
Angústia e esperança marcam últimas horas antes da libertação de reféns em Israel

Enquanto o relógio avança rumo ao meio-dia de segunda-feira em Israel (6h da manhã em Brasília), famílias de reféns vivem horas de expectativa, medo e esperança. Após quase dois anos de cativeiro e guerra, 48 reféns — dos quais 20 estariam vivos — devem ser libertados até o fim da manhã, como parte da primeira fase do cessar-fogo entre Israel e o Hamas.
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A praça que se tornou símbolo dessa espera, conhecida como Praça dos Reféns, no coração de Tel Aviv, voltou a se encher neste fim de semana. Centenas de pessoas, entre familiares, voluntários e simpatizantes, se reuniram em um misto de vigília e celebração contida, enquanto contavam os minutos para o início das libertações.
O ambiente, carregado de emoção, refletia a exaustão de 700 dias de luta e luto. “Cada segundo parece durar uma eternidade”, disse Ofir Braslavski, pai de Rom, um dos jovens sequestrados e vistos em agosto em um vídeo divulgado pelo grupo Jihad Islâmica Palestina, no qual reféns apareciam abatidos e em lágrimas. “Estamos apenas esperando a ligação — para ir ao ponto de encontro e depois ao hospital”, contou à CNN.
Braslavski, que por meses manteve uma expressão de desespero, voltou a sorrir pela primeira vez em dois anos. “Não quero pensar em política. Só quero paz. Acredito que agora, com tudo o que aconteceu, as coisas vão melhorar”, afirmou.
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Embora muitos familiares critiquem o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, a quem atribuem o atraso nas negociações e a politização da tragédia, o tom predominante neste fim de semana era o da esperança, não o da raiva. Entre bandeiras israelenses e americanas, a praça exibia cartazes de agradecimento ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cuja pressão foi decisiva para convencer Netanyahu a aceitar o primeiro estágio do acordo.
Uma trégua que mistura alegria e luto
Em meio à multidão, famílias distribuíam biscoitos caseiros em bandejas com o letreiro “Sabor da Alegria”. Crianças caminhavam entre adultos oferecendo doces e abraços, enquanto desconhecidos se tornavam amigos — unidos pela mesma espera. “Estamos aqui uns pelos outros”, dizia um cartaz.
A cena contrastava com o peso dos últimos meses, marcados por protestos e funerais. Entre os presentes, Michel Illouz, cujo filho Guy, de 26 anos, foi morto em cativeiro pelo Hamas, foi cercado por abraços de estranhos depois de contar que ainda guarda a última mensagem do filho, enviada do festival Nova, onde foi sequestrado.
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Dois pais — um esperando o corpo, outro o abraço — representavam a contradição israelense entre o luto e a esperança. “É impossível explicar essa conexão. Não existe em nenhum outro lugar”, disse Braslavski. “Quem perdeu alguém continua vindo aqui… é algo difícil de entender.”
Illouz descreveu o momento como “um pesadelo confuso, misturado com alegria”. “Estou muito feliz pelos que vão rever seus filhos”, disse. “Mas também preciso encontrar um espaço para a minha tristeza. É muito doloroso.”
Enquanto aguarda o retorno dos restos mortais de Guy, Illouz confessa temer o que virá:
“Não sei o que vou receber… que tipo de ossos. Tenho medo de reconhecer. E depois, de enterrá-lo. É o começo de uma longa, longa jornada.”
Incertezas e ausências
Na sexta-feira dia 10, Netanyahu admitiu publicamente pela primeira vez que nem todos os reféns mortos em Gaza poderão ser recuperados.
Fontes israelenses afirmam que o Hamas pode desconhecer a localização de alguns corpos ou ser incapaz de devolvê-los. Ao menos 28 reféns permanecem desaparecidos.
Entre os degraus da biblioteca ao lado da praça, Simcha Cohen, integrante de uma ONG de apoio a pais enlutados, também viveu um reencontro difícil.
Ela perdeu o filho por suicídio anos atrás e, desde o ataque de 7 de outubro de 2023, não havia voltado à praça. “Ainda não estou feliz”, disse. “Talvez amanhã, quando eles voltarem para casa.”
Mas Cohen sabe que a alegria será breve e manchada pelo trauma. Com lágrimas nos olhos, apontou para a foto de Roi Shalev, que viu sua companheira morrer no festival Nova e tirou a própria vida na sexta-feira, poucas horas depois do início do cessar-fogo. “A dor continua chegando”, murmurou.
À espera do reencontro
Dentro da biblioteca, a família de Ofer Kalderon — ex-refém libertado em fevereiro durante o cessar-fogo anterior — acompanhava o novo acordo com apreensão.
Kalderon foi sequestrado do kibutz Nir Oz em 7 de outubro de 2023 e passou quatro meses em cativeiro. Sua cunhada Sharon disse que cancelou todos os compromissos familiares para estar novamente na Praça dos Reféns:
“Essas famílias estiveram conosco quando Ofer voltou. Agora é nossa vez de apoiá-las, de abraçá-las e esperar com elas.”
Na noite de domingo, a praça seguia cheia, iluminada por velas e câmeras. As famílias, agarradas a celulares e listas de nomes, esperavam a chamada que pode mudar suas vidas.
“Esperamos, esperamos, esperamos”, repetiu Sharon, olhando para o telão que projetava os rostos dos reféns — rostos que, com sorte, voltarão a ser vistos, agora, fora das sombras de Gaza.