Análise: Votos de populista podem decidir 2º turno entre comunista e ultradireitista no Chile
A eleição presidencial do Chile será decidida em segundo turno, colocando frente a frente a candidata comunista Jeannette Jara, apoiada pelo presidente Gabriel Boric, e o ultradireitista José Antonio Kast, que tenta pela terceira vez chegar ao Palácio La Moneda. Com 99% dos votos apurados, Jara garantiu a liderança, com 26,85% dos votos válidos, contra 23,92% de Kast, mas a curta margem de vantagem, menor do que o previsto por institutos de pesquisa, criaram um cenário mais favorável ao candidato opositor, segundo analistas — que indicam que o resultado do pleito de 14 de dezembro passa pelo comportamento do eleitorado do surpreendente terceiro colocado antissistema, Franco Parisi, que afirmou que não apoiaria nenhuma candidatura.
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Disputa definida: Jara e Kast se enfrentarão no segundo turno das eleições presidenciais do Chile
O clima entre as campanhas de Jara e Kast eram inversos às suas colocações na noite de domingo. A candidata comunista, mesmo em primeiro lugar, teve um resultado aquém do previsto em pesquisas — que indicavam um percentual de 28,58% dos votos no começo de novembro, com vantagem de quase 10 pontos percentuais em relação ao segundo colocado. A votação, inferior ao índice de aprovação do governo, de 30%, motivou preocupação entre os eleitores.
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— Temos um pouco de medo do que vem pela frente. Os outros candidatos são em sua maioria de direita. Possivelmente, os votos também irão para Kast no segundo turno — disse Katherine González, uma dentista de 29 anos, no ponto de concentração dos apoiadores da candidata de esquerda, no centro de Santiago.
Em um comício no leste da capital chilena, Kast atacou Jara e Boric, e declarou que o resultado nas urnas configurava uma vitória da oposição sobre as forças governistas — o Senado ficou dividido pela metade entre direita e esquerda, enquanto siglas de direita conquistaram a maioria das cadeiras na Câmara. O ultradireitista conquistou cerca de 4 pontos percentuais a mais do que se esperava dele, segundo o último levantamento do Radar Electoral.
Analistas apontam que mais de 50% dos eleitores depositaram seus votos em candidatos de direita na disputa presidencial, o que cria um cenário mais favorável a Kast do que a Jara para a continuidade do processo. Dois candidatos derrotados no primeiro turno, Johannes Kaiser e Evelyn Matthei, declararam apoio ao candidato de ultradireita ainda na noite de domingo — somados, ambos tiveram cerca de 3,3 milhões de votos, mais de 26% do total de votos válidos.
— Se Kast conseguir converter todos os votos de Kaiser e de Matthei, o que pode parecer mais simples do que é na prática, porque houve muito eleitor de centro-esquerda que apoiou Matthei, já terá grande parte do trabalho adiantado — avaliou o professor de Administração Pública Roberto Munita, da Universidade Andrés Bello, em declaração ao jornal chileno El Mercurio.
José Antonio Kast abraça a esposa e cumprimenta apoiadores após resultado do 1º turno no domingo
Marvin Recinos/AFP
Embora aponte que a assimilação dos votos não é automática, Munita avalia que Jara tem uma "tarefa difícil", porque qualquer chance de sucesso no segundo turno passa necessariamente por converter votos de direita para a esquerda — sendo incontornável a conquista do eleitorado do populista de direita Franco Parisi, terceiro colocado na disputa presidencial com mais de 2,5 milhões de votos (19,69% dos votos válidos).
Parisi é uma figura polêmica na política chilena. Em 2021, candidatou-se à Presidência, mas fez toda a campanha a partir dos EUA, enquanto enfrentava um processo judicial no Chile por não pagamento de pensão alimentícia. Naquela oportunidade, ele conquistou 12,8% dos votos. Ainda assim, não figurava na campanha atual como uma candidatura relevante, sequer aparecendo nas principais pesquisas de intenção de voto.
Apostando em um eleitorado mais "apolítico" no polarizado ambiente do país, Parisi se pautou por uma defesa de linha-dura no combate ao crime e à imigração ilegal — duas pautas que estavam no topo da lista de preocupação dos chilenos. Entre as propostas citadas na campanha, ele mencionou a instalação de minas antitanques nas fronteiras para impedir a entrada de pessoas sem documentos, o envio de militares às ruas e o lema "balas ou prisão para criminosos".
Em contrapartida, o candidato defendeu que o Chile não é "nem comunista nem fascista", e incluiu em suas propostas o reembolso do imposto sobre valor agregado (IVA) em medicamentos — uma medida que tem o apoio do eleitorado de esquerda.
Jeannette Jara discursa a apoiadores em Santiago: margem apertada de vitória no 1º turno é motivo de preocupação
Rodrigo Arangua/AFP
Em um discurso após a divulgação dos resultados eleitorais no domingo, Parisi criticou os institutos de pesquisa — a quem chamou de terroristas — e disse que não daria "carta branca" a Jara ou a Kast no 2º turno.
— Tenho más notícias para os candidatos: Eles terão que conquistar os votos nas ruas — disse.
Como os demais candidatos no pleito, Eduardo Artés, Harold Mayne-Nicholls e Marco Enríquez-Ominami, que concorreram como independentes, somaram apenas 3% dos votos válidos, analistas chilenos afirmam que qualquer estratégia de Jara para alcançar a vitória passa por conquistar os eleitores de Parisi. Em uma declaração na noite de domingo, a candidata comunista elogiou a proposta do candidato sobre reembolso do IVA sobre medicamentos.
— [Jara] precisa necessariamente buscar uma forma de chegar a Parisi e seus 20% — disse o analista político Felipe Vergara, da UNAB, apontando que a margem dentro do próprio campo da esquerda está reduzido.
O caminho para conquistar esta fatia do eleitorado, porém, não é simples. Para Vergara e Munita, Jara teria que se afastar de Boric e mostrar ao eleitorado que seu eventual governo não seria um projeto de continuidade. Além disso, em se tratando do eleitorado de Parisi, avaliam que seria positivo para ela tentar incorporar propostas dos demais candidatos;
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— Jara não só deve se distanciar do governo, como deve ser extremamente crítica, tal como tem sido Parisi. A pergunta é se será crível para a opinião pública que alguém que até pouco tempo atrás foi ministra do governo agora adote um discurso tão desafiador. Esse ponto pode jogar contra ela por uma questão de coerência — disse Mutani.
Miguel Ángel López, analista político da Universidad de Chile, acrefita que além de tentar atrair os votos de Parisi, Jara também poderia tentar chegar aos eleitores "mais ao centro" de Evelyn Matthei. Para tal, o analista avalia que seria necessário ajustes mais profundos.
— [Implicaria] fazer algumas mudanças em seu programa de governo e tentar se mover muito mais ao centro — disse.
O destino de Kast está menos arraigado ao eleitorado de Parisi — ou ao menos a uma declaração de apoio direta do candidato —, segundo os analistas.
— Já que conta com o apoio dos votos de Kaiser e da maioria dos de Matthei, é provável que [Kast] não precise fazer grandes concessões a Parisi — disse Eric Latorre, analista político e diretor do mestrado em governo e direção pública da Universidad Autónoma. — [Kast] poderia atrair de 20% a 30% de seus eleitores [de Parisi], o que seria suficiente para vencer. (Com El Mercurio e AFP)
