Advogado de ex-sócios de 'Faraó dos Bitcoins' e capacete de grafeno: a vida de Flávio Bolsonaro além da política
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) concilia a vida parlamentar e as articulações para ser candidato à Presidência em 2026 com a atuação como advogado e empresário. O desempenho fora do Congresso inclui a defesa de ex-sócios do “Faraó dos Bitcoins”, réus em um suposto esquema de pirâmide financeira, e a comercialização de equipamentos feitos de grafeno para motociclistas.
O rol de atividades foi citado por Flávio ao comprar por R$ 5,97 milhões uma casa no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, mesmo endereço onde o escritório de advocacia está registrado. Ao contrair o empréstimo bancário, quitado no ano passado, ele afirmou que a renda como advogado e empresário era incorporada ao salário de R$ 44 mil que recebe do Senado. O GLOBO consultou documentos e processos para detalhar a atuação do senador.
Em nota, Flávio disse que comprou a casa com recursos oriundos da remuneração como “parlamentar, advogado e empresário”. Ele acrescentou que a negociação imobiliária foi investigada e nenhuma irregularidade foi encontrada.
Flávio Bolsonaro: senador, advogado, empresário e presidenciável
Uma parte do trabalho se concentra no Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde o senador assinou petições em pelo menos dez processos. O mais recente deles foi um habeas corpus que pedia o trancamento da ação penal contra dois ex-sócios de Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como “Faraó dos Bitcoins”. Ele está preso em uma penitenciária federal acusado de comandar um esquema bilionário de captação de ilegal de criptoativos e nega que tenha cometido crimes.
Os dois clientes de Flávio foram presos preventivamente junto com Glaidson na Operação Kriptos, em 2021. Depois, foram denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) por crimes contra o sistema financeiro, gestão fraudulenta e organização criminosa. No mesmo recurso em que deu procuração ao senador para atuar no caso, o advogado Bruno Gavioli Lopes pede a suspensão das audiências no processo antes que a Justiça analise a possibilidade de trancamento da ação penal. O requerimento é de abril deste ano.
Um mês depois, o ministro do STJ Messod Azulay Neto, que foi indicado ao cargo pelo então presidente Jair Bolsonaro em 2022, indeferiu o pedido, atendendo à manifestação do MPF. “Assim, não verifico qualquer ilegalidade manifesta ou constrangimento ilegal apto a justificar, de forma excepcional, o trancamento da ação penal”, escreveu o magistrado.
Defesa de PMs
Em outro caso no STJ, Flávio defendeu quatro policiais militares acusados pelos homicídios de quatro homens em uma tocaia na favela do Vidigal, Zona Sul do Rio, em 2020. Em dezembro daquele ano, O GLOBO revelou que as vítimas haviam sido alvos de uma emboscada: os agentes estavam dentro de um apartamento e atiraram nelas de cima para baixo. Em 2022, a Justiça do Rio decidiu que os quatro policiais iriam a júri popular, mas, após sucessivos recursos, o processo ainda não foi julgado.
O senador atua em prol dos policiais em parceria com o advogado Paulo Klein, que já foi responsável pela defesa de Fabrício Queiroz, ex-PM e ex-assessor parlamentar de Flávio nos anos em que esteve na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Queiroz era personagem-chave no suposto esquema da “rachadinha”, investigação que mirou Flávio e depois foi arquivada por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com o Estatuto da OAB, não há impedimento para que um parlamentar exerça a advocacia. A entidade, contudo, restringe a prática por integrantes do Legislativo, que não podem atuar em ações que tenham a União ou alguma estatal como uma das partes. Também veda o trabalho para entidades ou empresas concessionárias de serviço público.
Ação contra banco no STF
Como mostrou o GLOBO, na única ação em que Flávio atua no STF, o caso teve uma reviravolta no processo. O senador defende um ex-executivo que cobra direitos trabalhistas de um banco de investimentos no qual exerceu o cargo de diretor e sofreu um revés no Supremo.
Em novembro de 2023, o ministro Gilmar Mendes aceitou um recurso do banco. O caso — que corre em segredo de justiça — foi então levado à Segunda Turma do STF, composta, além de Mendes, pelos ministros Edson Fachin, Nunes Marques, Dias Toffoli e André Mendonça. Em julgamento no plenário virtual, em abril, todos os ministros, menos Fachin, mantiveram a decisão favorável ao banco.
Dois meses depois, em junho, o ex-executivo do banco contratou o senador como advogado e entrou com um novo recurso no Supremo. Quando o caso voltou a ser analisado, em outubro, Nunes Marques mudou o voto anterior e passou a discordar de Mendes, concordando com o recurso do cliente de Flávio. Essa posição foi seguida por Fachin e Dias Toffoli, formando a maioria da Turma, em um revés para Mendes. O julgamento, contudo, não foi concluído, já que o decano do STF pediu para que a análise seja feita de forma presencial.
Indicado por Jair Bolsonaro ao STF com apoio de Flávio, Nunes Marques disse, em nota, que a mudança de entendimento se deu porque foram apresentados "fatos novos" no processo. "A mudança de posição do ministro Nunes Marques na reclamação mencionada ocorreu a partir da apresentação de fatos novos no processo, que revelaram que no caso concreto o trabalhador havia tido carteira assinada antes de prestar serviço como Pessoa Jurídica", disse o magistrado por meio de sua assessoria, sem especificar se chegou a receber o senador para tratar do processo. Também procurado, Toffoli não comentou.
Venda de capacetes de grafeno
Em outra frente de trabalho, o senador é sócio da empresa Bravo Grafeno, fundada em 2024 com capital social de R$ 100 mil e sede em Brasília. A firma vende capacetes e viseiras e tem como garoto propaganda o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Flávio Bolsonaro vende capacete de grafeno
Reprodução
“A Bravo Grafeno é um sonho antigo, meu e de Jair Bolsonaro. Temos produzido e vendido capacetes de alta qualidade e atendido motociclistas de todo o Brasil”, disse o senador, em nota.
O grafeno é um material extraído a partir do grafite e pode ser utilizado como matéria-prima para a produção de aeronaves, veículos, armas e coletes à prova de bala. Os capecetes são vendidos por R$ 598,90 no site da empresa, enquanto as viseiras saem a R$ 54.
Quando era chefe da República, Bolsonaro gostava de ostentar o apelido de "presidente do nióbio-grafeno". Em abril do ano passado, Flávio visitou como senador uma planta de produção de grafeno em escala industrial, na Universidade de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul.
Em outubro deste ano, o senador fez um post entregando um capacete da sua empresa a uma apoiadora de Bolsonaro, que mora no condomínio do seu pai. "Agradecemos a todos que participaram da promoção e continuam acreditando na nossa marca. Em breve, teremos novidades exclusivas", publicou ele, fazendo propaganda do seu negócio.
