Antônio Gois: desigualdade de oportunidades entre adultos

 

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Desde a primeira infância até o mercado de trabalho, oportunidades de formação e qualificação são distribuídas desigualmente, reforçando disparidades que vêm de berço e nada têm a ver com mérito ou esforço pessoal. Essa mensagem foi reforçada em novo relatório da OCDE, lançado na semana passada, com foco nas competências e habilidades de adultos (Skills Outlook 2025). O Brasil não participou do levantamento, mas não há dúvida — a partir do que temos de evidência de estudos nacionais — que as conclusões se aplicam também ao nosso caso.

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Uma das conclusões mais relevantes do estudo da OCDE é o fato de o nível socioeconômico (escolaridade e renda dos pais) ser o principal fator a explicar diferenças nas competências e habilidades dos adultos. Este é um fator sobre o qual indivíduos não têm nenhuma ingerência, e é algo verificado também nas análises sobre os determinantes do desempenho escolar.

Aliás, antes mesmo do ingresso no ensino primário, diferenças significativas — e que nada têm a ver com esforço ou mérito — já são identificadas em crianças de 5 anos. O relatório cita que, nessa idade, filhos de pais de menor renda e escolaridade apresentasm atrasos em seu desenvolvimento cognitivo de até 20 meses de diferença na comparação com aqueles que tiveram a sorte de nascer num lar mais privilegiado do ponto de vista socioeconômico. O acesso a políticas eficazes na primeira infância é capaz de diminuir ou mesmo eliminar esses atrasos nos primeiros anos de vida. Mas isso demanda ações intersetoriais e de qualidade. Evidências de que isso é possível são alvissareiras, mas o desafio é que não basta resolver apenas as disparidades nesta etapa.

Também no ensino primário e secundário o acesso a oportunidades é desigual, fato já conhecido, mas que não pode ser naturalizado. O estudo da OCDE mostra, porém, que o mesmo se dá na vida adulta, em relação a programas de treinamento profissional. Adultos que nasceram em lares com pais mais ricos e escolarizados também têm mais acesso a oportunidades de qualificação e requalificação.

Outra constatação do estudo é que indivíduos com background familiar similar e com mesmo nível de competências e habilidades apresentam níveis de renda parecidos no mercado de trabalho. É um resultado, de certa forma, esperado, mas que não se verifica quando a comparação é feita entre homens e mulheres. Ou seja, mesmo apresentando características similares e mesmo nível de habilidades, mulheres, ainda assim, recebem menos do que os homens no mercado de trabalho. Há várias possíveis explicações para isso, e uma das mais relevantes é a segregação ocupacional, ou seja, o fato de elas estarem sub-representadas em carreiras de maior prestígio econômico.

Nenhum país do mundo conseguiu eliminar por completo desigualdades. Essa é, provavelmente, uma meta impossível. Diferenças resultantes da competência, esforço ou de escolhas pessoais vão sempre influenciar os resultados em qualquer área. O problema não está aqui, mas, sim, na distribuição desigual das oportunidades. É nisso que políticas públicas precisam atuar, buscando corrigir injustas desigualdades herdadas de berço e perpetuadas ao longo da vida.