é diferente de acordo com fatores socioeconômicos.  O Canaltech conversou com especialistas para entender os caminhos necessários para reduzir o número de não usuários e as estratégias para garantir um serviço de qualidade em todo o Brasil. A seguir, confira: -Entre no Canal do WhatsApp do Canaltech e fique por dentro das últimas notícias sobre tecnologia, lançamentos, dicas e tutoriais incríveis.- Quem não usa internet Parcela de desinteresse Conectado, mas até qual ponto? Como derrubar as barreiras Quem não usa internet A pesquisa considera como não usuária a pessoa que não acessou a web pelo menos uma vez nos últimos três meses. A metodologia faz parte de um conjunto de regras global desenvolvido pela União Internacional de Telecomunicações, órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU). Essa parcela é proporcional às maiores concentrações de população no Brasil: 23 milhões de pessoas vivem em áreas urbanas, enquanto a maioria está localizada nas regiões Sudeste e Nordeste. Pessoas do sexo masculino e identificadas como pretas ou pardas formam maioria no grupo que não acessa a web — no âmbito econômico, a maior parte pertence às classes D e E. O recorte socioeconômico, inclusive, acende um sinal de alerta diante da constante digitalização do Brasil. Serviços sociais direcionados à população mais vulnerável operam no ambiente digital, como é o caso do Gov.br para acessar benefícios ou do Meu SUS Digital para acessar serviços do Sistema Único de Saúde (SUS).  A Doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP e coordenadora de pesquisa do centro InternetLab, Stephanie Lima, reforça a importância desses serviços e a necessidade de levá-los para toda a população.  "Todos nós precisamos usar o Gov.br, para fazer inúmeras coisas: acessar o INSS, o SUS. Você também precisa do celular e de um aplicativo do governo. E sabemos que a maioria das pessoas que precisam acessar esses aplicativos são pessoas de classes populares”, comenta. Principais dados da pesquisa TIC Domicílios sobre os não usuários de internet no Brasil (Imagem: Danilo Berti/Canaltech) Parcela de desinteresse Outro fator importante é a faixa etária: mais da metade dos não usuários têm 60 anos ou mais. Para o coordenador da pesquisa TIC Domicílios, Fabio Storino, isso reflete uma parcela da população que cresceu sem a tecnologia e não necessariamente tem interesse em usá-la. “É um grupo que não nasceu, não cresceu com a internet, não tem interesse nisso. Por mais que se esforcem as políticas de inclusão digital, são pessoas que não têm interesse e possivelmente nunca vão se conectar”, explica.  Os dados dão força à tese: “falta de interesse ou necessidade” foi o segundo motivo mais comum para justificar a falta de acesso entre os não usuários, atrás apenas da opção “não saber usar”. O argumento teve maior adesão entre os entrevistados com pelo menos 60 anos de idade. Conectado, mas até qual ponto? A estimativa da TIC Domicílios é de que 168 milhões de brasileiros usem a internet com certa frequência. Em 2025, 86% dos domicílios estão conectados — o número era de 51% há 10 anos.  Existe um aumento no acesso à web, mas isso nem sempre representa uma distribuição do mesmo nível para todos os brasileiros.  O Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), responsável pela pesquisa nacional, aborda um conceito chamado conectividade significativa, na qual entende que fornecer o acesso não é suficiente, mas também é necessário proporcionar uma experiência estável e de qualidade para todas as pessoas. O conceito se baseia em quatro fatores principais — velocidade, dispositivo, frequência de uso e franquia de dados. Fabio Storino explica que existem dois desafios principais no país: universalizar a internet para todas as pessoas que queiram se conectar e garantir uma conexão de qualidade. “A internet não é a mesma para todos que venceram a barreira de ter a conexão. Imagine uma pessoa que tem recursos financeiros, classe A, que mora numa região que tem oferta de uma internet rápida por fibra ótica, sem cair o sinal, pode navegar à vontade e que acessa de um computador ou dispositivo de tela grande.  Compare com uma pessoa que só acessa por meio de um telefone celular, uma tela pequena, mais limitada, com uma conexão móvel, exclusivamente móvel, um plano limitado, um plano pré-pago, com algumas áreas, algumas regiões que ela circula que não tem sinal, não pega o celular. As duas estão conectadas, mas a diferença de qualidade de conexão é muito grande”, destaca Fabio Storino, coordenador da pesquisa TIC Domicílios. A coordenadora de pesquisa do InternetLab, Stephanie Lima, aponta alguns fatores que são barreiras para a conectividade significativa. Um deles é o acesso disponível apenas por redes móveis, sujeitas a instabilidades no sinal e limites de franquia de dados, enquanto outro envolve o tipo de aparelho usado — normalmente, os celulares. “Quando você olha,com mais atenção para qual é o dispositivo que as pessoas estão usando, você percebe que pessoas das classes mais baixas, mulheres e negras, só acessam a internet via celular. O fato de você usar exclusivamente pelo celular tem uma limitação da qualidade de acesso ao serviço. As classes mais altas podem acessar pelo computador ou com uma rede mais estável por conta da infraestrutura disponível”, comenta. Como derrubar as barreiras O fim das barreiras passa por questões de infraestrutura, acesso a uma rede de qualidade e ensino de habilidades para gerenciar sites e aplicativos.  Fábio Storino, da TIC Domicílios, pontua que a porcentagem de brasileiros com acesso à internet provavelmente não chegará a 100% no futuro por conta da parcela de pessoas sem interesse na tecnologia, mas esse não é o maior problema. “Nós devemos nos aproximar da universalização. Não sei se é importante chegar nos 100%. O importante é que todos aqueles que queiram se conectar possam se conectar”. Celular é forma de acesso predominante à internet no Brasil, mas isso pode incluir barreiras de conexão (Imagem: Freepik) O advogado do coletivo jurídico AqualtuneLab, José Vitor Pereira, entende que existem políticas públicas que podem ser direcionadas para garantir a conectividade significativa no Brasil. Além da oferta do sinal, as iniciativas também passam pelo uso de diferentes dispositivos e disponibilidade de locais que ofereçam sinal de qualidade.  O primeiro ponto seria enfrentar a barreira econômica dos planos de internet com opções mais acessíveis. “A gente tem uma assimetria de modo que planos mais caros acabam tendo o valor por GB de internet menor do que planos mais baixos”, defende. Outro fator envolve facilitar o acesso a dispositivos que vão além do celular, como computadores que permitam executar tarefas diferentes com outra experiência de usuário. José Vitor Pereira também argumenta que há uma necessidade de espaços públicos que forneçam sinal de qualidade e aparelhos para uso.  “Nem sempre o acesso à internet pode ser exclusivamente do ambiente residencial. É preciso também estruturar espaços públicos de ambiente de uso de internet, com bibliotecas e espaços culturais para garantir esse acesso para eventuais pessoas que não tenham esse acesso, ou para quem tem apenas o celular poder acessar grandes telas”. Por fim, o advogado considera importante desenvolver as habilidades digitais para garantir segurança, privacidade e domínio das ferramentas disponíveis. “Incentivar um letramento digital básico para você fazer todos os serviços que a internet disponibiliza: ampliar usos éticos e educativos com IA, fazer transferências econômicas e se comunicar”, completa. Leia também: 63% dos brasileiros estão insatisfeitos com a internet de casa, diz pesquisa Por que a internet conecta continentes com cabos submarinos e não satélites? Como a Internet funciona? Entenda o que acontece ao acessar um site ou app VÍDEO: A batalha da produtividade: Por que o PC sobrevive ao Android 16 e ao Gemini 3   Leia a matéria no Canaltech.