Auxiliares usam pesquisas para tentar fazer Lula seguir script após declarações sobre segurança pública repercutirem mal
Com sua trajetória política marcada pelos discursos em tom emocional, muitas vezes espontâneos, o presidente Lula tem demonstrado dificuldade, neste terceiro mandato, de seguir roteiros previamente acertados com seus auxiliares. O resultado, em alguns casos, tem sido declarações que acabam repercutindo negativamente, afetando sua popularidade. A menos de um ano da eleição, o comportamento acendeu um alerta no governo, que tem demonstrado preocupação com as escorregadas do titular do Palácio do Planalto.
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Auxiliares dizem saber que não há como controlar totalmente as falas de Lula. Reconhecem que caso siga apenas os scripts, o presidente poderia perder a espontaneidade, considerada um dos pontos fortes de sua atuação política.
Diante desse diagnóstico,o plano, de olho na eleição do ano que vem, é tentar controlar as manifestações do petista repassando a ele informações baseadas em pesquisas para reduzir os deslizes.
O caso mais recente envolveu a operação policial promovida pelo governo do Rio nos complexos da Penha e do Alemão, no fim de outubro, que deixou 121 mortos. Ao falar pela primeira vez sobre o tema, uma semana depois do ocorrido, o presidente tratou a ação como “desastrosa” e ainda afirmou que houve uma “matança”. A declaração foi dada em uma entrevista para agências internacionais.
Até então, o governo vinha adotando uma linha mais cuidadosa, sem críticas diretas à operação, que, segundo pesquisas, foi majoritariamente apoiada pela população. Em uma postagem em seus perfis nas redes sociais no dia 29, Lula dizia que “não podemos aceitar que o crime organizado continue destruindo famílias, oprimindo moradores e espalhando drogas e violência pelas cidades”, e defendeu a necessidade de trabalho integrado que “atinja a espinha dorsal do tráfico sem colocar policiais, crianças e famílias inocentes em risco”.
A posterior mudança de tom de Lula não estava acertada com os auxiliares. O plano era que o presidente criticasse o fato de a ação promovida pela polícia do governador Cláudio Castro (PL) não ter cumprido os objetivos de prender os principais líderes do Comando Vermelho. O argumento era que a operação, mesmo com as mortes e prisões, não quebrou a espinha dorsal do tráfico de drogas nos complexos do Alemão e da Penha. O desejo era que Lula dissesse que a operação serviu apenas para “enxugar gelo”.
Mas a frase sobre a “matança” não estava alinhada à estratégia da Secretaria de Comunicação Social (Secom), comandada pelo ministro Sidônio Palmeira. Imediatamente, a manifestação do presidente passou a ser usada pela oposição para propagar que o governo defende bandidos.
Logo após a declaração, a equipe de comunicação do petista fez uma postagem nas redes sociais de Lula com o intuito de tentar reduzir o impacto da fala. A mensagem exaltava ações do governo federal na área da segurança pública.
Pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta semana mostra que 57% da população discorda da declaração em que Lula considera a operação no Rio “desastrosa”.
A Quaest avalia que a preocupação com a segurança pública despertada pela operação policial no Rio brecou a tendência de melhora da popularidade de Lula que vinha sendo registrada desde julho. A aprovação do governo, que era de 48% em outubro, oscilou para 47% no levantamento divulgado na quarta-feira. A desaprovação foi de 49% para 50%.
Além de declarações polêmicas, o estilo de Lula tem atrapalhado a estratégia política definida para dar mais impacto para suas ações. Em 23 de outubro, na Indonésia, o petista anunciou que irá concorrer a um novo mandato e atropelou todo o planejamento que vinha sendo discutido pelo governo e pelo PT para dar relevância à decisão. Embora a tentativa de reeleição já tivesse sido tratada anteriormente, foi a primeira vez que ele falou do assunto sem colocar ressalvas, como sua saúde.
Impacto eleitoral
A principal preocupação está no fato de que falas mal colocadas têm impacto maior nas avaliações de governo e na intenção de voto feitas da parcela do eleitorado que não se declara nem petista nem bolsonarista. Em um cenário de polarização, essa fatia da população é considerada decisiva no ano que vem.
O diretor da Quaest, Felipe Nunes, diz que esse eleitorado, que representa cerca de 10% da população, apoiou as ações do governo de defesa da soberania nacional contra o tarifaço imposto aos produtos brasileiros pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em julho:
— Quando a gente olha o dado (das pesquisas) por dentro percebe que é o eleitor independente que está mudando de opinião. Era aquele eleitor que apoiava o governo na soberania e agora fica contra o presidente no tema da violência. Temos evidência que a segurança pública produziu efeito.
Antes da operação no Rio, Lula já havia enfrentado desgaste ao afirmar que os traficantes de drogas são “vítimas dos usuários”.
