A novela da gravidez precoce no Brasil segue atual e sem resolução

 

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Jovens grávidas precocemente são um problema velho. As tecnologias e redes sociais trazem às novas gerações dilemas que ignorávamos décadas atrás, mas a gravidez na adolescência sempre foi um assombro e continua sendo. Prova disso é que um dos autores da atual novela das nove, Aguinaldo Silva, aborda agora em “Três Graças’’ o tema que o espantou há quase 20 anos, quando escrevia “Duas caras’’. Em entrevista, ele contou que visitou uma maternidade pública na época e se impressionou com a quantidade de gestantes ainda garotas, sozinhas, sem apoio dos pais das crianças.

A dificuldade é enorme para as meninas, que com suas mentes e corpos ainda em formação, têm que lidar com uma grande responsabilidade em meio a um futuro de incertezas. E as consequências disso, em maior ou menor grau, dizem respeito a todos nós como sociedade.

Mesmo quando a novidade chega a uma família de classe média ou com mais recursos, o susto inicial é inevitável. Com melhores condições econômicas e redes de apoio, porém, a situação costuma se reorganizar com o tempo. A jovem mãe adapta sua rotina e seus planos de algum modo. Sonhos podem ser adiados, mas não necessariamente cancelados. Já em famílias com menos oportunidades, muitas vezes sonhos são interrompidos antes mesmo de começarem — não por falta de vontade, mas por falta de possibilidade. Não há segundas chances quase sempre.

Na novela, essa realidade se repete pela terceira geração: Lígia (Dira Paes) foi mãe solo, viu o mesmo acontecer com sua filha, Gerluce (Sophie Charlotte), e agora assiste ao filme idêntico com a neta Joélly (Alana Cabral). O plano da estudante da Chacrinha era cursar Medicina. Quão mais difícil será isso agora? Ela tem que amparar um bebê, sua avó está doente em casa e a mãe trabalhando o dia todo fora, cuidando de outra família que tem dinheiro para lhe pagar um salário certamente menor do que merece, mas indispensável para o sustento.

Isso não é só história de novela, não é só problema de quem mora na favela, não diz respeito só às meninas. No recente evento violentíssimo que abalou o Rio de Janeiro, ocorrido nos complexos da Penha e do Alemão, vimos dezenas de corpos estendidos no chão da comunidade. Todos homens. Eles vieram de um ventre, foram gerados por uma mulher. Muitas delas estavam aos prantos ali, chorando os seus filhos, abandonadas, como sempre foram, desde quando um dia deram à luz seus nenéns.

Bebês crescem. Por que alguns viram médicos? Por que alguns viram policiais? Por que alguns viram criminosos? Já parou pra pensar na resposta? É tudo mesmo culpa das mães, como apontam tantos juízes da internet? Mães impossibilitadas de passar os dias com seus filhos e sem ter onde deixá-los porque estão cuidando dos filhos dos outros? E se fosse realmente assim, como explicar casos de playboys riquinhos, com mãe e pai em casa, que se tornam ladrões, traficantes, hackers, pedófilos, de dentro de seus quartos com ar-condicionado? Acontece com eles também. Aí a culpa é de quem?

Não há soluções únicas para problemas complexos. Nem toda jovem mãe terá uma matriarca em condições de apoiá-la moral e materialmente, como fazem Gerluce e Lígia na ficção, mas todo e qualquer cidadão precisa de políticas públicas efetivas, que mudem perspectivas. Mães abandonadas à própria sorte, assim como homens aos montes mortos no chão, são reflexos de uma sociedade que não cuida das pessoas, que desumaniza. Que transforma gente em coisa sem valor.

Gabriela Germano é editora-assistente e atua na área de cultura e entretenimento desde 2002. É pós-graduada em Jornalismo Cultural pela Uerj e graduada pela Unesp. Sugestões de temas e opiniões são bem-vindas. Instagram: @gabigermano E-mail: gabriela.germano@extra.inf.br