Análise: com informações limitadas sobre alvos bombardeados no Caribe, EUA ignoram lições de guerra ao terror
Em décadas de guerra contra grupos terroristas e insurgentes, as agências militares e de espionagem dos Estados Unidos aprenderam que, para derrubar uma rede, primeiro precisavam entendê-la. Isso muitas vezes significava prender pessoas do "baixo clero" que poderiam levá-los aos líderes das organizações. Embora tenham obtido sucesso, também cometeram erros, às vezes atingindo o alvo errado ou causando danos colaterais, irritando as populações locais e criando mais oponentes do que os que foram eliminados. Como isso, os órgãos americanos trabalharam para criar dossiês de inteligência detalhados, para que os civis que aprovavam os ataques pudessem ter confiança em quem estava sendo alvo e ver com clareza as possíveis consequências indesejadas de um ataque. Mas essas lições da longa guerra contra o terror parecem ter sido deixadas de lado, já que o governo Trump ataca barcos no Caribe e no Pacífico — que, segundo ele, transportam drogas — sem saber quem especificamente está sendo morto, ou sequer mirando o alto escalão dos cartéis.
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Em vez disso, as Forças Armadas dos EUA mataram, na melhor das hipóteses, pessoas de baixo escalão, cujo papel no tráfico de drogas talvez fosse receber pagamento para transportar cocaína de um lugar para outro. E, na pior das hipóteses, algumas das pessoas mortas poderiam ser pescadores, migrantes ou outras pessoas que não tinham nada a ver com o narcotráfico. Desde o início de setembro, pelo menos 22 bombardeios deixaram mais de 80 mortos.
O presidente Donald Trump e o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, um dos principais entusiastas da ofensiva militar na região, agora enfrentam a primeira denúncia formal na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A medida foi protocolada junto à Corte pela família de Alejandro Carranza, pescador colombiano morto em setembro durante um dos ataques.
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A família de Alejandro Carranza, pescador colombiano morto em setembro durante um ataque dos Estados Unidos no mar do Caribe, apresentou uma denúncia formal à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Trata-se da primeira queixa conhecida contra as operações americanas conduzidas na região e no Pacífico sob ordens do presidente Donald Trump.
O documento sustenta que o pescador foi vítima de uma execução extrajudicial em 15 de setembro, quando o barco em que navegava foi atacado pela força militar dos EUA na costa da Colômbia. Segundo o advogado americano de direitos humanos Dan Kovalik, que atua em nome da esposa e dos filhos de Carranza, o homem pescava marlim e atum, sua ocupação habitual. O presidente colombiano, Gustavo Petro, declarou anteriormente que o pescador não tinha vínculos com o narcotráfico e que sua embarcação havia acionado um sinal de emergência por falha no motor.
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Em declarações públicas, o presidente americano defendeu que o ataque de 15 de setembro matou três “narcoterroristas venezuelanos” que estariam transportando drogas para os EUA. E a denúncia se vale desse posicionamento do republicano para o apontar como "validador" da conduta de Hegseth, que teria sido quem ordenou o bombardeio.
— Tradicionalmente, nossos esforços de combate às drogas sempre tiveram como alvo a cabeça da cobra — disse o deputado Jim Himes, de Connecticut, principal democrata do Comitê de Inteligência da Câmara. — Isso é obviamente o oposto disso. Agora estamos indo atrás da cauda da cobra. Estamos atrás de alguns ex-pescadores pobres que aceitaram US$ 300 (R$ 1500) para transportar uma carga de cocaína para Trinidad e Tobago.
O deputado Jim Himes, de Connecticut, principal democrata do Comitê de Inteligência da Câmara, alertou sobre as repercussões negativas dos ataques dos EUA
Tierney L. Cross/New York Times
Os ataques também estão em desacordo com qualquer esforço para entender os cartéis que transportam as drogas. Desmantelar uma rede, segundo especialistas, requer capturar pessoas e interrogá-las para descobrir os financiadores e líderes. Ao explodir os barcos, os Estados Unidos também estão destruindo as informações e as provas.
— Se o que você queria era acabar com o tráfico de drogas, obviamente não é isso que você estaria fazendo — disse Annie Pforzheimer, ex-diplomata sênior dos EUA especializada em combate ao narcotráfico durante sua carreira. — Porque você estaria capturando as pessoas nos barcos, transformando-as no próximo nível da organização, transformando essas pessoas no próximo nível e chegando ao topo.
Os militares sabem que alguém nos barcos tem conexão com um cartel de drogas e têm algum nível de confiança de que há drogas nas embarcações, de acordo com pessoas familiarizadas com os briefings confidenciais dos militares. Mas na maioria, senão em todos os ataques, o Pentágono não sabe exatamente quem está matando, disseram essas pessoas.
